SIGILO BANCÁRIO E RETROATIVIDADE

por José Humberto da Rocha*

Enquanto pendentes de julgamento diversas ações diretas nas quais se discute a constitucionalidade dos dispositivos legais que permitem à Secretaria da Receita Federal obter informações relativas à movimentação financeira dos contribuintes para fins de instauração de procedimento administrativo fiscal e de formalização de crédito tributário, notadamente, do art. 6º da Lei Complementar 105//2001 e do art. 11, §3º da Lei nº 9.311/96, com redação dada pela Lei nº 10.174/2001, os contribuintes travam uma batalha silenciosa contra a Administração Tributária, destacando-se, nesse contexto, decisão proferida pelo Primeiro Conselho de Contribuintes, tocante à retroatividade do citado art. 11 da Lei nº 9.311/96. O Acórdão nº 101-94.196 acolheu as razões da Fazenda Nacional e rejeitou a alegação da contribuinte no sentido de que o lançamento era nulo, por basear-se em provas obtidas, ilicitamente, pelo Fisco junto à instituição financeira, constituindo-se, assim, violação às garantias individuais asseguradas na Constituição federal, em face da quebra indevida do sigilo bancário. Invocou o contribuinte a irretroatividade da lei, ao argumento de que, tendo o dispositivo legal em que se respaldou a autoridade lançadora, entrado em vigor na data da publicação da Lei nº 10.174, ou seja, 11 de janeiro de 2001, não poderia alcançar fatos pretéritos, no caso, movimentação financeira pertinente ao exercício de 1998.

O argumento aduzido pela contribuinte foi refutado com base no art. 144, §1º do CTN, que excepciona a irretroatividade da lei, ao prever que "aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgando ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros."

Trata-se de argumento, praticamente, irrespondível, restando, tão-somente o questionamento quanto à constitucionalidade do próprio art. 144, §1º do CTN, que confere fundamento de validade ao dispositivo legal invocado, vale dizer que, neste caso, estaria em jogo a indagação quanto à possibilidade de o CTN excepcionar a irretroatividade da lei e, assim fazendo-o, negar o direito adquirido relativo à intangibilidade dos dados da movimentação financeira até então não alcançados por qualquer dispositivo legal que relativizasse essa garantia. Com efeito, pode-se argumentar que não é toda e qualquer norma sobre critérios de apuração ou processos de fiscalização que tem força retro-operante, mas sim, aquelas normas que não interfiram com valores ou garantias consagrados, constitucionalmente, pois de outro modo, a norma complementar estaria negando o direito adquirido de maneira apriorística, absoluta e indiferente aos valores constitucionais, sobrepondo-se à norma fundamental.

Confrontadas as teses, superficialmente analisadas, a probabilidade de os contribuintes se sagrarem vencedores, já se pode antever remota. Seguramente, mais vale apostar todas as fichas na aprovação do Código de Defesa do Contribuinte, em tramitação no Congresso Nacional, que em seu art. 5º, submete a estipulação de requisitos modificadores dos "meios e modos operacionais de apuração do débito tributário", não apenas ao princípio da irretroatividade, mas ao princípio da anterioridade, que representa proteção maior para aqueles que, por circunstâncias diversas, têm motivos para não revelarem suas operações financeiras ao Fisco.

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* José Humberto da Rocha, Procurador-Chefe da Procuradoria da Fazenda Nacional no Rio G. do Norte