Efeitos Primário, Posterior e Alternante dos Medicamentos
Elias
Carlos Zoby
www.oocities.org/eczoby
Introdução
A questão do efeito primário, secundário e alternante dos
medicamentos, colocada por Hahnemann, ainda hoje suscita
dúvidas. Será que os sintomas que apareceram no experimentador
após muito tempo da ingestão do medicamento são úteis para a
prescrição? A julgar de Medicina da Experiência e Organon, só
os sintomas iniciais teriam valor.
Este artigo é primariamente uma sucinta revisão do assunto na
obra de Hahnemann.
Resultados e discussão
"I. A maioria dos medicamentos têm mais do que um efeito
(Wirkung), um direto inicial (direkte anfängliche),
o qual gradualmente muda para o segundo (que eu chamo efeito
posterior indireto (indirekte Nachwirkung)). O
último é usualmente um estado exatamente oposto ao primeiro.
Desse modo age a maioria dos vegetais.
"II. Mas poucos medicamentos são exceção a essa regra, e
continuam seu efeito inicial ininterruptamente, do mesmo tipo,
porém em menor e menor grau, até após algum tempo não mais
dele se perceber, e a condição natural do corpo é restaurada.
Desse tipo são os medicamentos metálicos (e outros minerais?),
por ex., arsênico, mercúrio e chumbo." (Essay on a New
Principle, 1796, p. 266.)
"O corpo humano vivo permite-se ser inicialmente alterado
pela ação dos agentes físicos; mas essa alteração não é
nele como em substâncias inorgânicas, permanente (como
necessariamente seria se o agente medicinal atuando numa maneira
contrária à doença tivesse um efeito permanente, e fosse de
benefício duradouro): ao contrário, o organismo humano vivo
luta para desenvolver por antagonismo* o exato oposto da
afecção primeiramente nele produzida de fora, como por
ex. uma mão mantida mantida tempo suficiente em água gelada,
após ser retirada (não permanece fria, nem meramente assume a
temperatura da atmosfera circundante, como uma pedra (morta) o
faria, nem mesmo reassume a temperatura do resto do corpo!)
quanto mais fria era a água do banho, e mais tempo ela atuou na
pele saudável da mão, mais inflamada e mais quente ela se torna
depois.
"* Esta é a lei da natureza, em obediência à qual o
emprego de todo medicamento produz inicialmente certas
alterações dinâmicas e sintomas mórbidos no corpo humano vivo
(efeito primário ou primeiro dos medicamentos (primäre
oder Erst-Wirkung der Arzneien)), contrário a ele,
por meio de um peculiar antagonismo (que pode em muitos casos ser
chamado o esforço de autopreservação), produz um estado
diretamente oposto ao primeiro (efeito secundário ou posterior
(secundäre oder Nachwirkung)), por ex. no caso de
substâncias narcóticas, insensibilidade no primeiro efeito, e
dolorimento no efeito posterior." (Spirit of the
Homoeopathic Medical Doctrine, 1813, mantido na 3ª ed. da Reine
Arzneimittellehre em 1833.)
§32 ... Todo medicamento verdadeiro age, a saber, toda
vez, sob todas as circunstâncias, em todos os
seres humanos vivos, e produz nele seus sintomas peculiares
(claramente perceptíveis, quando a dose for grande o
suficiente), de modo que, evidentemente, todo organismo humano
vivo deve ser afetado e como que inoculado pela doença
medicamentosa toda vez e inteiramente (incondicionalmente),
o que, como afirmado, não é, de nenhuma forma, o caso com as
doenças naturais.
§63 "Toda força que atua sobre a vida, todo medicamento,
afeta a força vital em maior ou menor escala, e causa uma certa
alteração no estado de saúde do Homem por um tempo maior ou
menor. A isso se chama efeito primário (Erstwirkung).
Embora produto da força vital e do poder medicamentoso, faz
parte, principalmente, deste último.
"A essa ação, nossa força vital se esforça para opor sua
própria energia. Tal ação oposta faz parte de nossa força de
conservação e constitui uma atividade automática da mesma,
chamada efeito posterior (Nachwirkung) ou reação
(Gegenwirkung)."
§112 "Nas descrições mais antigas dos efeitos muitas
vezes perigosos dos medicamentos ingeridos em doses excessivas,
notam-se também certos estados que surgem não no início, mas
no fim desses tristes acontecimentos que eram de natureza
exatamente oposta aos que haviam surgido inicialmente. Esses
sintomas opostos ao efeito primário (§63) ou ação
própria dos medicamentos sobre a força vital, são a reação
do princípio vital do organismo, portanto, efeito posterior
(§ 62-67), da qual, contudo, raramente ou quase nunca resta o
menor vestígio em experiências feitas com doses moderadas em
organismos sadios; quando, porém, as doses são pequenas, nunca
resta absolutamente nada. No processo homeopático de cura, o
organismo vivo produz, contra tais doses, tão somente a reação
necessária para restabelecer o estado normal de saúde."
§115 "Entre esses sintomas existem em alguns medicamentos
não poucos que são opostos aos outros que parcialmente
apareceram antes ou depois, ou em certas circunstâncias
acessórias, entretanto não devem ser considerados como
verdadeiro efeito posterior ou mera reação da força
vital, somente representam o estado alternante dos diversos
paroxismos do efeito primário; são chamados efeitos
alternantes (Wechselwirkung)."
§251 "Há alguns medicamentos (como por exemplo Ignatia,
eventualmente também a Bryonia e Rhus, parcialmente também
Belladonna) cujo poder de alterar o estado de saúde do Homem
consiste, principalmente, em efeitos alternantes, um tipo de
sintomas de efeitos primários opostos entre si. ..."
§137 "Quanto mais moderadas, até certo grau, forem as
doses de um determinado medicamento empregadas em certos
experimentos... mais claramente surgem os efeitos primários e
apenas esses, como dignos de ser conhecidos, e sem efeitos
posteriores ou reações..." (Organon, 6ª ed., igual à
5ª, 1842.)
A Medicina da Experiência (1805) é ainda mais taxativa em dizer
da superioridade dos efeitos primários sobre os posteriores para
fins de prescrição: se a semelhança é com os primeiros, o
tratamento é positivo ou curativo rápida e permanente
melhora; se os sintomas da doença forem opostos aos do primeiro
efeito, ocorrerá supressão seguida de piora da doença, esses
são os remédios paliativos alívio negativo (The
Medicine of Experience, Lesser Writings, p. 453-8.). O mesmo, em
outras palavras, ele havia dito em Dos Efeitos do Café (1803)
(On the Effects of Coffee, Lesser Writings, p. 408.)
No Ensaio sobre um Novo Princípio..., Hahnemann usou as palavras
erster (primeiro), anfängliche.. (inicial), direkt..
(direto), gerade.. (direto) para o que foi chamado de
"efeito primário"; e Nachwirkung (efeito
posterior) ou Gegenwirkung (reação, contra-efeito) para
o que foi chamado "efeito secundário". Todos
exclusivamente em relação aos efeitos medicamentosos. Em 1817,
Exame das Fontes da Matéria Médica Comum (mantido na 2ª ed. da
Reine Arzneimittellehre, vol. iii, em 1825), ele ainda
escrevia erste Wirkung como palavras separadas. Foi
acrescentado Wechselwirkung (efeito recíproco, efeito
alternante) desde a Reine Arzneimittellehre.
Na Matéria Médica Pura (Reine Arzneimittellehre)
escreveu primär..wirkung em: Arsenicum, Ferrum, Ignatia,
Pulsatilla, China, Helleborus niger, Squilla e Veratrum album.
Não usou secundär.. nas matérias médicas.
No Organon 6ª ed. (pesquisado apenas este por falta de acesso ao
original das outras) e nas Doenças Crônicas (Chronischen
Krankheiten) os equivalentes a "efeito primário"
estão todos como Erstwirkung (primeiro efeito), e
"efeito secundário" como Nachwirkung ou Gegenwirkung.
Nem o termo primär.. e nem sekundär.. aparecem no
Ensaio sobre um Novo Princípio. No Organon e Doenças Crônicas
ele usou primär.. e sekundär.. (secundär..)
exclusivamente em relação a sintomas e doenças naturais, nunca
como efeito do medicamento. Primär.. aparece seis vezes
no Organon (Introdução, §§ 204 e 205); uma nas Doenças
Crônicas (Sulph, falando sobre sintomas da sarna). Sekundär..
foi usada vinte sete vezes nas Doenças Crônicas, e quatro no
Organon.
§205 "O médico homeopata jamais trata um desses sintomas
primários (Primär-Symptome) dos miasmas crônicos, nem
os seus secundários que resultam de seu desenvolvimento com
medicamentos tópicos..." (Organon, 6ª ed.)
Ao longo do Organon parece haver uma associação ou
equivalência entre o primeiro efeito e efeito positivo dos
medicamentos ("efeitos puros e positivos", § 119;
"conhecidos em seus efeitos positivos", §152;
"efeitos exatos e positivos", § 285; etc.).
No Archiv für die homöopathische Heilkunst (1822 a
1848), editado por Ernst STAPF, primär.. e secundär..wirkung
aparecem diversas vezes com o mesmo sentido de Erstwirkung
(primeiro efeito) e Nachwirkung (efeito posterior).
Hoje, muitos sintomas surgidos tempos depois da tomada, os quais
deveriam ser classificados como efeitos posteriores, são
conhecidos como característicos. Podem ser citados:
- Sint. 15 de Antimonium crudum na Reeine Arzneimittellehre
de HARTLAUB e TRINKS, surgido "após uns dias" é o
"sentimentalismo à luz da Lua" frisado por Kent (Lectures
on Materia Medica, p. 106);
- Sint. 326 de Sepia nas Doenças Crônicaas, surgido após vinte
dias, é a famosa mancha amarelada em forma de sela cruzando o
nariz.
DUDGEON, analisando as experimentações e textos teóricos em
ordem cronológica, disse que Hahnemann progressivamente
abandonou a diferenciação inicial em efeito primário e
secundário, substituindo o último por efeito alternante e
depois mesmo esse tornou-se muito raro se comparado ao Ensaio
sobre um Novo Princípio, no qual a diferenciação era
freqüente; sendo evidência de que todo sintoma ocorrendo pelas
pequenas doses num indivíduo saudável passou a ser registrado
como ação medicinal com poder curativo. (Lectures on the Theory
and Practice..., p. 220-2)
Arsenicum album na Matéria Médica Pura (vol. ii) de Hahnemann:
211) "Ausência de sede, falta de sede.
Um raro efeito alternante contra o muito mais freqüente em que
há constante anseio por bebidas, e porém apenas pouco é bebido
de cada vez, mas muito freqüentemente (raramente muito de uma
vez). Vide 362, 927."
Este sintoma 211 está nas Doenças Crônicas (vol. v, n. 371)
sem nenhuma referência ao tipo de efeito.
952) "O tremor passa após o almoço.
Um (raro) efeito alternante contra o mais freqüente em que os
sintomas ocorrem após o almoço."
Lycopodium em Doenças Crônicas (vol. iii, 1828):
840) "Grande fraqueza nas partes sexuais e vizinhas...
(após 3 dias)." 841) "Impulso sexual diminuído por
dez dias (após 7 dias)." 843) "Impulso ao coito
extinto (no efeito posterior?) (após 30 dias)."
Em Natrum muriaticum Hahnemann (ibid, vol. iv, 1830) não anotou
os dias de ocorrência dos sintomas de Schréter (com a 30 CH)
além do terceiro, mas T. ALLEN (Encyclopedia, vol. vi) o
fez:
- "Ódio das pessoas que tinham-no oofendido (segundo
dia)."
- "Avesso a conversar, e encrespadoo quando questionado
(décimo quarto dia)."
Em Dos Efeitos do Café (Hahnemann, Lesser Writings, p.
408) lê-se: "A ação primária de ópio no sistema
saudável é causar um sono estupefacto roncante, e sua ação
secundária - o oposto - insônia. Agora se o médico for tão
tolo para tratar uma insônia mórbida habitual com ópio, ele
age numa maneira palitativa. ... que é agora concordantemente
agravada."
Opium na Encyclopedia de Allen, vol. vii:
2120) *Apesar de sonolento ele está incapaz de adormecer, com
pulso lento. (Grimm, por dose ponderal.) Sintoma verificado
repetidamente por curas, e citado por H. C. Allen, W. Boericke e
outros.
2133) *A noite, que era usualmente quieta, com sono
ininterrupto, era agora muito inquieta, com constante revirar-se
e rolar para lá e para cá; ...; estava consciente de cada
ruído na rua, mesmo o tique-taque do relógio incomodava-o. ...
(terceira noite). (Eidherr, experimentações com a 1ª
diluição, doses de 4-14 gotas.) Sintoma valorizado por W.
Boericke, N. M. Choudhuri, Kent... e com a maior pontuação nos Guiding
Symptoms de Hering.
Conclusões
Analisando os dados, nota-se que Hahnemann
inicialmente usava vários termos (primeiro, inicial, direto)
para designar o primeiro efeito do medicamento sobre o organismo,
efeito da substância e, portanto, dependente de dose ponderal. O
efeito posterior, reação, ele chamou sempre pelos mesmos
termos.
As expressões primeiro efeito, inicial, direto e efeito
primário se equivalem; como entre si efeito posterior, reação
e efeito secundário. Ele também associou o efeito primário a
efeito positivo, verdadeiro, do medicamento, já que o
secundário seria efeito somente da força vital.
Sua afirmação de que "Todo medicamento verdadeiro age, a
saber, toda vez, sob todas as circunstâncias, em todos
os seres humanos vivos, e produz nele seus sintomas peculiares
(claramente perceptíveis, quando a dose for grande o
suficiente)" "e causa uma certa alteração no estado
de saúde" (primeiro efeito) demonstra que para ele haveria
sempre matéria nas dinamizações, e as experimentações seriam
um tipo de "intoxicação obrigatória" (expressão de
Masi Elizalde, aula). À qual se seguiria o efeito posterior, se
houvesse e fosse necessário devido à intensidade do primeiro
efeito.
Desde o Ensaio sobre um Novo Princípio... Hahnemann já havia
escrito que medicamentos metálicos produziam efeitos semelhantes
aos iniciais mesmo posteriormente.
Sabe-se que os medicamentos dinamizados além do Número de
Avogadro somente produzem efeitos nos indivíduos especialmente
sensíveis, por maior que seja a dose. Aqui já não se fala em
intoxicação obrigatória mas em susceptibilidade, e esses
efeitos são produzidos pela força vital afetada pelo
medicamento. Eles podem apresentar-se desde o início, ou
posteriormente; em qualquer caso seu caráter varia apenas de
acordo aos diferentes experimentadores, e isso independente do
medicamento ser de origem vegetal, animal ou mineral. Exemplo de
um mesmo caráter permeando os efeitos iniciais e posteriores
pode ser visto nas Doenças Crônicas (vol. iii, 1828) em
Lycopodium (fraqueza sexual aparecendo após 3, 7 e 30 dias).
Na mesma obra (vol. iv, 1830), sob Natrum muriaticum os sintomas
de Schréter só tiveram os dias de sua ocorrência indicados
quando eram até o terceiro dia, daí por diante não houve
indicação. Parece que Hahnemann nesse período já não dava
tanta importância ao fato do sintoma aparecer antes ou mais
tarde. Entretanto T. Allen pesquisou dos diários de
experimentação e assinalou os dias, e fica claro que o caráter
dos sintomas não mudou por surgirem ao início ou dias após a
tomada do medicamento.
A colocação categórica de que ópio é só paliativo em
pacientes com insônia foi depois contrariada pelos mais
destacados homeopatas, tanto usuários de baixas como de
altíssimas dinamizações.
Sintomas opostos que ocorressem no mesmo indivíduo, sucedendo-se
no tempo, eram chamados primários e posteriores. Entretanto
Hahnemann observou que esses opostos poderiam aparecer como
efeito primário num indivíduo e como secundário em outro,
quando então os chamava efeitos alternantes.
O "efeito alternante", para Hahnemann, era sintoma de
efeito primário mas de caráter oposto aos mais freqüentes que
apareciam primeiro, ou posteriormente, ou mesmo oposto em
modalidades. Neste caso a oposição e alternância não se davam
no mesmo indivíduo obrigatoriamente.
Esse "efeito alternante" não deve ser confundido com
sintomas que se alternam temporalmente uns com outros no mesmo
indivíduo, sem caráter de oposição, alguns dos quais deram
origem às rubricas de alternância nos repertórios
homeopáticos. Como o sintoma 161 de Arsenicum (Materia Medica
Pura): "Alternadamente cheiro de piche e enxofre no
nariz". Isso não é o "efeito alternante" (Wechselwirkung)
referido neste estudo.
Os efeitos primário e secundário só ocorrem quando se usa
doses ponderais. Assim, quando se trata de medicamentos
dinamizados é ocioso falar em efeitos primários ou posteriores
nas experimentações. Todos são efeitos que o medicamento é
capaz de produzir e, conseqüentemente, curar em indivíduos
susceptíveis.
Referências bibliográficas