Capítulo 4: Kalyrianos

            Os olhos púrpuras de Hino Rei se abriram assim que o Sol tocou seu rosto. Dormir com a janela aberta e levantar com o amanhecer era algo que ela estava acostumada a fazer. Ao menos, nas noites que ela ia deitar numa hora aceitável.
            A Senshi se sentou na sua cama, ainda coberta até a cintura pelo cobertor que usara para dormir, e se espreguiçou. Rei suspirou em seguida, olhando para o Sol. Desde que ela se tornou Sailor Mars, ela passou a olhar para o astro como um exemplo. Se ela pudesse alcançar aquele nível de poder, mesmo que por um segundo por batalha, ela não tinha dúvidas de que seria invencível.
            Ela sabia que todos os outros elementos tinham seus exemplos extremos, mas ainda achava que o Sol era o mais óbvio de todos.
            Isso, é claro, antes de ela e os outros perderem seus poderes.
            Se sentindo um pouco mais deprimida, ela usou sua Ligação para sondar os arredores do seu quarto, procurando por alguma outra presença. Não encontrando ninguém, ela procurou youmas no navio e nos seus arredores. De novo, nada.
            Internamente, Rei suspirou. Era difícil, para ela, imaginar que Minako, Mamoru e os Dragon Kishi estavam lutando em Tóquio naquele exato momento. Ela se sentia como se estivesse de férias, atravessando o oceano num navio. As mortes de Maury e de Setsuna pareciam distantes para ela, Rei percebeu, mas isso não a incomodava. Chris ainda mal falava com ninguém. Os últimos dois dias dele se resumiram a treinar o dia inteiro naquela sala que Haruka decidiu que serviria para essa função, comer e dormir.
            Makoto e Andrea não estavam em situações melhores, e Ranko e Ami estavam dando o melhor de si para acalmar os que sentiram a perda de Maury com mais impacto.
            Haruka estava tentando ajudar Michiru e Hotaru a superar a morte de Setsuna, e, consequentemente, ajudando a si mesma.
            O grupo já esteve melhor, Rei pensou, finalmente se levantando. Ela caminhou até o banheiro, e começou a encher a banheira, depindo-se enquanto a água subia.
            Exatamente trinta segundos depois que ela entrou na água, alguém bateu na porta do seu quarto.
            A kalyriana fechou os olhos, e encostou sua cabeça na parede, tentando ignorar a batida insistente que vinha da sua porta. Ela ignorou o som por cinco minutos, até decidir que quem quer que estivesse lá não iria embora até ser atendido. Ou atendida.
            Rei se levantou da banheira, enrolou uma toalha no seu corpo e uma no seu cabelo, e caminhou até a porta, deixando um rastro de água no caminho.
            - Hai? - ela perguntou, deixando a irritação clara na sua voz.
            - Sou eu, Rei-chan. - a voz respondeu. - Ami.
            A Senshi do Fogo mexeu os ombros para si mesma, e abriu a porta:
            - Meio cedo para uma visita, não é?
            Ami piscou ao ver que a outra garota estava usando apenas um par de toalhas, viu o rastro de água, e tirou suas conclusões:
            - Gomen! - ela falou, ficando vermelha. - Não sabia que você estava no banho...
            - Não tem problema. - Rei assegurou-a. - Desde que você não se importe que eu volte pra banheira.
            A Senshi do Gelo piscou, depois mexeu os ombros. Rei caminhou de volta para o banheiro, enquanto Ami sentou-se na ainda desarrumada cama.
            - Então, - Rei perguntou, já de dentro da banheira. - a que devo a honra?
            - Nada muito sério. - Ami falou. - Okaasan suspeita que o portal e os youmas possam ter trazidos bactérias e vírus de sua dimensão natal, e que seria uma boa idéia descobrir se algum de nós está doente. - a Senshi de Mercúrio sorriu. - Mako-chan está desenvolvendo uma gripe que eu tenho quase certeza que veio do outro universo. Então, eu estive fazendo um exame de rotina em todas as outras Senshi e nos Outer Dragon Kishi, para descobrir se mais alguém está contaminado... Mama está cuidando dos outros passageiros. - o sorriso de Ami desapareceu. - Ela preferiu que eu cuidasse dos selenitas, já que tenho alguma experiência.
            Rei fez que sim, até se lembrar que Ami não podia vê-la. A Senshi de Mercúrio, porém, entendeu o silêncio de sua amiga como um sinal de que ela havia entendido.
            - Então... - Rei começou. - Então, eu sou sua próxima paciente.
            - Hai. - Ami falou. - Mako-chan e Usagi-chan já passaram pelos exames. - a Senshi franziu a testa um pouco. - Mako-chan definitivamente tem uma gripe extra-dimensional, mas Usagi-chan está saudável.
            Rei suspirou, e saiu do banho, rapidamente se secando e se vestindo:
            - Certo, certo... Vamos logo com isso.
            Ami abriu uma pequena mala que Rei nem percebeu que sua companheira de equipe trouxera consigo quando entrou, tirando uma seringa descartável de lá. A sacerdotisa fez uma breve careta ao ver o instrumento, mas manteve-se em silêncio.
            Com movimentos rápidos e precisos, Ami amarrou uma borracha no braço de Rei, e aplicou a agulha da seringa. Pouco depois, ela já tinha retirado a quantidade necessária de sangue, e limpado a picada com um algodão com álcool.
            - Você é boa nisso, Ami-chan... - Rei comentou, segurando um outro pedaço de algodão sobre o pequeno ferimento.
            - Eu quero me tornar uma médica, lembra? - Ami perguntou.
            - Não vai ser difícil? - Rei questionou. - Quer dizer, nós sempre vamos ter uma outra prioridade nas nossas vidas....
            - Eu sei. - Ami interrompeu. - Mas eu posso sonhar, não posso?
            Rei mexeu os ombros, e seguiu as instruções de Ami enquanto ela prosseguia com seus exames.

            ****

            Os gritos de Kyoko estiveram ecoando por quase cinco horas.
            Ao menos, isso era o que Ryu imaginava. Ele não tinha realmente contado, mas era uma estimativa razoável. Cinco horas do segundo dia. O primeiro, Ryu suspeitava, já tinha se passado, seu fim tendo sido demarcado pelo tempo que a Kishi ficou sem ser torturada.
            Ship não falou muito desde acordar. Na verdade, tudo que ele fez foi se desculpar por não poder ter salvo Kitty. Aparentemente, a morte de uma companheira de equipe abalou-o bastante. Não que Ryu pudesse culpá-lo por isso. Ele mesmo acreditava que sua mente ainda não tinha absorvido a informação da morte de uma amiga de infância, e que ele sofreria o suficiente quando ela o fizesse.
            Ken também não falava muito, simplesmente procurando por jeitos de escapar da cela. O Kishi da Terra parecia ter certeza que era apenas questão de tempo, e que eles escapariam com facilidade. Ryu queria acreditar nisso, mas achava difícil. Uma fuga parecia extremamente difícil no momento.
            Mamoru, por sua vez, não havia recobrado consciência. Ele estava pálido e magro. Ele delirava frequentemente, mas os intervalos entre suas alucinações estavam ficando maiores, assim como o silêncio que acompanhava-os. Chiba Mamoru estava lentamente morrendo, e não havia nada que Ryu, Ken ou Ship pudessem fazer a respeito.
            Ryu, por sua vez, passara todos os seus segundos conscientes tentando romper as correntes que prendiam seus membros. Ele não acreditava que fosse realmente conseguir, mas sabia que os youmas venceriam no momento em que ele desistisse. Ship obviamente estava contando com ele ou Ken para escapar, e Mamoru só sobreviveria se alguém libertasse-o. O Kishi da Terra estava alimentando falsas esperanças procurando por meios de fuga, uma vez que a sala era completamente isolada do resto do mundo. Exceto, talvez, por frestas que permitiam a entrada de ar.
            A porta fluiu para os lados, e Kokyu entrou, seguido de dois youmas maiores. Apenas olhando para os olhos deles, Ryu percebeu que eles não eram soldados comuns, e que as chances dele derrotar os dois em batalha sem poderes eram pequenas.
            - Aquele. - Kokyu apontou para Ryu.
            Os dois grandes youmas cruzaram a cela sem fazer som algum, e tocaram as algemas de Ryu, fazendo-as desaparecer. Os braços do Dragon Kishi recusaram-se a manter-se erguidos, e ele sabia que demoraria alguns minutos antes que ele pudesse usá-los confortavelmente.
            - Não tente escapar, Silver. - Kokyu avisou-o. - Garanto-lhe que não será bem sucedido.
            - Eu não sou estúpido, youma. - Ryu rosnou. - O que quer?
            Kokyu apenas virou as costas e saiu da cela. Os dois guardas empurraram Ryu em direção à porta, forçando-o a fazer o mesmo. Depois de mais dois empurrões, o Dragon Kishi seguiu o cientista em silêncio, cuidadosamente examinando o interior da fortaleza onde estava.
            - Acredite ou não, Silver-san, a líder quer vê-lo. - o youma finalmente respondeu.
            - A líder? - Ryu perguntou. - Quer dizer que existe alguém acima de Dark Angel?
            - Não exatamente. - Kokyu respondeu. - Dark Angel-sama não pode deixar o Universo Matriz e vir comandar este até a colonização estar completa.
            - Então, Lucifer tem alguém fazendo o trabalho sujo para ele. - Ryu concluiu.
            Kokyu parou subitamente, e virou-se para ele. Um dos dois guardas que estavam seguindo o Dragon Kishi acertou um golpe nas costas dele, mandando-o ao chão:
            - Não fale o nome do Mestre! - ele rosnou.
            Ryu ergueu os olhos e encarou o youma por alguns segundos, depois se levantou. O canto esquerdo da boca dele estava levemente curvado para cima, como se ele tivesse ouvido algo engraçado, mas não queria demonstrar isso. O youma recuou um passo.
            - Vamos logo. - Kokyu lembrou. - Ela está esperando.
            O cientista voltou a caminhar pelos corredores, e dessa vez Ryu imediatamente seguiu.

            ****

            Chris olhou miseravelmente para seu prato de comida, notando, vagamente, que era ramen. Um dos favoritos de Maury. Ele controlou o impulso inicial de começar a bater no seu almoço por ter lembrado-o de seu amigo, e simplesmente começou a comer.
            Ele estava sentado sozinho numa das menores mesas do refeitório. Quando os outros ofereceram-se para acompanhá-lo, ele apenas balançou a cabeça. Andrea estava em outra mesa, conversando com uma das amigas de Usagi, Naru. Chris sentiu um acesso de fúria ao vê-la mais animada que quando... Que no dia em que deixaram Tóquio, mas rapidamente controlou-se. Ele não podia culpar sua irmã por não querer passar o resto da sua vida se lamentando.
            Chris, por outro lado, se sentia exatamente desse jeito. Maury foi o irmão que ele nunca teve, o seu melhor amigo, a pessoa em quem ele mais confiava. Se Maury dissesse para Chris que saltar de um prédio não o mataria, Chris acreditaria.
            O Kishi de Saturno novamente ouviu o grito de Maury, e pôde ver o corpo ensanguentado do seu melhor amigo. Ele lançou um olhar para a mesa onde Usagi sentava com sua família, e brevemente considerou culpá-la pelo que aconteceu. Ele não conseguiu, é claro. Os olhos da princesa, diferente de sua expressão alegre, indicavam uma tristeza profunda, como se houvesse uma sombra ocultando a luz que antes existia lá.
            Não, Usagi estava sofrendo tanto quanto ele. Ela apenas o fazia de uma forma diferente. Alguém tinha que manter-se alegre e esperançosa, e Usagi sempre clamava para si tal responsabilidade. As Sailor Senshi e os Dragon Kishi teriam desmoronado tempos atrás se não fosse por ela.
            Finalmente, Chris olhou para Makoto. Ela estava sentada junto com Ranko, que estava conversando com ela em voz baixa. Os olhos da Senshi de Júpiter estavam vermelhos, um sinal claro de que ela passara muito tempo chorando.
            As Outer Senshi estavam em uma outra mesa, acompanhadas de Yumeno Yumemi. Chris não chegou a ser formalmente apresentado a ela, mas sabia quem era. Yumemi foi a única daqueles que carregavam os nijizuishou, com exceção de Hino-san, que as Senshi conseguiram encontrar a tempo de trazer para o navio.
            Suspirando, Chris continuou olhando ao redor do refeitório, examinando os rostos, tanto familiares quanto estranhos, das pessoas que estavam escapando do que seria o fim de uma nação.
            Então, os olhos dele encontraram os de Rei, que sentava do outro lado da sala.
            A Senshi do Fogo arregalou seus olhos por um instante, e Chris poderia jurar que eles ficaram completamente vermelhos naquele momento. Logo depois, a sacerdotisa se levantou, caminhando decididamente na direção dele.
            - Rei, eu não quero... - Chris começou a explicar assim que ela se aproximou, mas a Senshi não deixou-o terminar, agarrando-o e beijando-o profundamente. Os olhos do Kishi se arregalaram, mas ele relaxou em seguida, ignorando a reação que isso estava provocando nos outros presentes.
            - Cheguei tarde! - ele ouviu a voz de Ami dizer.
            A mente de Chris brevemente se perguntou o que ela poderia querer dizer com aquilo, mas logo voltou a se distrair com assuntos mais imediatos. Como, por exemplo, Rei começando a desabotoar o jeans dele.
            - HMPH! - o grito de Chris foi abafado por Rei, e ele tentou afastá-la com suas mãos, mas a Senshi parecia decidida no que estava fazendo, não permitindo que ele empurrasse-a.
            - Alguém separe os dois! - Ami gritou, finalmente deixando claro para os outros presentes a gravidade da situação.
            Imediatamente, alguém pegou Rei por trás, e tirou-a de cima de Chris. O Kishi de Saturno bateu sua cabeça na mesa e caiu da cadeira, aproveitando que estava no chão para abotoar sua calça e camisa, que aparentemente também foi desabotoada por Rei.
            - Shit! - ele falou, sem fôlego. - Alguém quer me explicar que diabos aconteceu?!
            Rei, por sua vez, estava se tentando se libertar de Haruka, que segurava-a por trás. O jeito que a Senshi de Urano segurava sua companheira de equipe tornava impossível qualquer movimento com os braços.
            - Você não é você mesma, Rei-chan... Calma e... - Haruka foi interrompida por uma pisada no seu pé, seguida de um arremesso de judô que Rei não deveria ter a força necessária para executar. A Senshi de Marte virou um olhar ferino para Makoto, que agora estava se aproximando, e rosnou, sua garganta fazendo um som que não podia ser produzido por humanos.
            Sem esperar por uma iniciativa, Makoto jogou seu corpo contra o de Rei, tirando o fôlego da sacerdotisa por alguns intantes, e rapidamente socou o queixo dela.
            Rei, ao invés de absorver o impacto como alguém normalmente faria, saltou para trás, fluindo com o golpe e dando uma cambalhota, caindo na frente de Makoto como se não tivesse sido atingida.
            Haruka, vendo que a atenção de Rei estava puramente em Makoto, acertou um golpe na nuca da Senshi do Fogo, nocauteando-a instantaneamente.
            As duas Senshi ficaram respirando pesado, olhando para a sua companheira caída por alguns segundos, antes de encarar Ami, silenciosamente exigindo respostas.
            - Eu fiz o exame de Rei hoje de manhã, mas tudo pareceu normal... Até eu examinar o sangue dela. - Ami começou.
            Os olhares continuaram os mesmo.
            - Haviam... substâncias que eu não consegui identificar, e outras que não deviam ser encontradas no sangue humano.
            - Isso é evidente.
            Todos viraram para o avô de Rei, que estava olhando para sua neta caída.
            - Como assim? - perguntou Chris, que se levantara.
            - Rei é como Ryu. - o velho explicou, sem saber o termo correto.
            - Rei é uma kalyriana? - perguntou Ami, um pouco surpresa. Ela nunca havia pensado nisso.
            O velho fez que sim.
            - Como você sabe disso? - perguntou Haruka. - Quer dizer, como pode ter certeza? VOCÊ é kalyriano?
            - Iie. - o velho falou, balançando a cabeça. - Eu sou humano.
            - Então... - começou Ami.
            - Se Ryu é kalyriano, Rei também é. - Hino-ojiisan falou. - Eles são irmãos.
            Um silêncio absoluto cobriu o refeitório.
            - ... Rei e Ryu? - perguntou Makoto, depois de uma longa pausa.
            - Eles têm um temperamento parecido. - Haruka admitiu.
            - E eles são parecidos. - Ami acrescentou. - E os olhos são parecidos, só que os de Rei são mais escuros... - ela olhou para Rei, que ainda estava caída. - Mas os pais de Ryu...
            - A mãe de Ryu morreu em um acidente. - Hino Tsubasa, o pai de Rei falou, se aproximando. A voz dele era baixa e subjulgada, diferente do tom alto e chamativo que ele desenvolvera quandou entrou no mundo da política. - Eu acreditava que Ryu tinha morrido com ela.
            - Mas... - começou Chris.
            - Nós nos separamos. - Tsubasa continuou, ignorando a interrupção. - O acordo era que Ryu ficaria um Satori, para continuar o clã deles, e Rei, uma Hino, para herdar o templo.
            - A família Satori, - o avô de Rei explicou. - era uma família de psíquicos. Ou, ao menos, era o que eles acreditavam ser. Era raríssimo nascer uma criança naquela família que não possuísse a Ligação, como eles chamavam essa... sensação que eles tinham.
            - Algo manteve-se da época em que eles sabiam ser kalyrianos. - Ami comentou. - Ryu usa esse nome também, e ele diz que era assim que era chamado no passado. - ela parou. - Mas isso ainda não explica porque Rei está assim.
            Tsubasa ficou vermelho, e murmurou algo para si mesmo. Hino-ojiisan riu alto, e falou:
            - Ah, mas explica. - ele sorriu secamente. - A família Satori tinha outra característica interessante... Aparentemente, eles automaticamente Reconheciam o seu parceiro ou parceira ideal depois que alcançavam a maturidade. Era algo automático, que acontecia no momento que um deles colocava os olhos nessa pessoa.
            Tsubasa fez que sim:
            - Koika me explicou isso, mas ela nunca me Reconheceu. - ele balançou sua cabeça. - Foi por isso que a família dela não impediu-a de se separar de mim. Segundo eles, eu não era o "parceiro ideal" para ela.
            - So ka. - Ami falou. - Mas ainda assim...
            - Rei me reconheceu. - Chris interrompeu, soando um pouco assustado. - Os olhos dela ficaram completamente vermelhos antes dela vir até aqui.
            - Koika também me falou que... - Tsubasa ficou ainda mais vermelho. - Que quando um Satori Reconhecia alguém, eles tinham uma vontade incontrolável de... - ele procurou por uma palavra adequada, mas foi interrompido por Haruka.
            - Trepar.
            Michiru pisou no pé da Senshi de Urano, e murmurou algo ameaçador no ouvido dela.
            - Eu não colocaria dessa forma, mas, sim, é exatamente isso. - Tsubasa falou. - E que esse Satori entraria numa fúria incontrolável se alguém tentasse interferir.
            Todos os presentes olharam para Rei.
            - E essa fúria só passa depois que os desejos dela forem satisfeitos? - perguntou Andrea.
            - Hai.
            Todos os presentes olharam para Chris, que recuou alguns passos.
            - Oi... - ele falou. - Que caras são essas?
            Exatamente cinco minutos depois, ele estava trancado na cabine de Rei, com a Senshi em questão deitada na cama, ainda inconsciente. Ele protestou por alguns minutos, tentando convencê-los que ele não estava com humor para ISSO, mas foi em vão.
            Então, Rei começou a acordar. Chris suspirou:
            - Podia ser pior.

            ****

            Ryu se perguntou, não pela primeira vez, por que as salas de comando dos vilões sempre possuíam portas enormes e impressionantes. Provavelmente, a tal líder teria uma janela enorme que permitiria-a observar toda a cidade de Tóquio.
            No momento em que as portas se fluíram para as paredes, evidentemente revelando um trono que estava com as costas viradas para a porta, encarando a enorme janela de cristal transparente, Ryu entrou. Os dois youmas que estavam servindo de guarda-costas para Kokyu ficaram momentaneamente confusos por não terem que empurrar o Dragon Kishi para dentro, como era esperado, mas logo seguiram, obviamente mudando de guarda-costas de um cientista para protetores de uma líder.
            Kokyu, Ryu percebeu, não se incomodou em entrar, preferindo esperar do lado de fora. Ou, talvez, ordenado a esperar do lado de fora.
            - Quantos clichês, não é, Silver-san? Ou talvez você prefira Satori-san? - a figura que sentava no trono perguntou. A voz dela era incrivelmente familiar, porém, distorcida. Exatamente como a de Dark Angel se comparada à de Lucifer, Ryu concluiu.
            - Meu nome é Satori Ryu. - o Dragon Kishi respondeu. Sua Ligação estava bagunçada demais com a presença dos inúmeros youmas nas proximidades para identificar quem exatamente era a mulher que estava comandando a invasão. A tarefa não era fácil em condições normais, mas com a quantidade de interferência presente, era impossível.
            - Que seja, Satori-san. - ela falou. - Eu trouxe-o aqui por um motivo, é claro.
            O Dragon Kishi não falou nada, esperando que ela continuasse. Realmente, ela continuou:
            - Eu quero saber exatamente para onde a princesa da Lua foi.
            - Mesmo que você soubesse, não poderia ir atrás dela. - Ryu falou, com um tom levemente arrogante. - Pluto...
            - Criou uma barreira que impede que nós, invasores, saiamos do Japão. - ela completou. - Sim, eu sei. Se chama Dead Zone.
            Ryu piscou, e recuou um passo.
            - Como...?
            - Como eu sei? - a mulher perguntou, rindo suavemente. - Ora, Satori-
san... - a cadeira se virou, e Ryu se encontrou olhando para um rosto familiar, mas que ele nunca esperou ver novamente. - É o que eu faria.
            Os olhos do Dragon Kishi se arregalaram:
            - Setsuna...
            - Eu nunca cheguei a assumir esse nome, Satori-san. - a líder dos youmas falou. - Lethe, por outro lado, me parece um bom nome.
            Assim que Pluto... Lethe, como ela referia a si mesma, falou que não chegara a assumir o nome de Setsuna, ele entendeu. Dark Angel veio de outro universo, isso ele sabia. Obviamente, um universo dominado por youmas. A Pluto do universo de Ryu, Setsuna, somente morreu depois que a Linha do Tempo foi mudada completamente. Em um mundo onde as Senshi perderam naturalmente, porém, Pluto não podia ser uma das que cairiam. Ela precisava guardar o tempo...
            - Eu me pergunto - Ryu murmurou, balançando a cabeça. A voz dele, estranhamente, não possuía ódio ou raiva alguma. Apenas pena. - em que tipo de mundo você viveu, para te mudar tanto.
            Lethe apenas inclinou a cabeça levemente, e sorriu com o canto dos lábios:
            - Isso não importa, importa? Em breve o seu mundo será parte do meu mundo.
            - Você não devia se limitar à sua própria Linha do Tempo?!? - Ryu indagou, dando um passo para frente, e instintivamente assumindo uma posição mais ofensiva. Os dois youmas imediatamente estavam segurando seus braços, impedindo que ele avançasse um passo sequer.
            Lethe balançou a cabeça, e falou no mesmo tom de voz que ela usaria para explicar algo a uma criança:
            - É para o seu próprio bem. Sua Guardiã do Tempo morreu, e vocês precisam de outra. Ne? - em seguida, ela riu para si mesma.
            E Ryu entendeu. Lethe era uma versão distorcida de Pluto, tentando fazer tudo do seu modo, sempre achando que sabia o que era melhor para todos. Ela não estava vestindo o uniforme de Senshi, o Dragon Kishi notou aliviado, mas isso não a tornava uma oponente menos perigosa.
            - Então? - ela perguntou.
            - Então...? - Ryu questionou.
            - Onde está Serenity?
            - Você acreditaria se eu dissesse que não é da sua conta? - Ryu respondeu com um pequeno sorriso.
            Lethe suspirou dramaticamente, e gesticulou:
            - Levem-no daqui. Vamos conseguir a informação do jeito difícil.
            Os youmas começaram a arrastar Ryu para fora, quando a voz distorcida da líder dos invasores falou:
            - E saiba, Satori-san, que eu farei questão de levar o corpo de Venus para você examinar, depois que meus torturadores acabarem de trabalhar nela. - a risada que ela soltou depois fez Ryu se perguntar se havia um sequer pingo de sanidade na Guardiã do Tempo do universo de Dark Angel.

            ****

            Hino Tsubasa encontrou seu pai observando o mar, casualmente se apoiando contra a pequena cerca que impedia-o de cair na água. O velho estava com uma expressão pensativa, como se estivesse lembrando de tempos melhores. Um tom de arrependimento também coloria seu rosto, e Tsubasa tinha certeza que seu pai estava questionando sua decisão de deixar o templo.
            As suas próprias memórias invadiram sua mente, mostrando os dias do seu treinamento para se tornar o sacerdote que manteria o templo Hikawa nos anos que seguiriam a morte de seu pai. As recordações do seu próprio treinamento, tanto em artes marciais quanto espirituais, trouxeram um leve sorriso para seu rosto. Realmente, o velho Hino nunca aceitou métodos convencionais.
            - Vai ficar olhando o dia inteiro, filho? - o mais velho dos Hinos esforçou-se para não deixar seu ressentimento mostrar, mas não se sucedeu tão bem quanto esperava.
            - Você sabia que meu filho estava vivo. - Tsubasa falou, mantendo sua voz neutra. Esconder suas emoções foi algo que ele aprendeu no seu trabalho, e se tornara um dos seus piores hábitos.
            - Eu só fiquei sabendo no dia que deixamos Tóquio. - respondeu Hino-san. - Minhas suspeitas, porém, datam por volta de dois anos.
            - So ka. - Tsubasa falou. - Foi por volta dessa época que os Dragon Kishi apareceram como um grupo em Tóquio, não?
            - Eu fiz algumas pesquisas. - o sacerdote falou. - Moon Dragon... Ryu já esteve fazendo isso por volta de três anos antes do resto do grupo aparecer.
            Tsubasa fez que sim:
            - E antes disso?
            - Rei-chan me falou que ele estivera num orfanato.
            - Eu devia ter procurado-o. - Tsubasa rosnou, fechando um punho.
            - E o adotado? - o velho perguntou, com um toque de humor na sua voz. - Com o seu trabalho?
            - Eu sou um político...
            - Besteira. - o sacerdote interrompeu, finalmente virando-se para olhar seu filho nos olhos. - Você acha que eu não sei com o que você trabalha?
            Tsubasa recuou um passo, surpreso:
            - Nani?
            - Foi seu primeiro trabalho, não foi? - Hino persistiu. - Investigar a família paranormal mais influente do Japão. Você só devia ter ficado por perto de Koika por alguns meses, até entender completamente o funcionamento dos poderes dela.
            - ... não foi...
            - Mas você se apaixonou por ela. Você, o garoto prodígio da Interpol Japonesa, achou que tinha falhado completamente quando começou a ter um relacionamento com a paranormal.
            Tsubasa apenas abaixou a cabeça, não mais protestando contra o que seu pai falava.
            - Você teve dois filhos com ela. A Interpol decidiu que você tinha ido longe demais... - ele sorriu amargamente. - O pequeno Ryu teria sido um bom agente para eles, talvez até uma cobaia. Quando Rei nasceu, por outro lado, eles começaram a pressioná-lo a deixar sua família.
            - E Koika descobriu. - Tsubasa confessou.
            - Exato. - Hino falou. - Ela largou você, e levou Ryu. Você pediu para que Rei ficasse com você, mas ela recusou... Permitindo, no máximo, que ela vivesse comigo. Foi o suficiente, não?
            Tsubasa suspirou:
            - Eu estava prestes a resignar, sabia?
            O velho ficou em silêncio. Ele tinha uma boa idéia de como seu filho se sentia. Ele, também, já perdera alguém na vida. Hino estava quase perdendo-se novamente em suas lembranças, quando percebeu que Tsubasa acabara de perguntar-
lhe algo.
            - Nani?
            - Eu perguntei como você descobriu tudo.
            - Eu tinha suspeitas. - Hino admitiu. - Mas, de novo, eu só confirmei recentemente.
            - Como?
            - Eu o ajudei. - uma voz feminina respondeu.
            Tsubasa virou-se na direção da voz, instintivamente alcançando a arma que estava dentro do seu paletó, quando viu que era uma das Senshi. Cabelo curto, azulado, olhos azuis...
            - Você é Sailor Mercury, não?
            - Un. - ela respondeu, se aproximando.
            - Vocês são o único mistério que realmente intriga a Interpol hoje em dia, sabia? - Tsubasa perguntou.
            - Claro. - Ami respondeu, sorrindo de leve. - Eu procuro manter-me informada de quem está nos investigando. - ela hesitou, mas continuou. - Foi assim que eu e Hino-ojiisan confirmamos toda a história por trás de Ryu e Rei. Agora, para falar a verdade...
            O investigador ficou chocado:
            - Você invade os computadores da Interpol?
            Ami apenas mexeu os ombros.
            - Eu realmente espero que vocês sempre estejam do nosso lado. - Tsubasa confessou, olhando para o mar.
            - 'Nós' sendo as pessoas ou os países? - Ami perguntou, antes de caminhar para dentro. Tsubasa não tentou responder.

            ****

            Os corredores que Ryu e os dois guardas youmas tomaram após deixarem a sala de Lethe não eram os mesmos que eles tomaram para chegar lá. Inicialmente, o Dragon Kishi achou que ele estava perdido, mas quando o grupo tomou escadarias para descer, ele entendeu que não voltaria para sua cela. Não ainda, ao menos.
            Ryu foi conduzido por mais seis lances de escada, e um número ainda maior de corredores, assim como o seu comprimento, aumentava para cada andar que ele descia. A cela estava no alto da estrutura, e o Dragon Kishi não tinha certeza se isso era bom ou ruim.
            Então, ele e os guardas chegaram a uma porta.
            Diferente das outras portas daquele lugar, essas eram feitas de metal, e só podiam ser abertas manualmente. Ryu olhou para um dos guardas por um momento, como se perguntando o que era aquilo.
            - Os soldados precisam de diversão, híbrido. - um dos guardas explicou, rindo sadicamente. - Você vai entrar aí e provar se kalyrianos realmente merecem a reputação que têm.
            O canto dos lábios do Dragon Kishi se ergueram. Se fosse ao ar livre, ele poderia tentar escapar depois do combate. Ou antes. Ou durante. O breve sorriso no seu rosto desapareceu quando ele se lembrou dos outros, mas ele não podia desperdiçar essa oportunidade. Ele voltaria para salvar os outros depois. Quando ele tivesse um plano.
            - O que está esperando, kalyriano? - perguntou o guarda que esteve em silêncio até o momento.
            Ryu piscou, e olhou para a porta. Ela estava aberta. Do outro lado, havia um enorme gramado. Obviamente, o local fora improvisado. Mexendo os ombros, ele atravessou a porta, ouvindo-a fechar-se atrás dele. Não importava. Ele não pretendia passar por ela novamente.
            O Sol estava forte, e o tempo, úmido. Aparentemente, a mãe natureza não iria cooperar com os clichês de Lethe. Nada de chuvas e relâmpagos para expressar o desespero dos heróis, ele pensou.
            Ryu olhou para a pequena platéia, um grupo de youmas sentados contra as paredes cristalinas da estrutura. Observando-a com mais cuidado, o Dragon Kishi concluiu que era um castelo.
            A platéia tinha uma face conhecida, e a frieza do kalyriano escorregou por um instante quando ele notou que Stalker estava entre eles. O youma sorriu cruelmente para Ryu quando percebeu que estava sendo observado, e o Kishi da Lua desviou seu olhar.
            Então, a porta se abriu novamente.
            O youma que saiu por ela tinha, facilmente, duas vezes o tamanho de Ryu. Um pêlo grosso e cinzento cobria seu corpo, e seus olhos lembravam aqueles de um lagarto. A criatura sorriu friamente para seu oponente, e se apresentou:
            - Gryt.
            Ryu piscou, e retornou o sorriso:
            - Ryu.
            O youma fez que sim, e fechou seus punhos, e se curvou um pouco. Ryu rapidamente reconheceu a postura como uma guarda, e afastou suas pernas um pouco, deixando seus braços relaxados. O formigamento causado pelo tempo preso ainda não tinha passado, mas ele sabia que isso não seria problema depois que a luta começasse.
            Gryt soltou um rugido, e se jogou na direção do híbrido. Ryu piscou, surpreso com a velocidade de seu oponente, mas conseguiu esquivar-se para a direita. Sua perna subiu em um chute rápido, mas o youma não pareceu sentir o golpe. Um punho da criatura girou, acertando o Dragon Kishi no rosto e arremessando-o para trás.
            A grama amorteceu parte do impacto, mas Ryu ainda sentiu seus ferimentos da luta com Stalker reclamarem quando seu corpo atingiu o chão. Ignorando a dor, ele ergueu-se rapidamente, já se preparando para a próxima investida do seu oponente.
            O youma já tinha se lançado em outro ataque, quase rápido demais para Ryu se esquivar. Dessa vez, o Kishi não atacou, preferindo recuar alguns passos. Gryt rosnou, e saltou, posicionando-se de tal forma que seus punhos atingiriam seu oponente se este não se movesse.
            Ryu recuou com um pequeno salto, e olhou ao seu redor, procurando por algo que pudesse servir como uma arma. Não encontrando nenhuma, ele suspirou e saltou.
            Gryt soltou um grito surpreso quando Ryu caiu nas suas costas, um braço forçando seu pescoço a ficar parado, e o outro empurrando sua cabeça, tentando separá-la da sua coluna.
            A cabeça do youma estalou e ficou numa posição menos que natural. Ryu sorriu para si mesmo, e largou o pescoço do seu oponente.
            Ao invés, porém, de cair no chão, Gryt virou para Ryu e agarrou-o pelo pescoço, erguendo-o do chão. A cabeça do youma voltou para sua posição correta, aparentemente sem sofrer dano algum.
            - Como...?
            - Espinha flexível! - Ryu ouviu Stalker gritar da platéia. - Anatomia youma é complicada, não? - gargalhadas seguiram o comentário.
            Ryu rosnou algo incompreensível, e chutou com os dois pés no diafragma do seu oponente. O youma perdeu o fôlego, e sua mão afrouxando-se por um breve momento. O Dragon Kishi aproveitou a sua chance, e socou o cotovelo de Gryt, rezando para que não fosse flexível como a coluna.
            O youma soltou um urro de dor, esquecendo completamente Ryu por alguns segundos, e caiu no chão, segurando seu cotovelo, que agora estava virado na direção oposta àquela que devia.
            Sem perder tempo, Ryu chutou o rosto do youma duas vezes, erguendo-o do chão na terceira. Então, ele virou seu corpo, e deu um coice na criatura, enquanto ela ainda estava em pleno ar. O calcanhar do Dragon Kishi afundou todo o rosto de Gryt, que caiu no chão, imóvel. Pouco depois, ele se desfez em pó.
            Um silêncio surpreso cobriu o gramado.
            Então, Stalker começou a bater palmas. Pouco a pouco, os outros youmas seguiram o seu exemplo, relutantemente aplaudindo o Dragon Kishi.
            E o youma de pele azulada se ergueu, tirando a jaqueta de uniforme que estivera usando, e caminhou na direção de Ryu.
            Ainda respirando pesado, o kalyriano se colocou em guarda, mantendo seus olhos fixos no youma que se aproximava. Suor escorria pelo rosto dele, e Ryu percebeu, pela primeira vez, como o combate tinha cansado-o. Muito tempo sem se mexer, ele decidiu, causaria isso a qualquer um.
            Os olhos do youma pareceram brilhar por um breve instante, e Ryu saltou para o lado, ignorando os protestos do seu corpo. Inúmeros cristais atravessaram o local onde ele estivera pouco antes, desaparecendo alguns segundos depois.
            Uma espada cristalina apareceu na mão de Stalker, que permitiu-se um sorriso sádico:
            - Vamos, garoto. Me mostre que você realmente é bom.
            Sem ver outra alternativa, Ryu lançou uma voadora na direção do rosto de Stalker, imediatamente se arrependendo de tê-lo feito. O youma se esquivou para a direita, e sua espada moveu-se com uma velocidade que o Dragon Kishi raramente via.
            Por reflexo, Ryu ergueu seus braços, protegendo seu rosto de um possível ferimento. Cortes apareceram nos seus membros, e o kalyriano rosnou um xingamento. Stalker pareceu satisfeito, e atacou novamente. Dessa vez, Ryu se esquivou com facilidade, recuando para fora do alcance da lâmina.
            A espada novamente moveu-se, dessa vez horizontalmente, e o Dragon Kishi mal conseguiu saltar por cima dela, vagamente notando que um segundo de atraso teria custado-lhe as pernas.
            Foi então que Ryu percebeu que era uma luta perdida.
            O seu oponente não podia ser desarmado, uma vez que ele simplesmente produziria outra espada. Os movimentos dele eram rápidos e precisos, enquanto Ryu mal podia se esquivar dos ataques.
            Ele estava com fome, outra coisa que ele não percebera na cela. Segundo Ken, havia uma alimentação constante de energia pura na cela, que eliminava a necessidade de comida, água e talvez até ar. Agora, porém, Ryu podia sentir a energia acabar, e seu estômago reagia naturalmente, exigindo comida. Era mais uma distração.
            Finalmente, ele cometeu um erro, algo que ele sabia ser inevitável. Stalker mudou a direção do seu ataque durante um golpe com a espada, mas Ryu demorou demais para reagir.
            A lâmina cristalina de Stalker aproximava-se no que seria, sem dúvida alguma, um golpe fatal, quando algo acertou o youma pelas costas. O rumo da espada mudou novamente, dessa vez abrindo mais espaço para que Ryu se esquivasse.
            Aproveitando-se da oportunidade, o Dragon Kishi jogou seu peso para sua perna esquerda, e deixou que ela se dobrasse. A espada passou com folga por cima da sua cabeça, e Ryu explorou a abertura na guarda de Stalker causada pelo erro. Seu corpo girou, e sua perna direita fez um arco, acertando o pulso do youma com uma força considerável. Houve um estalo, e a espada caiu no chão, desaparecendo em seguida.
            Um sorriso se formou nos lábios de Ryu. O pulso de Stalker estava quebrado, e isso aumentava consideravelmente as chances que o Dragon Kishi tinha de vencer.
            Então, o chão sob seus pés brilharam. Sem se incomodar em manter sua voz baixa ao xingar, Ryu saltou, escapando de uma enxurrada de cristais que saiu da luz. O olhar de Stalker tinha perdido o pouco humor que tinha antes, e os ataques dele estavam dependendo mais de seus poderes que nunca. Ryu saltava de um lado para o outro, tentando ficar fora do caminho dos ataques do seu oponente. O breve surto de energia que permitiu que ele lutasse contra Gryt e Stalker estava terminando, porém, e os movimentos do Dragon Kishi estavam se tornando menos cuidadosos, quase relaxados. Cortes podiam ser vistos nos braços dele, resultados de momentos onde sua velocidade não foi suficiente para tirá-lo do caminho dos cristais.
            Stalker sorriu, finalmente identificando o padrão de esquiva que Ryu usava. Ele ergueu sua mão esquerda, e se concentrou, preparando-se para soltar a rajada que acabaria com seu inimigo.
            Ryu olhou na direção de Stalker, abruptamente percebendo seu próprio erro. O sorriso no rosto de Stalker voltou, maior que nunca, e o chão começou a brilhar no lugar onde os pés do Dragon Kishi tocariam o chão. O kalyriano fechou os olhos, se preparando para encontrar seu fim.
            O ataque, porém, não veio. Relutantemente, Ryu abriu seus olhos vermelhos, arregalando-os em seguida:
            - LOCKHEED!
            O pequeno dragão pareceu sorrir para ele por um breve momento, voltando a atacar Stalker com pequenas rajadas de fogo, fracas demais para ferí-lo, mas o suficiente para impedir que o youma se concentrasse.
            Minha chance, Ryu pensou. Seu corpo moveu-se por puro instinto, correndo até onde Stalker estava com largos passos, e saltando com o pé direito para frente, a sua perna esquerda dobrada no joelho.
            O calcanhar direito do Dragon Kishi acertou o nariz do youma, fazendo um som alto quando afundou a cartilagem no cérebro de Stalker, que se desfez em pó antes de tocar o chão.
            Ryu pisou no chão novamente, virou-se para a direção oposta ao castelo, e começou a correr. Lockheed acompanhava-o voando, sorrindo abertamente.
            - Domo arigato, Lock.
            O dragão rosnou algo que provavelmente devia ser um 'de nada', e continuou voando.
            - Eu não achei Akai, Lockheed! - Kaya falou, se aproximando dos dois.
            - Dentro de uma cela. - Ryu falou, olhando para a pequena dragoa vermelha. Ela sorriu para o líder dos Dragon Kishi, depois assumiu uma posição no outro lado dele, voando na mesma velocidade que Lockheed. - Tiramos ela de lá assim que possível.
            Uma enorme muralha de cristal negro apareceu na frente do jovem kalyriano, e ele sorriu para si mesmo. Ele estava perto da saída.
            Ryu se concentrou por alguns momentos, procurando o ponto fraco que ele encontrou antes na muralha. Ele teria que correr por algum tempo para chegar lá, mas estava dentro do seu alcance.
            Olhando rapidamente sobre seu ombro, ele notou que os youmas que assistiram suas lutas estavam perseguindo-o, gritando para que parasse. Ignorando os pedidos, ele continuou correndo, sua mente tentando achar um jeito de abrir o portão.
            Finalmente, a sua rota de fuga entrou no seu campo de visão. O portão estava completamente aberto, como se esperando por ele. Aumentando o passo, o Dragon Kishi continuou correndo naquela direção, tentando imaginar um lugar onde ele pudesse descansar e se recuperar, para poder resgatar os outros.
            Então, ele viu que o portão não estava completamente desprotegido.
            Uma youma com cabelos longos e tão prateados quanto seus olhos estava lá, sozinha, esperando. Sem pensar duas vezes, o Dragon Kishi preparou para derrubá-
la com um golpe bem colocado na garganta, quando o ar começou a esquentar.
            Ryu se jogou para o lado, um momento antes que uma rajada de fogo cruzasse o local onde ele estivera antes. Um grito cortou o breve silêncio que se formara, e a cabeça do kalyriano se ergueu do chão, olhando ao seu redor. Lockheed, ele notou com alívio, estava no chão perto dele. Kaya...
            - Kaya? - ele chamou.
            - Preciso praticar. - a youma comentou, se aproximando. - Só acertei um
alvo de três.
            Os olhos vermelhos se fixaram nos prateados da youma:
            - Nani? - o Dragon Kishi rosnou.
            - Não fique assim. - ela falou, sorrindo. - Eu sou Ultima. E eu estou aqui para levá-lo de volta para sua cela.
            Ryu se levantou, inconscientemente assumindo uma posição defensiva:
            - Certo. - ele falou, se controlando. - Você e quem mais?
            Ultima apenas apontou para ele, e uma rajada de chamas saltou de suas mãos, quase atingindo o Dragon Kishi, que dera um passo para a direita no último instante.
            Ainda reagindo mais por instinto que por pensamento consciente, Ryu correu em direção à youma, acertando-a no estômago com seu cotovelo, seguido por um chute.
            Ultima recuou um passo, depois saltou, apontando ambas mãos para o Dragon Kishi. Sem pensar, Ryu saltou para sua direita, sem perceber que ela ainda não disparara. A youma sorriu friamente, e deixou seu melhor ataque ir para o lugar onde o kalyriano cairia.
            Uma rajada de plasma cruzou o espaço entre Ultima e seu alvo mais rapidamente que chamas normais fariam, e Ryu mal teve tempo de virar sua cabeça para ver o ataque se aproximando. Pela segunda vez naquele dia, ele esperou o impacto fechando os olhos, e, pela segunda vez, foi salvo.
            Ele reconheceu o rugido que seguiu o impacto do ataque, mas rezou para que estivesse errado, mesmo sabendo, no fundo de sua alma, que estava certo. Seus olhos se abriram, e Ryu viu Lockheed caído no chão na sua frente, quase irreconhecível. Sem hesitar, ele pegou o dragão no colo:
            - Lock? - ele chamou, de repente se lembrando de como encontrou o dragão seis anos antes, de como se tornou um Dragon Kishi. Ele estivera tão acostumado com a presença de Lockheed na sua vida, que mal podia imaginá-la sem ele.
            O dragão abriu seus olhos com esforço, e olhou para seu protegido. Dando um sorriso fraco, ele abriu sua boca:
            - Ryu... - o som não estava exatamente certo, carregado, quase como se o nome tivesse sido rosnado. O dragão, porém, sorriu, satisfeito consigo mesmo, e olhou para os olhos vermelhos do Kishi da Lua.
            Por um breve momento, Ryu pôde entender Lockheed completamente. Não era algo feito por magia ou poderes, era algo maior que isso. Os olhos do dragão diziam tudo. Lembranças, tanto boas quanto ruins, pediam desculpas que nunca antes foram pedidas, lamentavam por tudo aquilo que não poderiam ver. Mas, principalmente, pediam uma coisa: Que Ryu nunca desistisse.
            E o momento passou, e toda a vida se foi dos olhos do dragão.
            Ryu ficou ali, parado por alguns instantes, olhando para a criatura que estivera com ele desde seus onze anos, quando sua vida realmente começou. Ele engoliu o soluço que ameaçou escapar, e piscou várias vezes, tentando impedir que lágrimas se formassem nos seus olhos vermelhos.
            Então, a cabeça do Dragon Kishi se ergueu, e ele olhou Ultima nos olhos.
            A youma recuou um passo, brevemente dominada por seus instintos.
            Ryu se ergueu, deixando o corpo de Lockheed cair como se fosse lixo. Sua Ligação não sentia mais a presença de algo dentro daquele corpo, logo, não passava de uma casca. Não tinha valor algum.
            Um sorriso cruel e inumano se formou no rosto de Ryu, e ele atacou.

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