__________________________________________________________________________________________
PREÂMBULO
Este é provavelmente o primeiro texto político em Portugal cuja construção pôde ser permanentemente seguida, observada e comentada na Internet e em múltiplas reuniões abertas especializadas. Ao longo de um ano, foram muitos os que em muitos sectores da sociedade portuguesa, contribuíram activa e abertamente para a preparação deste documento. A sua própria génese e formação foi, assim, um exercício inovador de democracia participada, num contexto de decisão clara e de orientações responsáveis.
Seria uma ilusão confundir o Livro Verde com uma meta atingida. Ele é antes o rasto momentâneo e simbólico de um movimento amplo na sociedade, movimento cada vez mais participado e exigente, cuja força vital se confunde com a própria vitalidade do País em busca do futuro.
As sociedades não perdem o seu lastro histórico; o desejo da Sociedade da Informação — e do Conhecimento — não faz uma sociedade nova: é antes a renovação de um ideal antigo, a proclamação de uma liberdade desejada, a fome de modernidade e de justiça, como se, de repente, as possibilidades técnicas tornassem insuportáveis os entraves burocráticos, a sufocação autoritária, a privação de informação e de saber.
À cabeça deste Livro Verde colocámos, como não podia deixar de ser, a questão decisiva da democraticidade e o combate à exclusão.
A técnica não escolhe por nós nem os valores nem as acções. A nossa responsabilidade fica inteira a cada mutação tecnológica. As tecnologias de informação podem servir para libertar forças de cidadania e fazer desabrochar solidariedades à escala planetária. Mas também podem usar-se para controlar e fichar mais comodamente, para punir e vigiar o pensamento livre, para sabiamente perseguir e cientificamente torturar.
Não somos tecnicistas. Ao tomarmos como nosso esse lema geral, sedutor e aparentemente neutro da Sociedade da Informação, retirámos-lhe a falsa neutralidade e tomámos, antes de mais, partido pela cidadania, contra a exclusão; pelo conhecimento, contra a manipulação do espírito; pela liberdade, contra a opressão, especialmente contra a opressão confortada tecnicamente; pela inovação contra os monopólios.
Há um ano atrás lançávamos o Programa Internet nas Escolas como eixo visível e prioritário da Iniciativa Nacional para a Sociedade da Informação e definíamos o Estado Aberto, a Escola Informada, a Empresa Flexível e o Saber Disponível como grandes vectores dessa Iniciativa.
Em todas essas direcções foram dados já passos decisivos — porque houve vontade e porque ela foi partilhada.
Urge agora concretizar mais. Acelerar a educação para a Sociedade da Informação e a disponibilização de meios de base e de recursos às escolas, às associações, às bibliotecas. Promover com urgência a aplicação de novas tecnologias de informação à saúde e, muito especialmente, à vida das pessoas com deficiências. Criar centros de tele-trabalho e reforçar, assim, neste terreno dinâmico, social e regionalmente útil, o combate pelo emprego. Desenvolver formas de apoio à modernização empresarial baseadas no uso de tecnologias e sistemas de informação e de telecomunicação. Avaliar as práticas da Administração Pública que ainda hoje reduzem a nossa cidadania e nos afastam do Estado Aberto às pessoas, liberto de entraves burocráticos nocivos.
Não haja medo da transformação, nem das capacidades criativas de uma sociedade livre. Não haja medo das rupturas necessárias.
O ideal de uma sociedade de conhecimento e de informação afirma-se concretamente nas escolhas que decidirmos ter a coragem de assumir, como colectivo humano.
O Livro Verde quer-se contributo catalisador de acções futuras, fermento mobilizador e referência de trabalho.
Porque não haveria de construir-se aqui, em Portugal, neste fim de século, o ideal de uma nova Odisseia, da Odisseia do Conhecimento, grande desafio à medida da história que teimamos em lembrar e querer merecer?
Não são a história e a língua de um povo aberto ao mundo as substâncias primeiras da sua identidade, tornada informação e conhecimento vivos, actualizados constantemente na renovação dos suportes técnicos, dos modos de difusão, das formas de ver ?
A própria memória histórica das instituições e dos povos não vive fora do modo de desenvolvimento social do conhecimento e da informação; ao escrever-se em suporte novo e diverso, ao transcrever-se em forma digital, repensar-se em hipertexto, aprofunda-se e renova-se, ganha outro sentido e conquista nas sociedades modernas uma escuta mais ampla e actual. O pensamento não só se recria como também nos fabrica a nós próprios. Apostados numa Sociedade da Informação e do Conhecimento, tornamo-nos melhores que nós mesmos, mais cultos e mais informados, mais libertos do que interiormente nos prende e nos limita.
Esta liberdade e esta ambição querem-se colectiva e generosamente ou não vale a pena. Somos demasiadamente poucos, confrangedoramente ignorantes e segmentados e tradicionalmente pouco unidos neste canto de mundo. Mas somos capazes de enfrentar desafios.
Creio sinceramente ser este o único desafio colectivo que hoje vale a pena.
Tudo o que colectivamente nos irmana e nos ajuda a enfrentar a incerteza e a difícil renovação no ciclo fatal da vida — a língua, a história, o modo amável de nos reconhecermos nesta terra ou em qualquer outra parte do mundo, a identidade única de constantemente nos indignarmos connosco, com o país, sempre em devir, com o destino, sempre adiado, tudo o que faz de nós o que colectivamente somos, mesmo que não o queiramos — tudo isso só sobreviverá se a civilização moderna do conhecimento exigente e exposto e da informação global brotar também de nós. Se ficarmos a vê-la passar, melancolicamente, como os navios da lenda, nem o miradouro que julgávamos nosso nos ficará, nem o olhar, nem a voz, e, por fim, nem a memória de um povo.
O que hoje se acelerou no mundo foi a própria exigência de conhecimento e de informação, única forma de cristalização criativa e viva das sociedades abertas, muito mais rápida e ainda mais exigente nos pequenos países, cujo destino e memória hoje se joga apenas na sua força de civilização actualizada e produtiva.
Não se trata de um desafio técnico, mas eminentemente político e social.
Não se trata de utensílios, mas de valores.
O futuro está na ponta desta acção, que não pode não deve falhar.
José Mariano Gago
Ministro da Ciência e da Tecnologia
Maio de 1997
Visite a minha Escola |