Eça de Queirós foi um dos principais responsáveis pela introdução do Realismo em Portugal e O Primo Basílio foi um dos dois livros (sendo o outro O Crime do Padre Amaro, do mesmo autor) que mais colaboraram para desbancar o Romantismo de Camilo Castelo Branco ou Júlio Dinis e instalar em Portugal novos padrões de arte e de visão da sociedade e da vida. O livro é um delicioso quadro da classe média de Lisboa, com inesquecíveis tipos caricatos, como o Conselheiro Acácio e Dona Felicidade, e uma história ao mesmo tempo banal e envolvente. Luísa vive um casamento morno com seu prosaico marido, o engenheiro Jorge, e intoxica-se de fantasias românticas hauridas em livros ou sugeridas nas conversas com sua "devassa" amiga Leopoldina. No meio de um verão sufocante, durante o qual Jorge faz uma viagem de trabalho, Luísa recebe a visita de um primo rico, seu ex-namorado, agora vivendo em Paris, cidade idealizada nos sonhos românticos da moça. Uma velha empregada ressentida - Juliana - a tudo assiste, cheia de intenções de vingança.
Esses são os ingredientes com que o estilo irresistível de Eça de Queirós compõe a trama do romance. Disso resulta uma crítica demolidora da moral pequeno-burguesa. A aventura "romântica" de Luísa é vista sem nenhum romantismo; ao contrário, é desnudada pelas lentes implacáveis do realismo, que, nessa época, Eça abraçava com fervor, utilizando-o como método de análise para elaborar um amplo e devastador quadro crítico da sociedade portuguesa. A força de O Primo Basílio, contudo, não provém de sua trama (que Machado de Assis, em crítica publicada na época do lançamento do livro, demonstrou ser defeituosa) nem de suas intenções de saneamento social, mas sim do poder com que Eça compõe as situações e do encanto do seu estilo. Com efeito, era um estilo novo naquele momento, feito de sugestão e economia, cheio de imprevistos na delicada associação de palavras nunca antes reunidas. Essa escrita tornou-se modelo da prosa moderna em português, inclusive da prosa jornalística.
Publicado em 1878, o romance O Primo Basílio é uma análise muito bem realizada acerca do casamento e do comportamento burguês. Bastante influenciado por Madame Bovary, de Gustave Fiaubert, Eça de Queirós tem em Emma Bovary o modelo para a construção de Luísa, personagem frágil, sonhadora, romântica. Luísa casara-se com o engenheiro Jorge, apesar de não amá-lo. Tendo que viajar para o Alentejo, Jorge deixa a esposa em Lisboa, sozinha, entregue a uma vida de tédio, pois Luísa não tem nenhuma ocupação. Um dia, recebe a visita de seu primo Basílio, antigo namorado, recém-chegado do Brasil. Tornam-se amantes em pouco tempo, encontrando-se freqüentemente em um quarto alugado especialmente para esse fim amoroso. Logo a criada Juliana descobre o relacionamento e intercepta a correspondência da patroa, escondendo as cartas comprometedoras de Luísa a Basílio. A criada passa a fazer chantagem com a patroa, e Luísa, desesperada, propõe a Basílio que fujam. Este não aceita a proposta da amante e parte sozinho para Paris. À mercê da empregada, Luísa torna-se pouco a pouco uma verdadeira presa nas mãos de Juliana: é obrigada a fazer o serviço doméstico em lugar da criada e sua situação fica insustentável. Jorge retorna do Alentejo e estranha bastante a situação da esposa. Luísa, desesperada, procura o amigo Sebastião e pede-lhe ajuda. Sebastião pressiona Juliana e recupera as cartas comprometedoras. A criada morre. Luísa fica doente em seguida. Um dia recebe uma carta de Basílio, que Jorge lê e toma conhecimento das relações entre a esposa e o primo. Quase convalescente, a moça tem uma recaída, delirando e entrando em estado irrecuperável. Termina por falecer.Breves Comentários
Em O Primo Basílio, encontramos uma análise dos mecanismos do casamento e do comportamento da pequena burguesia lisboeta. Eça deixa transparecer que escreve com o objetivo social, ao atacar a família lisboeta, que para ele é produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem e, ao atacar a pequena burguesia, através de um grupo social alicerçado em falsas bases no meio da transformação moderna. No decorrer da história o narrador nos mostra como se deu o casamento de Luísa e Jorge : Quanto a Jorge : "Ele, nunca fora sentimental (...) Quando a sua mãe morreu, porém, começou a achar-se só (...) Decidiu casar. Conheceu Luísa, no verão (...) Apaixonou-se pelos seus cabelos louros, pela sua maneira de andar, pelos seus olhos castanhos muito grandes. No inverno seguinte foi despachado, e casou." E assim esse casamento sem maiores raízes, naufraga no adultério com a aproximação de um vulgar sedutor, o primo Basílio; o primeiro namoro de Luísa.O Moralismo do Realismo Português
Eça de Queiroz não é apenas um analista (como propunha o realismo) nem apenas um artista, mas também um moralista. Possuía uma finalidade ética e social a atingir, afirmando que "uma sociedade sobre estas falsas bases (analisadas no Primo Basílio), não está na verdade : atacá-las é um dever (...) Amaro é um empecilho, mas os Acácios, os Ernestos, os Saavedras, os Basílios são formidáveis empecilhos; são uma bem bonita causa de anarquia no meio da transformação moderna : merecem partilhar com o Padre Amaro de bengala do homem de bem." Neste trecho acima, percebemos claramente, o objetivo social, altruístico, com intuitos essencialmente morais. Entretanto, os psicanalistas observam que "as exigências morais do Super-Ego são satisfeitas por esse tom social altruístico e tornam possível a volta do recalcado, sob essa forma modificada." Diante dessa afirmação, será que Eça ao tratar do seu mais íntimo e profundo problema não tenha colocado o moralismo, justamente, para censurar a si mesmo ? Em O Primo Basílio encontramos a necessidade de se trabalhar pela moralização da sociedade portuguesa, principalmente através da crítica que se faz à pequena burguesia e à família. Como Eça disse : "... uma sociedade sobre falsas bases ..." Muitas de suas personagens estão destituídas de força moral. O Cons. Acácio, por exemplo, que representando o "formalismo oficial", mantém um relacionamento, secreto, com a sua criada Leopoldina que representa a parte má que existe na alma da mulher e, também, a Luísa que, entregue à fantasia sentimental, é totalmente destituída de consciência moral, predispondo-se ao adultério. Luísa adoece, com uma inesperada febre nervosa. Jorge toma conhecimento das relações da esposa com o primo, através de uma carta. Quanto Jorge mostra a carta a Luísa, esta, num gesto romântico, estatela-se ao chão Tanto é assim, que quando doente, nos momentos de lucidez, Luísa pedia a presença do marido ao seu lado: é o lado moralizador do realismo português. E, a morte de Luísa, é também muito significativa. Diante da tese desenvolvida em O Primo Basílio, achou-se necessário, como conclusão, castigar a heroína. O Castigo foi a morte. Eça, como crítico, muitas vezes impiedoso, da sociedade portuguesa, sentiu a necessidade de reformas sociais, por isso, a tudo moralizou. Eça de Queirós não é apenas um analista (como propunha o Realismo) nem apenas um artista.Um Moralista
Dona Felicidade |
representa a figura materna, simpatiza-se com Basílio |
Acácio |
figura paterna, destituída de força moral, simpatiza-se com Basílio |
Leopoldina |
representa a parte má que existe na alma da mulher |
Jorge |
irmão que ama honestamente - uma parte do irmão que protege |
Sebastião |
a outra parte do irmão que protege, linguagem do sentimento, protetor inconsciente, sabe que atrás daquele namoro se aninha um impulso incestuoso. |
Basílio |
figura do romancista "alto, delgado, um ar de fidalgo, o pequeno bigode preto levantado...", impulso sexual ilegítimo, irmão que deseja (leviano) |
Juliana |
censura corrompida (usa de chantagem) |
Julião |
potência consciente, linguagem da lógica, linguagem natural da consciência, não vê mais que um simples adultério, pouco lhe importa o que possa suceder entre Luísa e Basílio - Basílio o irrita. |
Luísa |
mulher romântica, sonhadora, frágil : "É mulher, é muito mulher... Não tem coragem para nada...", comportamento romântico que a predispõe ao adultério. |