Capítulo 1: Separação

            Várias pessoas olhavam para os céus daquele sábado nublado, e apontavam para a figura que podia ser vista saltando de prédio em prédio. Era raro ver uma das lendas urbanas de Tóquio em plena luz do dia.
            Tuxedo Kamen dava saltos impossíveis para uma pessoa normal, o tempo todo sem deixar que Tsukino Usagi sequer sentisse os movimentos causados por tais feitos. Na verdade, ela ainda estava desacordada nos braços dele, imersa num mundo de sonhos onde as preocupações não eram tão grandes quanto as existentes na realidade.
            Chiba Mamoru nunca se preocupou realmente com sua vida. Ele sabia que estaria vivo em mil anos, vivendo com a mulher que amava, com uma bela filha e
um maravilhoso reino. Um conto de fadas concretizado. Com essa certeza, ele nunca chegou a pensar que as Senshi seriam derrotadas. Claro, houveram situações onde era quase certo que todos eles seriam destruídos, mas um dos aliados de Mamoru sempre conseguia derrotar a escuridão. Eles nunca perderam, e Mamoru achava que nunca iriam perder.
            No momento, Tuxedo Kamen estava começando a duvidar disso.
            Não era culpa dele, na verdade. Veja sua situação: Todas as Senshi tinham perdido seus poderes, assim como os Dragon Kishi, seus atuais únicos aliados. Ele era o único que restava. Para piorar a situação, Sailor Pluto, a Senshi que devia ter a mais longa vida entre todas, provavelmente acabara de morrer.
            Ele não se importava. O que ele tinha que fazer, por enquanto, era chegar até a baía de Tóquio, onde a única salvação de Usagi, sua Usako, estava. Aviões, Ryu tinha explicado, seriam complicados demais para conseguir erguer vôo. Além disso, as chances deles cruzarem com um youma seriam menores se eles não passassem por cima da cidade durante sua fuga.
            Mamoru piscou subitamente, notando que ele estava chegando ao seu destino. Ele nem percebera o tempo que passou, mas silenciosamente agradeceu aos céus que Usagi ainda não tinha acordado. Ela não reagiria bem à notícia da morte de Setsuna.
            - Mamoru-san? - perguntou Hino Rei, ao vê-lo saltar graciosamente para dentro do navio. - Como ela está?
            - Inconsciente. - Mamoru respondeu, revertendo sua transformação. - Mas bem. Ryu nocauteou-a para que eu pudesse tirá-la de lá.
            - Como foi? - perguntou outra garota. Mamoru virou-se na direção da voz, e suspirou, balançando sua cabeça para Aino Minako.
            - Nada bem. - Mamoru respondeu. - Ryu deve estar a caminho.
            - E Setsuna...? - perguntou Rei, já sabendo a resposta. Ela pôde sentir a morte da Guardiã do Tempo.
            Mamoru apenas balançou a cabeça.
            Um olhar de choque rapidamente cruzou as feições de Minako, mas seu rosto neutro retornou em poucos instantes.
            - Vamos falar com os outros. - Rei falou. - Enquanto esperamos por Ryu.
            - Não precisam mais esperar. - uma voz masculina observou. Minako, Rei e Mamoru se viraram simultaneamente. Era Satori Ryu. Ele suspirou. - Vamos juntar todos.
            Os três fizeram que sim, e foram procurar os outros membros dos times.
            Ryu balançou a cabeça, olhando para o local na cidade onde o portal se abrira.

            ****

            A chuva começara fraca, meros respingos de água caindo do céu. A maioria das pessoas simplesmente ignorava-a, continuando com suas vidas pacatas. Pouco a pouco, a chuva aumentou, tornando-se, depois de um tempo, uma tempestade. Relâmpagos cortavam os céus, e o som das gotas d'água acertando o teto da cabine onde as Senshi e os Dragon Kishi estavam reunidos era quase ensurdecedor.
            - Os noticiários começaram a falar da perda de contato com o bairro de Minato. - Ken observou, segurando um pequeno rádio. - Os policiais enviados para lá simplesmente pararam de responder pelos rádios, e câmeras se recusam a enviar imagens para fora do que os policiais estão chamando de o Perímetro.
            - Alguém além de nós e uns tiras está realmente preocupado? - perguntou Minako, olhando para a janela.
            - Não. - Ami respondeu, balançando sua cabeça. - Ninguém. - ela parou. - E nem os policiais sabem o que está realmente acontecendo.
            - Eu não gosto da idéia de ficar no mesmo país que um exército de youmas. - Makoto falou, casualmente enrolando uma mecha do seu cabelo ao redor de seu indicador direito.
            Vários dos heróis começaram a fazer seus comentários pessoais, quando alguém bateu na porta da cabine. Todos os presentes olharam para lá, até que Ship se levantou, caminhando até a porta e abrindo-a. Quase todos aqueles que as Senshi e os Dragon Kishi reuniram estava organizados atrás de Osaka Naru.
            - Ami-san, - ela falou, olhando diretamente para a garota de cabelos azuis. - o que está acontecendo aqui?
            A Senshi se preparou para responder, mas um gesto de Ken silenciou-a. Ele indicou Ryu com a cabeça, e Ami fez que sim. O líder dos Dragon Kishi entendeu o que Ken queria, e se levantou, caminhando até a porta. Logo atrás dele, as Senshi, os Kishi e Mamoru, que carregava a inconsciente Usagi, formaram uma fila desorganizada.
            - Vamos para algum lugar mais espaçoso. - falou Ryu. - E eu explicarei tudo.

            ****

            Pouco tempo depois, todos estava sentados nas mesas da sala de jantar. Em cada mesa, uma Senshi ou um Kishi se sentava, normalmente alguém conhecidos dos outros ocupantes.
            Ryu estava em pé mais ou menos no meio das mesas, esperando que os outros presentes fizessem silêncio. Ele não estava acostumado a falar com tantas pessoas ao mesmo tempo. Finalmente, todos os presentes pararam de falar, e voltaram suas atenções ao jovem guerreiro.
            - O que exatamente está acontecendo? - perguntou Tsukino Kenji, querendo fornecer um ponto inicial para a explicação do Dragon Kishi.
            - Meu nome, para aqueles que não sabem, é Ryu. Como todos sabem, - Ryu começou, olhando ao redor. - nós somos as reencarnações da última geração de membros dos principais grupos guerreiros de um reino conhecido como Milênio de Prata. Esse reino foi destruído vinte mil anos atrás por uma raça que nós conhecemos hoje como youmas.
            - Youmas? - perguntou o pai de Hino Rei, Hino Tsubasa.
            - Eles têm aparências variadas. - Ami esclareceu. - É um termo geral usado para descrever todos aqueles nascidos no Reino Negro.
            - De qualquer jeito, as Senshi já derrotaram o Reino Negro. - Ryu falou, tentando impedir que a conversa se deslocasse demais.
            - Com a ajuda dos Noble Kishi. - Minako lembrou, brevemente recordando-se do confronto com Lucifer.
            Ryu ignorou-a, tentando deixar a explicação o mais simples possível:
            - Depois dessas criaturas, houveram várias outras tentativas de dominar ou destruir a Terra. Todos nós conseguimos frustrá-las no passado.
            - Por que então, Ryu-san, que desta vez é diferente? - perguntou Yuuichiro.
            - A estratégia deles foi diferente das anteriores. - Ken respondeu, se levantando. - Dessa vez, eles estavam claramente atrás de nós.
            - Exato. - Ryu falou. - E por volta de uma hora atrás, os youmas conseguiram completar um portal que ligaria o nosso mundo ao deles permanentemente.
            - Pensei que os youmas não fossem mais um problema. - falou Tsukino Kenji.
            - Esses youmas não são... - Ryu, sem saber exatamente que palavra usar, olhou para Ken.
            - Da nossa dimensão. - Ken falou. - Eles vêm de um outro mundo.
            Várias pessoas fizeram que sim, entendendo o que estava acontecendo.
            - E... Quantos desses youmas estão no Japão? - perguntou Osaka Naru, uma das mais velhas amigas de Usagi.
            As Senshi e os Kishi trocarem olhares por alguns segundos, depois Mamoru respondeu:
            - Eles abriram um portal entre nossa dimensão e a deles.
            - Querendo dizer, - falou Akai. - que podem existir quantos passarem.
            Um breve silêncio estabeleceu-se na sala de jantar, enquanto todos os presentes digeriam o que isso podia querer dizer.
            - Isso pode ser o suficiente para dominar o Japão. - falou Tsukino Shingo, o irmão mais novo de Usagi.
            - Bingo. - os Dragon Kishi e a maioria das Senshi disseram em uníssono.
            - Vocês não deviam estar avisando o GOVERNO?!? - gritou Hino Tsubasa.
            - Nós VAMOS fazer isso. - retrucou Ryu. - Assim que vocês entenderem porque estão sendo mandados para fora do Japão. - ele parou por um momento. - Isso quer dizer agora.
            Levantando-se, Ryu caminhou até a porta, e abriu-a, deixando alguns dos respingos de chuva entrarem na sala. Ele parou na porta, ignorando a água, e virou-se para os presentes:
            - Alguma pergunta?
            Ninguém respondeu.
            - Achei que não. - Ryu falou, depois saiu.
            Um a um, todos os Dragon Kishi, Sailor Senshi e Mamoru se levantaram, seguindo Ryu. A última a sair, Makoto, brevemente olhou ao redor da sala, e falou:
            - Não saiam daqui.
            Quando Makoto fechou a porta, um silêncio desconfortável se formou.

            ****

            Usagi brevemente maravilhou-se com a capacidade que todos os outros pareciam ter de ignorar a chuva. Seus amigos pareciam brilhar com as pequenas explosões causadas pelo impacto das gotas d'água em seus corpos, como fantasmas cercados por uma aura esbranquiçada.
            Ryu foi o primeiro a falar, tentando olhar para todos os outros guerreiros ao mesmo tempo:
            - Nós precisamos deixar um grupo aqui. Precisamos recuperar o Ginzuishou e fechar o portal. Talvez conseguir os pingentes e as Wands de volta.
            - Isso seria bom. - Haruka concordou, fazendo que sim. Em seguida, ela olhou para Usagi. - Mas nós precisamos tirar a princesa daqui. Ela corre um grande risco estando ao alcance dos youmas.
            - Deixaremos um grupo aqui em Tóquio. - sugeriu Ken, olhando diretamente nos olhos de Ryu. - O resto acompanha Usagi.
            Ryu pareceu pensativo por alguns segundos, mesmo sabendo que não havia muita opção. Ele suspirou, derrotado:
            - Algum voluntário?
            Imediatamente, os Inner Dragon Kishi, Michiru, Haruka e Minako ergueram as mãos.
            - Minako-chan?!? - perguntou Haruka, sem entender.
            - Haruka e Michiru estão fora. - Ryu falou, sem perder tempo. - Os ferimentos do combate com Drake ainda são recentes. Além disso, só Haruka consegue pilotar essa coisa. - ele apontou para o chão, indicando o barco.
            Rosnando alguns xingamentos, Haruka concordou. Michiru pareceu mais calma, mas gostava tanto de ser deixada de lado quanto sua amante.
            - Minako é parte da guarda pessoal da princesa, e está fora. - Ryu continuou. - Então só os Inner Dragon Kishi ficam.
            - Oi, oi! - exclamou Minako. - Como assim, eu estou fora?
            - Você não tem treinamento suficiente para derrotar youmas sem poderes. - Ken lembrou.
            Minako sorriu misteriosamente:
            - Ah, mas eu TENHO poderes.
            Olhares confusos apareceram ao redor da loira, exceto por Ryu, que apenas estreitou os olhos:
            - Você não quer dizer...?
            Sem perder tempo, Minako materializou uma caneta do nada, e ergueu-a para o céu:
            - Moon Power, TRANSFORM!
            Luzes a envolveram, e, em pouco tempo, Sailor V ocupava seu lugar. Ela sorriu para todos, e fez o sinal da vitória:
            - Eu sou a bela e misteriosa guerreira Sailor V! - ela exclamou.
            - Não. - Ryu falou secamente.
            - Eu tenho mais condições de enfrentar os youmas que você, Ryu-chan. - a loira respondeu, sorrindo de leve.
            - Claro. - foi a resposta sarcástica do Dragon Kishi. - Como? Com o seu Crescent Beam?
            - É mais que nós temos, Ryu. - Kitsune comentou, sabendo que alguém tinha que defender a loira.
            O kalyriano balançou a cabeça:
            - O disparo dela não vai nem atordoar os youmas.
            - Suponho que seus chutes e socos farão mais efeito. - Minako comentou secamente.
            - Ryu.
            O Dragon Kishi se virou para a fonte da voz. Estranhamente, foi Usagi quem o chamou. Ela suspirou:
            - Eu sei como se sente.
            - Como assim? - perguntou Ryu, virando seus olhos vermelhos para a princesa.
            - Mamo-chan vai ficar também. - ela falou. Muitos dos presentes piscaram, surpresos. Mamoru, porém, fez que sim. - Ele tem poderes, e ele precisa ficar aqui... Para salvar vidas. Se Minako-chan não ficar, vocês terão menos chances de vitória. E você sabe disso. - ela completou, antes que o líder dos Kishi pudesse protestar.
            Ryu ficou em silêncio, sentindo os olhos de todos os presentes nele. Suspirando, ele abaixou o olhar:
            - Muito bem. - ele aceitou. - Minako, os Inner Dragon Kishi e Mamoru ficam. - ele olhou ao redor. - Mais algum voluntário? - ele perguntou, seu tom de voz deixando claro que era melhor ninguém mais se oferecer.
            Ninguém falou nada. Aparentemente, todos os outros estava completamente conscientes das chances de sobrevivência daqueles que fossem nessa missão.
            - Certo. - Ryu falou, fazendo que sim. - Nós vamos descer do navio, e eu quero que Haruka-kun tire a princesa e o resto do pessoal daqui o mais cedo possível. Em trinta minutos, eu quero o grupo que vai ficar reunido aqui.
            Todos fizeram que sim, e começaram a caminhar para dentro.

            ****

            A chuva não chegava a incomodar Ryu, enquanto ele se apoiava na baixa grade que cercava a proa. Ele sabia que Minako passaria os trinta minutos que ele deu para ela e os outros com as outras Senshi. Ele não se importava com isso. Era direito dela escolher, e, sinceramente, se todos os amigos mais queridos de Ryu não estivessem indo junto para a missão, ele estaria passando tempo com eles.
            - Olá. - o Dragon Kishi falou, sem se virar. Ele sentiu alguém se aproximar, e tinha quase certeza de quem era.
            - Olá, Ryu. - respondeu o avô de Rei, sem mostrar muita emoção. - Seu nome é Satori Ryu, não é?
            O garoto fez que sim, e se virou para o velho:
            - Un.
            - Como era o nome de sua mãe?
            Ryu piscou, despreparado para essa pergunta. Mexendo os ombros de leve, ele falou:
            - Koika. - o kalyriano falou. - Satori Koika.
            O velho fez que sim, e caminhou até a grade, também observando o mar. Sem falar nada, o velho ergueu uma espada, ainda na sua bainha, e colocou-a na frente de Ryu. O garoto piscou, e pegou a espada.
            O kanji para Satori tinha sido cuidadosamente gravado na ponta metálica do cabo da espada.
            - Como...? - perguntou Ryu.
            - Dezoito anos atrás, meu único filho, Tsubasa, se casou. - o velho respondeu. - Não tanto por amor quanto por conveniência. Ele tinha engravidado a sua mais recente namorada, e decidiu assumir sua responsabilidade com honra. Parte do acordo de casamento incluía a adoção do sobrenome da jovem por parte dele. Algo sobre manter os herdeiros com o mesmo nome. Segundo o pai da jovem, aquela família tinha uma sensitividade enorme.
            Ryu fez que sim, um sentimento pesado no seu estômago.
            - Alguns meses depois do nascimento do primeiro filho do casal, a esposa do meu filho ficou grávida novamente. A menina nasceu com saúde, mas o casamento de meu filho e da garota não estava na mesma situação. Depois de uma guerra jurídica de seis meses, eles se separaram. A pequena Rei assumiu o sobrenome da minha família, e ficou sob a minha guarda. O filho mais velho ficou sob a guarda da outra família. Ficamos sabendo, um ano depois, que a família inteira tinha morrido num acidente.
            - Qual era o nome da família? - Ryu perguntou secamente, sem desviar seu olhar das águas do mar.
            - Satori. - o velho respondeu, suspirando. - Eu peguei essa espada da casa dos Satori, e pretendia entregar para Rei quando a hora fosse certa. Parece que eu achei o verdadeiro dono dela, não?
            - Parece. - Ryu respondeu, com um meio sorriso no seu rosto. Ryu pegou um pedaço de corda que seu avô ofereceu-o, e amarrou nas pontas da bainha da katana, prendendo-a às suas costas em seguida.
            O velho fez que sim, satisfeito, e sorriu abertamente, como ele normalmente fazia:
            - Volte vivo. Eu quero conhecer meu neto.
            - Hai. - Ryu falou, fazendo que sim.
            O avô de Hino Rei e de Satori Ryu virou as costas, e caminhou para dentro.
            - Ojiisan? - Ryu chamou.
            - Hmm?
            - Não conte para ninguém até eu sair daqui.
            Fazendo que sim, o velho Hino continuou caminhando para dentro. Ryu observou-o por alguns segundos, depois voltou a olhar para o mar.

            ****

            Ami sorriu, ignorando completamente o embaraço de Ken. Naquele exato momento, o Dragon Kishi da Terra estava sendo apresentado para os pais de sua namorada. O pai de Ami apenas sorriu, aprovando completamente o garoto que era tão genial quanto sua filha, acreditando que Ami tinha idade suficiente para escolher seus namorados. A mãe de Ami foi outra história.
            - O que você pretende ser? - ela perguntou.
            - Mizuno-san, eu planejava estudar engenharia mecânica e...
            - Onde?
            - Ainda não decidi, mas...
            - Seus pais fazem o que?
            - Eu sou órfão, mas tenho uma herança que me deixa sobreviver, e...
            - MINHA Ami-chan NÃO vai ter uma vida financeiramente desconfortável! - a senhora Mizuno exclamou.
            Ami ficou vermelha, e murmurou para sua mãe:
            - Não exagere, kaachan...
            - O que você faz atualmente? - senhora Mizuno continuou, ignorando sua filha.
            - Salvo o mundo. - Ken respondeu, sorrindo. Então, seu sorriso desapareceu, e ele olhou para seu relógio. - E eu tenho dez minutos pra me preparar. Com licença. - ele se levantou da mesa, e rumou para a cozinha, onde pretendia comer alguma coisa. Salvar o mundo de barriga vazia era uma má idéia.
            - Com licença. - Ami falou, correndo atrás do seu namorado.
            O pai e a mãe de Ami trocaram olhares, e se levantaram, rumando para cantos opostos da sala.

            ****

            - Você vai tomar cuidado, certo?
            - Hai, Usako. - Mamoru respondeu pela terceira vez, tentando, novamente, assegurar sua namorada. Mesmo que ele tivesse certeza absoluta de que nada aconteceria com ele, era difícil passar o sentimento para alguém que o amasse. Como Usagi.
            Os dois estavam na "suíte real" do navio, que era, essencialmente, os melhores aposentos do "Gin no Umi". Quando Mamoru disse que Usagi devia passar seu tempo com seus pais, explicando toda sua vida secreta, a resposta da princesa foi que ela teria muito tempo para isso durante a viagem, e que ela não iria vê-lo pelo menos por uma semana.
            Sem ter como defender-se desse argumento, Mamoru aceitou que ela passasse o tempo com ele. Estranhamente, ambos passaram o tempo todo conversando sobre assuntos banais, evitando a separação completamente.
            Agora, faltando cinco minutos para que o grupo se encontrasse, Usagi começou a pedir que ele tomasse cuidado, e questionou-o se ele realmente precisava ir.
            - É estranho. - Mamoru finalmente comentou.
            - O quê? - perguntou Usagi, curiosa.
            - Tudo. Normalmente, é você quem termina salvando tudo e todos.
            - Verdade. - Usagi admitiu, ficando um pouco vermelha.
            Os dois ficaram em silêncio, sem olhar um para o outro. Então, o relógio de Mamoru disparou. Ele piscou, e checou as horas:
            - Dois minutos para o encontro.
            - Vamos. - Usagi falou, se levantando.
            Tentando não pensar no futuro, Mamoru se levantou.

            ****

            A chuva tinha diminuído, agora sendo apenas respingos que mal eram sentidos pelo grupo de pessoas que estava reunido logo do lado de fora da sala de jantar do "Gin no Umi".
            Ryu, Ken, Ship, Kitty, Kyoko, Akai, Tuxedo Kamen e Sailor V estavam olhando para o grupo que ia permanecer no navio. Nenhuma palavra foi dita, e todos eles, um por um, desceram pela rampa que fora usada, pouco antes, para subir na embarcação.
            Usagi decidiu que a cena era deprimente, como um daqueles filmes de guerra. Dessa vez, porém, aqueles que estavam indo lutar desciam do barco. Ela olhou para a rosa que Mamoru deixou com ela por um momento, depois falou, sua voz alta e firme:
            - Haruka-san, tire-nos daqui. Mako-chan, Chris, Maury... recolham a rampa.
            O grupo começou a se dispersar, todos se movendo para seguir as ordens da princesa.
            Então, aconteceu.
            - USAGI! CUIDADO! - Ryu gritou.
            Reagindo por puro instinto, Maury saltou, derrubando Usagi um pouco antes de um enorme projétil atingi-la. A parede do refeitório explodiu, mandando pedaços de madeira para todos os lados.
            Makoto e Chris voltaram suas atenções para o que disparou. Naquele momento, o grupo que acabara de descer do navio estava enfrentando um grupo de seis youmas... sete, Chris corrigiu a si mesmo. O sexto estava na retaguarda, preparando outro disparo.
            - MO! USAGI! SAIAM DAÍ! - Chris gritou. Em seguida, ele olhou para Makoto, e fez que sim de leve. A Senshi entendeu o que ele queria dizer, e os dois empurraram a prancha para fora do navio, eliminando uma possível rota de invasão para os youmas.
            Outra explosão balançou o navio, e um grito de dor cortou o ar.
            Os olhos de Chris e Makoto se arregalaram simultaneamente, e eles gritaram:
            - MAURY!
            Os dois correram para onde Maury e Usagi estavam, a princesa sob o Kishi, chorando baixo. Makoto pegou seu namorado, vagamente notando que ele estava sangrando muito, e carregou-o para dentro, sabendo que Chris estava fazendo o mesmo com Usagi.

            ****

            Ryu girou sua katana, novamente evitando as garras do youma que ele estava enfrentando. O combate estava sendo menos que favorável para ele e seu time, ele sabia. Ele e Mamoru estavam enfrentando seus oponentes sozinhos, enquanto o resto do grupo trabalhava em equipe.
            Os disparos que atingiram o navio não mataram Usagi, o kalyriano tinha certeza disso. Ela era um influência enorme na estabilidade do ambiente, e ele sentiria se ela morresse.
            Um sorriso cruel apareceu no rosto do Kishi quando ele viu uma abertura na defesa do youma. Parando um bloqueio que ele ia fazer, Ryu deixou seu peso cair para a esquerda, as garras do seu oponente passando longe do seu corpo. Então, ele enfiou a katana no peito do youma, silenciosamente agradecendo aos Kamis pela falta de uma armadura natural na criatura.
            Seu oponente derrotado, Ryu saltou por cima do cadáver, rumando para o sexto youma, que estava preparando mais um disparo de energia que seria lançado contra o "Gin no Umi". Um rápido movimento, e os dois emissores que ficavam nos ombros do youma caíram no chão. A criatura pareceu surpresa, olhando para Ryu com certo medo.
            O Dragon Kishi deixou o canto esquerdo do seu lábio se curvar para cima, e segurou sua katana com as duas mãos, notando que ele já estava quase completamente acostumado com o peso da espada. O youma, que agora não tinha como se defender, tentou um soco desajeitado, que foi facilmente evitado pelo Kishi. A sua lâmina se ergueu num arco, separando o tórax superior do youma do resto do seu corpo.
            Ryu parou para respirar por alguns segundos, depois olhou na direção da luta. Mamoru já tinha eliminado seu oponente, e estava ajudando Akai com o dela. Sailor V, Kitty e Ship também já tinham acabado com os youmas que estiveram enfrentando-os, e logo se moveram para ajudar Ken e Kyoko. Vendo que a situação já estava sob controle, Ryu relaxou, limpando sua katana na pele do youma que acabara de matar. Ele olhou na direção do navio, que agora já estava a mais ou menos cem metros do porto, e acenou brevemente, mesmo sabendo que não veriam.
            Sua katana retornou para a bainha em suas costas, e ele caminhou em direção ao grupo, alcançando-os justamente quando o último youma caiu.
            - É melhor sair daqui. - Kyoko sugeriu. - Ou mais youmas virão atrás de nós.
            - Un. - Ryu fez que sim. - Mamoru e Minako, eu quero que vocês vão para a emissora de TV mais próxima e expliquem a situação. Digam para eles pedirem que todos os japoneses deixem o Japão o mais cedo possível. E mandem eles avisarem o governo. Eu e os outros Kishi vamos para o templo Hikawa. Nos encontramos lá em duas horas.
            Os dois heróis mascarados fizeram que sim e saltaram para o telhado mais próximo.
            - Vamos. - Ryu falou, virando-se em direção ao templo. - Temos que chegar ao templo antes que as pessoas comecem a fugir.
            Todos fizeram que sim, e seguiram-no.

            ****

            Duas horas depois, o grupo estava todo reunido no templo Hikawa, sentados ao redor da televisão. As emissoras tinham comunicado-se entre si, e estavam passando exaustivamente um comunicado que explicava a presença dos youmas. Era o mesmo trecho de cinco minutos, passando sem interrupções. Era bem provável que apenas computadores estivessem monitorando a transmissão do trecho.
            - A população está evacuando. - Ken falou, olhando pela janela. - Mas não rápido o suficiente.
            - Como assim? - perguntou Akai, se levantando. Ela caminhou até a janela, e olhou para fora.
            Alguns quilômetros para o oeste, havia uma enorme muralha de cristal negro. Ela piscou:
            - Masaka... Como eles construíram algo desse tamanho tão rapidamente?
            Ela olhou para o lado, e viu que Ryu também estava observando a muralha. Os olhos dele se estreitaram, e ele comentou:
            - A mágica que eles usaram para criar aquilo não é desse mundo.
            - Eu diria, então, que eles trouxeram alguns magos do universo de Dark Angel. - Ship falou, ainda sentando contra uma das paredes do templo.
            - O que nós vamos fazer? - perguntou Minako.
            Os Dragon Kishi olharam para ela, depois trocaram olhares entre si. Finalmente, Kitsune mexeu os ombros:
            - Provavelmente, Ryu vai querer seguir nosso plano padrão para esse tipo de situação.
            - "Esse tipo de situação"? - repetiu Mamoru, confuso. - Vocês já passaram por isso?
            - A perda de poderes é uma novidade. - falou Kyoko. - Mas a parte de estar numa cidade dominada pelo inimigo é rotina. Você não imagina quantos mundos por aí tinham esse tipo de problema.
            - Querendo dizer, - Ryu falou, cruzando os braços. - que nós vamos procurar por algum lugar para descansar sem sermos encontrados, depois vamos tentar descobrir algum jeito de entrar naquela coisa.
            - E por que nós entraríamos lá? - perguntou Minako. - Quer dizer, nós só estamos atrás do Ginzuishou e...
            - Mi-chan, não é óbvio? - Ryu indagou. - O portal está no meio da barreira. Ela não está lá pra enfeitar a cidade.

            ****

            Os Dragon Kishi foram os primeiros a sair do templo. Kitty, Akai e Ship estavam com espadas presas às suas costas, todas retiradas do dojo dos Hino. Ken e Kyoko recusaram armas com lâminas, ambos preferindo cajados. Ryu, por sua vez, ainda estava com a katana dos Satori nas suas costas.
            Tuxedo Kamen e Sailor V saíram em seguida, os dois transformados e prontos para lutar. Os dois estavam andando devagar, olhando para todos os lados.
            - Acelerem o passo. - Ryu falou, olhando brevemente sobre seu ombro, fixando os Kishi, Mamoru e Minako com seus olhos vermelhos. - Eu vou saber se algum youma se aproximar.
            Sem esperar pela resposta, ele começou a caminhar mais rapidamente, aparentemente sem prestar atenção alguma aos seus arredores. Os Dragon Kishi logo seguiram. Tuxedo Kamen e Sailor V hesitaram, mas correram para alcançar o grupo.
            - Onde nós vamos? - Minako perguntou. Ela olhou ao redor, novamente estranhando a falta de pessoas nas ruas. Tóquio era uma cidade movimentada... Vê-la tão vazia dava uma impressão de surrealidade.
            - Olhar aquela barreira.
            Sailor V ergueu os olhos, e brevemente examinou a enorme estrutura cristalina que ocupava o horizonte. Parecia uma versão pervertida do palácio onde a Neo-Rainha Serenity viveria no futuro.
            - Ela me parece bem visível daqui. - Minako brincou.
            - Talvez, mas ela deve ser bem mais visível de perto. - Ken respondeu. - Ne?
            - Un. - respondeu Akai, suprimindo uma risada.
            Em pouco tempo, o grupo inteiro estava brincando, exceto por Ryu, Kitty e Mamoru. Os três agora caminhavam na frente, em silêncio. Então, o líder dos Dragon Kishi parou.
            As risadas morreram atrás dele, e Kitty, que vira a reação de Ryu, sacou sua espada.
            - Companhia. - Ryu falou, no exato momento que um grupo de youmas saltou das janelas dos prédios próximos...

            ****

            - Façam ESPAÇO! - Mizuno-sensei gritou, abrindo os braços num gesto universal de "saiam daqui".
            Imediatamente, Ami e Chris, ambos cientes da necessidade que espaço teria para a médica naquele instante, começaram a afastar os observadores mais curiosos que tentavam ver exatamente qual era a condição de Maury. A que criou mais problemas foi Makoto, mas assim que Chris explicou, em voz baixa, a situação para ela, a Senshi saiu de perto, rumando para a cadeira mais próxima.
            - Ami-chan, traga meus instrumentos!
            A garota correu para obedecer sua mãe, silenciosamente rezando para que o pior não acontecesse. Poucos segundos depois, ela voltou correndo, uma mala de couro que poderia tranquilamente ter pertencido a um médico do século XIX nas suas mãos.
            - Aqui está! - ela entregou a mala para sua mãe, e sentou-se ao lado dela.
            A médica imediatamente usou o bisturi para cortar fora a jaqueta e a camisa que Maury estava usando, ambas já muito danificadas pelo enorme buraco que deixava visível um enorme ferimento nas costas do Kishi. O sangramento não parecia estar diminuindo, e isso preocupava tanto Ami quanto sua mãe.
            Depois que a jaqueta e a camisa tinham sido retiradas, o ferimento parecia pior. Haviam pedaços de madeira misturados na carne cauterizada, e Ami reconheceu quase que instantaneamente os sinais de um ferimento causada por energia youma. Ela mesma, afinal, morrera uma vez desse tipo de ferimento.
            - Que diabos causou isso...? - a mãe de Ami se perguntou, limpando os ferimentos para poder examiná-los melhor.
            - Um disparo de energia youma. - Ami respondeu, sem tirar os olhos do machucado.
            A médica gastou um segundo para olhar na direção de Ami, depois voltou sua atenção para seu paciente.
            - Ami-chan?
            Ami se virou, e viu Usagi em pé a menos de um metro dela.
            - Como ele está? - Usagi perguntou.
            - Kuso! - Mizuno-sensei xingou, como se para responder a pergunta da princesa da Lua. - Um dos pulmões dele foi perfurado por trás, Ami.
            Os olhos de Usagi se arregalaram, e Ami soltou um breve olhar na direção de Rei. A sacerdotisa fez que sim, e caminhou até Usagi, colocando um braço sobre os ombros da loira e murmurando algo no ouvido dela, lentamente tirando-a de perto de Maury.
            - Cheque o pulso dele. - a mãe de Ami falou, sua voz alta o suficiente para arrancar a Senshi de Mercúrio dos seus pensamentos particulares.
            Ami rapidamente pressionou o pescoço de Maury, procurando por alguma pulsação.
            - Está fraco. - Ami reportou, sua voz repentinamente baixa.
            A médica xingou mais uma vez, e voltou ao trabalho.
            Exatamente dez minutos depois, ela suspirou, e balançou a cabeça. Os olhos azuis de Ami se arregalaram, e ela procurou o pulso de Maury novamente.
            Ela não encontrou.

Fim do Capítulo 1 Próximo »»