Por
que o cachorro é inimigo de gato...
e gato de rato
Antigamente
todos os bichos eram amigos e o leão governava todos. Cachorro,
gato, rato, ovelha, onça, raposa, timbu, pinto, tudo vivia junto
e sem briga.
Uma feita Nosso Senhor mandou o leão libertar os bichos,
passando carta de alforria a todos, para que pudessem ir onde quisessem.
Havia muita contenteza. O leão chamou os bichos mais ligeiros e
entregou as cartas de liberdade para ir dando aos outros animais.
Chamou o gato e deu a ele a carta de alforria do cachorro.
O gato saiu numa carreira danada. No caminho encontrou o rato que
estava entretido bebendo mel de abelhas.
- Camarada gato! Para onde vai nesse desadoro?
- Vou entregar essa carta ao camarada cachorro!
- Deixe de vexame! Descanse e beba esse melzinho gostoso.
O gato foi lamber o mel e tanto lambeu e gostou que
acabou enfarado e dormindo. O rato, de curioso, foi cascavalhar
a bruaca que o gato trazia a tiracolo e encontrou uns papéis. Meteu
o dente, roendo, roendo, roendo, e deixou tudo virado em bagaço.
Vendo que fizera uma desgraça, fez um bolo e sacudiu dentro da bruaca
do gato e ganhou a mata.
O gato, acordando, largou numa carreira "timive"
até encontrar o cachorro, a quem entregou o papel. O cachorro foi
ler e viu que tudo estava esbagaçado e roído. Não podia provar ao
homem que era bicho-livre e ficou zangado de ferro e fogo com o
gato, dando uma carreira atrás dele para matá-lo. O gato, por sua
vez, sabendo que aquilo era trabalho do rato, não procurou coisa
senão passar-lhe o dente para vingar-se.
E até hoje, cachorro, gato e rato, são inimigos até
debaixo dágua.
(Informante: João Monteiro. Natal, Rio Grande do Norte)
Nota: É um conto etiológico, explicando a inimizade de cães,
gatos e ratos. Corrente nos folclores da Europa do norte e leste.
É o Mt. 200 de Aarne-Thompson, The dogs certificate. João
Ribeiro, O folk-lore, XLIV, 3135. Fábula e provérbio,
estudou o motivo, transcrevendo uma versão africana de Libolo, Angola.
Cão, gato e rato brigam por que o último não restituiu (a rata roera)
a carta de alforria que o primeiro confiara ao segundo, p. 316-318.
Motivo idêntico ocorre na La querelle des chiens et des chats,
de La Fontaine, não aparecendo os ratos.
(Cascudo, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil)
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