Folha Ciência -
26/04/2002
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06h31
Big Bang se repete em
intervalos de trilhões de anos, diz estudo

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo
O Universo, tal qual é conhecido, vai terminar em um colapso. A causa é uma
misteriosa energia que hoje está acelerando a expansão do cosmo, mas que, em
trilhões de anos, fará justamente o contrário. Depois disso, teremos um novo
Big Bang. E assim sempre foi e assim sempre será.
Não é mais uma daquelas conversas fiadas no estilo "Nova Era". Essa
visão quase filosófica, mas com forte base científica, é de Paul Steinhardt,
um físico da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Juntamente com Neil
Turok, do Centro para Ciências Matemáticas, em Cambridge (Reino Unido), ele
propõe um novo modelo cosmológico que derrubaria, de uma tacada só, a idéia
de um único Big Bang e o processo eterno de expansão. E mais: ele promete
acabar com a inflação.
Antes que alguém queira mandá-lo para a Argentina, vale dizer que a inflação
dos físicos não é a dos economistas. Em cosmologia, inflação é o que teria
feito o Universo se espalhar rapidamente, poucos instantes após seu surgimento,
evitando uma implosão logo após a explosão inicial. O conceito é crucial
para a versão mais aceita da teoria do Big Bang, mas Steinhardt e Turok o
descartam em seu novo modelo.
A nova teoria propõe que o Universo seja cíclico —ou seja, composto por
sequências intermináveis de Big Bangs (grandes explosões) e Big Crunchs
(grandes implosões), que nunca tiveram um início e nunca terão um fim.
O que impulsiona o Universo rumo à expansão em seu novo modelo é uma entidade
misteriosa chamada de "energia escura". O nome vem do fato de os
físicos já saberem, por observação, que ela está lá hoje, mas não terem a
menor idéia do que a produz.
A tal energia escura é uma pedra no sapato dos defensores do Big Bang único e
do chamado Universo inflacionário. Embora o enigma não derrube a teoria, a
verdade é que ela nunca previu que essa aberração existiria.
Foi por falta de evidência definitiva sobre a existência dessa forma
energética misteriosa que físicos italianos, com base em análises do eco do
Big Bang (a radiação cósmica de fundo), afirmaram há dois anos que o
Universo iria se expandir para sempre, por falta de massa para impedir a
expansão. A única força conhecida capaz de causar um Big Crunch, a gravidade,
não seria forte o suficiente para fazer o serviço.
Virada de mesa
Atualmente a energia escura está acelerando a expansão cósmica, o que
corrobora a idéia de que o Universo nunca acabará numa implosão. Mas, diz
Steinhardt, no futuro distante, daqui a trilhões de anos, ela terá o efeito
inverso.
Enquanto o modelo do Universo inflacionário nem previu a existência da energia
escura, a proposta de Steinhardt e Turok está indissoluvelmente ligada a esse
conceito, adotando-o no lugar da inflação para conduzir o bailado da expansão
cósmica.
Para eles, a energia escura esteve atuando desde o início do atual ciclo do
Universo (o nosso Big Bang não teria sido o primeiro, de acordo com eles),
aumentando a expansão. Isso aconteceu durante os últimos 14 bilhões de anos
(idade estimada do cosmos) e deve continuar por outros trilhões, até que tudo
já tenha sido dissolvido no vácuo. Até mesmo os buracos negros —objetos com
maior concentração de massa de que já se teve notícia— acabariam
esfarelados pela ação da energia escura.
Nesse momento, segundo suas previsões matemáticas, a maré mudaria. A energia
escura viraria a casaca e passaria a aglutinar os corpos, em vez de separá-los.
A matéria continuaria voltando a se compactar, até se concentrar em um único
ponto. Depois da implosão, um novo Big Bang ocorreria e o ciclo começaria de
novo.
"Parece que temos agora duas possibilidades díspares", escreveu a
dupla na conclusão de um artigo publicado ontem eletronicamente pela "Science"
(www.sciencexpress.org).
"Um Universo com um início definido e um Universo feito e refeito para
sempre. O árbitro definitivo será a natureza."
Entre fatos e especulações
"Afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias",
já dizia o astrônomo Carl Sagan (1934-1996). E Steinhardt parece concordar.
"Eu só trabalho em teorias que são testáveis experimentalmente",
diz o físico. "Essa teoria faz predições sobre ondas gravitacionais e a
natureza da energia escura e de outros efeitos —que surgirão em futuros
trabalhos— que a distinguem da imagem inflacionária padrão."
Os mais céticos não vêem de forma tão pragmática a teoria de Steinhardt.
"Como o próprio artigo diz, a idéia de um Universo com períodos
cíclicos de expansão e contração tem mais de 70 anos", diz George
Matsas, do Instituto de Física Teórica da Unesp. "De tempos em tempos
essas velhas idéias ressurgem. A enorme maioria delas, e essa não foge à
regra, são pura especulação."
Apesar disso, o físico de Princeton, que também ajudou a desenvolver a teoria
do Universo inflacionário, diz que a recepção na comunidade científica foi
acolhedora. "Não quero dizer que eles estejam abandonando o velho
modelo", diz. "Mas dão boas-vindas à idéia de um possível
competidor e parecem interessados em explorar suas propriedades."
"O modelo na verdade é uma belíssima 'cosmogonia', pois faz previsões
sobre eventos que nunca seremos capazes de observar", diz Raul Abramo, do
Instituto de Física da USP. "Mesmo assim, podemos testá-lo, no que ele
tem de concreto. Ainda é cedo para dizer se ele vai sobreviver aos testes
observacionais", conclui.
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