Tentações da Lua

(Cross-over de Yu Yu Hakushô e Saint Seiya Em Homenagem à Jade)



 

Por Pérola J.

Parte 3 – Amizades e Deuses:

Kurama observava chocado os dois rapazes a sua frente, incapaz de esconder o ar de surpresa ou demonstrar sua habitual discrição neste momento. Seus dedos faziam o garfo rolar em círculos lentos destruindo o delicioso bolo de morango com chantilly esquecido a muito, no prato de sobremesa junto a xícara de chá fria, enquanto a sua outra mão permanecia imóvel em seu rosto pálido, apoiando-o. Os olhos estáticos estavam firmes, hipnotizados pelos surpreendentes herdeiros Kido sentados em sua mesa. E eles foram surpreendentes mesmo! Até para o milenar Youko escondido dentro de si!

O atrevidinho, chamado Seiya, devorava moleque, tortas e biscoitos lambuzando-se satisfeito. Tinha um apetite enorme e hábitos infantis. Nem as variadas mousses do restaurante passaram ilesas. Alheio ao constrangimento ao seu redor, divertia-se observando a paisagem e as praias, fazendo comentários engraçados e bem-humorados, embora sem sentido. Uma possível mistura de Yuusuke e Kuwabara. Já conseguia achá-lo quase suportável, caso pudesse convencê-lo a parar de fazer gracejos despudorados a sua pessoa e de passar a perna insinuante na sua por debaixo da mesa.

O outro, Shun, era bem tímido, beliscava de olhos baixos a torta de camarão e palmito acompanhada de suco de laranja, o rosto corado de vergonha. Rapaz simpático. Simples e educado. Bonito também. Os lindos olhos verdes e a face delicada, não chegava a dever muito a sua própria beleza, cuja a única diferença é que os seus brilhavam maliciosos e sensuais em falsa fragilidade e os dele refletiam-se amorosos e desprotegidos. Parecia um anjinho ingênuo, um anjo capaz de deixá-lo de cabelo em pé diante das revelações daquela tarde contando fatos da vida da família Kido que o fariam rir incrédulo em qualquer outra situação considerando-os malucos.

Olhou para os papéis espalhados pela mesa. As propostas eram boas, praticamente irrecusáveis. E ele sentia uma pontada de inveja e orgulho pelo seu padrasto, imaginando se algum dia, igualaria tal feito. Cargo de presidência de uma multinacional poderosa, a tutela dos herdeiros de uma das mais famosas famílias do hanking internacional, bem como a gerência de seus negócios e um bom pagamento pelos seus serviços, divididos em bens, ações e uma substancial porcentagens nos lucros. Ficariam ricos e teriam um prestígio considerável. Sua mãe estaria com a vida estabelecida até o fim dos seus dias, inclusive se fosse uma youkai milenar como ele, somente com a sua parte como esposa atual. Não precisaria se preocupar mais com o futuro dela. Soava tão surreal. Fez questão de examinar tudo de novo pela vigésima vez, sem se preocupar em parecer ridículo ou não. Precisava certificar-se não estar sonhando. Riria encantado se o choque não o tivesse deixado anestesiado. Era bom demais pra ser verdade. Seu próprio projeto parecia mísero, constatou desapontado. Não menosprezando os talentos de Tousan, mas ele dera uma sorte danada dessa vez. Nem os bens de seu pai, nem os dos padrasto juntos somariam um décimo da esplendorosa fortuna destinada a cada um dos inúmeros herdeiros. Verdadeiras minas de ouro ambulantes. E olha que suas posses não eram tão insignificantes assim, seus amigos de time costumavam chamá-lo de riquinho exibicionista impressionados com as roupas de grifes caras, esculachando sua vaidade demoníaca. Voltou a encarar os dois. Teriam noção do seu valor monetário? Estava até tentado a aceitar a corte do tal Seiya... Balançou a cabeça.

"Vamos, Kurama, vamos! Nem parece um youko milenar. Pare com esta expressão idiota e anti-profissional. Você é um promissor sub-gerente junior, quase revelação do ano. Onde está o seu talento pra negócios? Ignore o montante do dinheiro, pense nas propostas! Temos dificuldades aqui..."

E em verdade, dificuldades não faltavam. Largou os papéis fechando a pasta com cuidado e voltou a sua atenção aos herdeiros. As propostas eram excelentes, mas eles seriam caso à parte. E infelizmente, a parte ruim. Tão ruim quanto fora boa a oferta. A breve conversa com os Kido mostrou a Kurama haver muito ainda a aprender sob hábitos e costumes ningens. Espantado, constatou terem um estilo de vida oposto ao tradicional sistema familiar japonês, cheio de vícios, desregramentos e libertinagem que nem em sua vida demoníaca ousaria tentar. Procurava deglutir indiferente, todas as informações sobre o dia-a-dia daqueles garotos procurando brechas e pontos positivos/negativos para convencer seu padastro a aceitar a tutela. Tarefa ingrata. Teve vontade de rir novamente, agora em desgosto. Desconfiava não ser à toa que aquelas propostas foram tão bem montadas...

"Sabe Tousan recebemos esta maravilhosa proposta... Sonho dourado de qualquer administrador, até eu, um milenar youko transformado em ningen, e tudo o que temos a fazer é aceitar esta simples cláusula, a tutela dos herdeiros Kido, e seremos ricos e famosos no mercado internacional. Bom né... Mas espere... Não assine nada... você precisa prestar mais atenção, eu disse existir uma CLÁUSULA: assumir a tutela dos herdeiros Kido. E você precisa saber ‘QUEM’ eles são, antes de assinar e, pode ter certeza, eles são o seu pior pesadelo, ou melhor, são o ‘MEU’ pior pesadelo...

Segundo o breve relato, suponho ser o Senhor Kido um destes milionários excêntricos – você deveria ter dito algo a esse respeito, posso ser milenar, mas não sou advinho. Contrate Hiei da próxima vez. – pois tinha uma paixão obsessiva pela deusa Atena e resolveu transformar seus filhos em discípulos desta crença. Algo semelhante a um monge praticante de artes marciais do Tibet, é uma comparação falha, desculpe, minha mente não conseguiu nenhuma outra comparação apropriada, paladinos são contos de fadas e de sacerdotes eles não tem nada além da fé na deusa. Vivem no momento, eu penso, numa espécie de seita rural, também não especificada, próxima daqui. E foram criados nela desde a tenra idade, tendo tido pouco contato com o mundo exterior até uns cinco ou seis anos atrás. A seita soa meio fanática, do tipo falado nas páginas policiais dos jornais, somente 10 dos 100 irmãos reapareceram de dentro dela. Eles não sabem dizer nada sobre os outros. A seita tem filiais pelo mundo e é do tipo fechada. Cada um foi criado em uma destas filiais, isolados e seu acesso sob as atividades internas é restrito. Impressionante.... Não, não precisa ficar assustado... ainda não... A dita seita é bem vista na Grécia, sem registro de processos judiciais e com muitos adeptos fervorosos. É uma boa religião. Os aldeões das pequenas vilas locais adoram-na. E mesmo sem verificar, duvido haver algum motivo para alarde. Seu lema é digno de filme americano: Proteger o mundo com a justiça de Atena, sem o uso de armas pelo bem da humanidade. E pela minha conversa com estes dois aqui, eles seguem isso de forma incondicional e estão orgulhosos. Quanto ao nível de estudos, não se preocupe, a seita possui excelentes professores internos para ensino domiciliar – no caso o mestre responsável e alguns auxiliares - todos os meninos presentes tem curso ginasial completo e registrado, constando língua japonesa, inglesa e grega, com direito a opcionais em outras línguas, noções de informática e desenvolvimento de habilidades artísticas. Educação Física, é um dos fortes desses mestres, chegando ao exagero. É fundamental ao discípulo passar numa prova esportiva, para se tornar ‘cavalheiro’ – um título importante aos fiéis, semelhante a sacerdote e tem níveis como artes marciais: bronze, prata e ouro são os principais, parece. Lembra do Torneio Galáctico? Aquela basbaquice cinematográfica falida, tão cara e trágica quanto o naufrágio do Titanic? Então, foram eles os participantes. Idéia, com o perdão da palavra, do seu louco amigo. Tinham acabado de conseguir suas divisas e se meteram numa baita enrascada com seus superiores, correndo risco de vida. A religião é rígida, sistema espartano, não permite exibicionismos, foi uma quebra de votos feia e eu não sei bem como eles resolveram isso sendo quase mortos pelos demais, mas conseguiram receber o perdão e hoje, são bem conceituados dentro dela. E eu acreditando ser tudo encenação do Show Business! Também com Kaasan doente a beira da morte e com a pena do Reikai para cumprir, não sobrava tempo pra ficar reparando nestas coisas, né! É uma pena... Desejo saber se existe alguma chance de Koema burlar as fronteiras da nossa crença e autorizar o Time Urameshi a investigar o Santuário de Atena. O Reiki emanado deles é fabuloso e um mistério irresistível pra mim. O que será que lhes dá esta aura de poder divino tão grande? Ah, meu lado Youko Kurama... Sente de longe o cheiro da adrenalina e fica arrepiado de entusiasmo! Quase desenterro meu sangue youkai aventureiro...

Julgou aceitável? Também pensei, meio constrangido. Porém espere até ouvir isso... A disciplina espartana e a educação reforçada na cultura grega apesar da aparência exótica, tem fundamentos compatíveis com o nosso padrão japonês. E, além de algumas divergências básicas, conclui ser conciliatório com os da nossa adorável família até, meio por acaso, discutir o estilo de vida pessoal deles como cavalheiros. Meu queixo de Youko caiu até o chão horrorizado! Como vou explicar a você de uma maneira delicada... É uma mistura de filosofia hippie com princípios de vida de seita exótica mesmo! Amor livre, crendices duvidosas e outros conceitos polêmicos são considerados normais. Veja o caso ‘simples‘ dos dois Kidos presentes, o anjinho verde, Shun, disse de forma meiga e casual, estar apaixonado por um lindo RAPAZ loiro chamado Hyoga e seu irmãozinho espevitado, ter um firme relacionamento com um outro RAPAZ inteligentíssimo, Shiryu, de descendência chinesa, ambos herdeiros Kido também, ou seja, seus IRMÃOS, e estavam tão felizes com a união que a única coisa entristecedora em suas vidas era a falta da companhia dos demais para serem uma família perfeita – nem quero imaginar como... Perguntei alarmado, sobre a opinião de seus mestres. As esmeraldas piscaram em ligeira confusão até me responderem que os mestres ficaram um pouco apreensivos no começo, talvez pela idade deles, mas no final concordaram com o romance, contentes pela formação dos pares e dando-lhes um voto de confiança. Shun sonha em poder levar uma vida de casal tão harmoniosa quanto aos de seus compreensivos MESTRES Kamus e Milo ou tão longa quanto a sábia convivência do Sumo-Sacerdote Shion e do Mestre Ancião, cujo discípulo é o zen Shiryu, e está preocupado que seu irmão mais velho, o rebelde Ikki, não quer assumir um indiano, Shaka,, com quem está tendo um caso DISCÍPULO – MESTRE! Caso ‘simplíssimo’ para compreender. Não sei se me espanto mais pela naturalidade do garoto, ou pela gravidade da situação. Não me impressiona a homossexualidade, há relatos milenares na cultura grega sobre ‘certas’ preferências e na vida youkai ‘acasalamos’ com demônios de poder, independente serem machos, fêmeas ou indefinidos, hipocrisia da minha parte amando Hiei ser contra; mas me impressiona sim, esta forma de homossexualidade aberta, o incesto e o abuso de menores compassivo. Se assumisse isso nesta vida ningen, traria grandes problemas a minha amada mãe, escolheria ser discreto até retornar ao Makai. E a natureza youkai, abomina ‘acasalamentos’ entre parentes ou demônios não desenvolvidos – porque acha que não me envolvi com o Koorime até perdê-lo? - por enfraquecer as crias das raças. Em Ningenkai então, é um escândalo!

Me diga Tousan! Como vou convencê-lo a concordar com algo que nem eu sei ao certo se aceito? Eu preciso convencê-lo, porque tem assuntos do mundo espiritual dependendo dos nossos acordos financeiros e a minha mente brilhante não consegue encontrar uma solução..."

Kurama abriu novamente a pasta de documentos, nervoso, verificou com cuidado o conteúdo, folha a folha, constatando em desgosto, que sua última idéia brilhante para resolver o impasse naufragara de vez. Pensava em pedir ajuda a Saori Kido para afastar os rapazes da seita fatídica. Apelar para a memória do falecido Sr. Kido e alguma intenção arrependida de mudar seus destinos, não adiantaria. Ficou claro a aversão dos jovens ao patriarca da família. Não inesperada. Ele também odiaria seu pai se fosse como ele... Um playboy amoral, um libertino inconseqüente! 100 filhos das mais diversas mães, todos criados num orfanato, passando necessidade. Inaceitável. O homem era podre de rico. Dinheiro calava mesmo a boca de muita gente...

Lembrou saudoso dos pais: Shuichi, o marido de Shiori era um homem amável e cordato, a mãe ainda chorava a ausência dele e procurava enxergar no filho, orgulhosa, todas as suas virtudes. O youko dourado, Mashiro, era rígido e severo. Cuidava do clã com mão-de-ferro, protegendo suas fêmeas e filhotes com zelo feroz, armando estratagemas complicados para um mero youkai classe B inferior. A morte precoce levou ambos de sua vida. Shuichi morreu num assalto defendendo a mãe e o filho. Mashiro salvando seu último filhote da destruição da sua aldeia. A mente de Kurama revisava estas cenas falhas na sua memória. Shuichi saltando sobre o corpo da mulher apavorada com a criança recém-nascida e recebendo a bala em seu lugar e Mashiro ferido carregando o pequeno filhote prateado frágil e semi-morto pela floresta até encontrar uma toca segura e dar seu último resquício de youki ao rebento para curá-lo. Tão triste... Apesar de não entender a atitude do Youko na época, Kurama nunca conseguiu deixar de viver naquela caverna, sua até hoje. Reconhecimento? Talvez... Tinha certeza, se pudesse, Mashiro voltaria a aldeia para tentar salvar outro filhote, mesmo contra todas as probabilidades. E tentaria de novo e de novo, até morrer...

Como imaginar um pai como aquele desalmado senhor? Mãe ele até conseguia, mas pai... e ningen! Será que este tal Sr. Mitsumasa era parecido com Itara? Uma das fêmeas preferidas do harém de Mashiro, cuja beleza juvenil exótica e os talentos sexuais fizeram-na o presente ideal como recompensa ao guerreiro nobre da tribo pelos seus feitos heróicos. A sensual youka vermelha de olhos verdes era muito provocante, até entre os youkos, e fria e traiçoeira como o pior demônio do Makai. Sua lindíssima genitora não tinha poder nenhum, além de ser uma insuperável prostituta. Dormiria com qualquer youkai capaz de lhe fornecer seus caprichos, conquistando-os com sua voz suave e charmosa e o jeitinho delicado. Entregou toda a sua ninhada para morrer, fugindo com o chefe dos bandidos, sem sentir um pingo de remorso. Kurama encontrara-a uma vez, quando era um jovem adulto, num bordel. O sorriso malicioso e o balançar sexy da cauda causavam frisson entre os freqüentadores. Não o reconheceu. Indignado Kurama utilizou sua crescente fama para impressionar e questioná-la sobre seu passado. Perguntou dos amantes e dos filhos. Ela vendeu sua história por um lindo colar de esmeraldas. Teve seu primeiro macho aos 15 anos, Mashiro, um nobre com bastante prestígio entre os youkos em sua aldeia natal, quando ainda eram numerosos e a caçada a sua raça estava apenas se iniciando, abandonando-o e a seus únicos filhotes. - Graças a Inari! Odiaria ver sua barrriga deformada daquela forma mais de uma vez na vida! - quando a aldeia sucumbiu aos ataques inimigos. Ficou um tempo como bibelô do chefe dos caçadores. Depois foi vendida a um youkai violento que a espancava e a machucava muito. Ao ser morto numa briga, acabou no mercado publico de escravos e passou de dono em dono até conseguir sua liberdade e ir morar no bordel. Quanto aos filhos, Itara franziu o cenho num riso debochado, dizendo evitar youkos até hoje com medo de ter novos filhotes, - apesar de todas as precauções tomadas - criaturas irritantes, fracas, ainda bem que os seus estavam mortos porque senão ela mesma os mataria ou os venderia como propriedade, se fosse capaz de reconhecê-los, é claro! Kurama levantou-se enojado e fez menção de ir embora, quando a youka segurou sua mão mordendo um de seus dedos insinuante, informando em voz rouca, abrir uma exceção para um youko tão bonito, fazendo-o correr precipitado para fora como se o local estivesse em chamas e a mão com uma chaga terrível, para nunca mais retornar relegando-a ao esquecimento. Ah, Shiori... Shiori sim, era sua verdadeira mãe. Ela mudara sua vida enchendo-a de amor e alegria. Seu abraço protetor era a mais preciosa jóia roubada em toda a sua vida de legendário ladrão. Tão bom...Tão acolhedor... Ele tinha dois pais e uma mãe, Itara foi apenas um acidente de percurso. Uma tola desmiolada, uma perdida, uma procriadora acerebrada. Não a condenava, Makai era Makai, mas não via nela uma mãe e sim uma estranha. Paciência. Comparando-a ao empresário, concluiu, ser este mil vezes pior. Era um homem inteligente e culto. Como pode? Uma pontada de dor surgiu no seu estômago e teve muita pena dos jovens órfãos. Balançou a cabeça. Não era hora de recriminações.

Pensou na jovem socialite, sua possível aliada, estranho os Kidos respeitarem-na. Era adotada - vai saber porque, homem maluco - e ganhara todos os carinhos do velho senhor e de seus herdeiros renegados. Merecia seu respeito também, fora um feito grande no meio daquela barbaridade insana, recuperando a família destruída. Para seu azar, no final dos documentos, estava lá sua assinatura como sacerdotisa central, representante da Ordem Sagrada Atenense, acima das dos acessores principais, o famoso Kamus e de um desconhecido, Saga, com um grande selo oficial em papel timbrado. Sair da Ordem, nem pensar. Era claro, nada em relação ao Sr. Kido sairia fora das vistas do Santuário de Atena. Suspirou resignado...

Shun esforçava-se para manter o olhar baixo sobre a decorada torta salgada do prato. Era tudo tão esplendoroso ao seu redor. Sentia como se estivesse em uma das Sagradas Casas Zodiacais diante de um dos seus imponentes mestres ou da própria Atena, sem saber como se portar, totalmente bronco. Inibido concluiu ser melhor encarar a torta, adversária fácil, do que o elegante rapaz a acompanhá-los. Após superarem o período de susto e constrangimento, e conhecerem-se de forma mais amigável, reconheceu em Shuichi Minanino, além da beleza hipnotizante, uma educação refinada, um visão empresarial invejável e uma personalidade marcante. Era quase uma miragem... um sonho... um verdadeiro príncipe de contos de fadas. Tão encantador, – ah, se não tivesse Hyoga! Ia engrossar o coro de Seiya e das moças esvoaçantes ao redor. – nem Kamus tinha tanta graciosidade. Lembrava uma... uma... uma raposa! Isso, uma raposa, com seu comportamento arrebatador. E era tão esperto quanto ela, conseguira obter respostas complicadas de maneira simples no meio da conversa informal, deixando-o a vontade. Tão inteligente, Dragão teria dificuldades em vencê-lo. Tão nobre, Julian ficaria com inveja. Tão cavalheiro! Discreto, chique, amável, a lista seria enorme se começasse a enumerar suas qualidades. Caso os cabelos fossem doirados seria o seu filho perfeito com Hyoga, delirou. Será que June tinha chance? Tava muito a fim de roubar esse maravilhoso projeto de bebê para si. Tentação. Não esquecera o estranho Ki, mas a definição mudara de perigoso para misterioso, aguçando a sua curiosidade. Teria tempo para descobrir, aos pouquinhos, sem ofender. Neste instante, só precisava de seu apoio para obter a tutela com o Sr. Hatanaka. Intuitivamente sabia, se Shuichi concordasse, o pai concordaria também, sem problemas. E precisavam tanto... Comparou a si e o irmão com o jovem. Realmente precisavam!

Disfarçou o nervosismo quando o viu mexer nos papéis, repetitivo, sem deixar de encará-los. Havia alguma coisa errada na proposta? A face de Shuichi parecia preocupada. Ficou tenso. A proposta não fora boa o suficiente? O que Kamus dissera ao correr atrás dele, um pouco depois de sair da Sala do Mestre? A face de Shuichi e kamus pareciam ter a mesma expressão por sob os papéis. Só que após algumas recomendações Kamus sorrira dispensando-o e Shuichi permanecia sério, incomodado. Onde havia errado? Contara tudo de forma simples e humilde, procurando enfatizar o lado bom, valorizando suas personalidades honradas de cavalheiros. Porque tinha aquela nuvenzinha negra sobrevoando-os? Estaria sendo ingênuo em alguma questão importante? Seria Seiya? Ele era irritante, às vezes, mas seu coração de ouro sempre conquistava as pessoas. Shuichi não dava mais nenhuma indicação de estar ofendido com ele. Era outro assunto... Deveria ter trazido Shiryu, sua mente não estava alcançando o ponto central. Pensou em Kamus e suas recomendações. Shuichi tinha falado em uma proposta de negócios também, já passava da hora de ouvi-la. Iria aceitar de qualquer forma. Só precisava fazer um pouco de tipo... Como se pudesse negar diante desse moço chique... Não tinha problema, Kamus resolveria a parte comercial. Ele mesmo enfatizou tal fato. E pediu ao final da negociação, para elogiar o projeto e oferecer algumas gordas bonificações extras, caso o Sr. Hatanaka estivesse vacilante quanto a tutela. Como será que Kamus adivinhou? Bom... ele e Saga eram homens de negócios... Devia ser algum comportamento padrão...

Kurama assustou-se ao ser chamado a realidade. O projeto! Como podia ter esquecido? Precisava dele... o Reikai... Relapso. Balançou a cabeça indignado consigo mesmo por ter se deixado abalar. Suspirou, dando um sorriso aos dois. "Boa orientação, Santuário." Shun franziu o cenho. Tinha de ser o Coliseu? Desde o Torneio Galáctico aquele monumento espalhafatoso permanecia fechado e esquecido. Um tabu entre eles e Atena. Não sabia ao certo se Kamus o incluíra nos acordos a serem fechados, nem se constavam de seus bens ou de Saori e do Santuário. Kurama ficou confuso, não imaginava encontrar esse tipo de pergunta ou resistência. O Coliseu era um destes elefantes brancos, cujo prejuízo aumentava assustador ao passar dos anos. Estava completamente abandonado e as empresas Kido não fizeram menção de querer mantê-lo, com o fracasso do empreendimento milionário. Seu projeto era excelente. Verdadeira Salvação da Pátria, no caso. Tudo era muito estranho, desde os Kidos, a proposta da tutela até as negociações. Tudo fora de contexto. Quem pedira o levantamento foi a Srta. Saori, 6 meses atrás, com a recomendação única de realizar-se o melhor possível em relação aos bens. Não houve restrição contra nenhum dos empreendimentos. Agora estava discutindo com herdeiros desconhecidos, participantes do torneio, em vez de uma mocinha típica de roupas da moda e viagens ao exterior, e pelo jeito, muito interessados nos detalhes dessas atividades. Que droga! Tinha de organizar e unificar o Torneio dos Monstros e do Makai para auxiliar Koema a controlar a atividade demoníaca no Ningenkai com a destruição da barreira e não poderia dar muitos detalhes aqueles dois ou levantar desconfianças sob seu projeto. Tentou ser neutro. Os cavalheiros entreolharam-se preocupados, se o tal torneio fosse igual ao deles, seria necessário uma bruta investigação por parte do Santuário. Seiya recostou-se na cadeira, sério, pela primeira vez, e Shun encarou Shuichi imaginando se o jovem tinha noção da verdadeira história por trás do Torneio Galáctico. Baixou a cabeça concordando em dúvida. Kamus e Saga resolveriam, não era da ossada deles. Voltou a proposta da tutela, com medo do clima pesado da conversa. Kurama ficou lívido e permaneceu calado por um bom tempo. A raposa balançou a cabeça sorrindo ao golpe de mestre. "Cheque Mate. Bela vitória Santuário! Este youko dá-lhe os parabéns..." Finalmente, todos pareceram satisfeitos, resolvendo encerrar a inusitada reunião informal de negócios. Kurama desistiu de convidá-los a jantar precavendo-se de possíveis complicações. Conversar antecipado com Tousan, seria melhor. Teria tempo de amenizar alguns pontos e preparar seu espírito a contento com a ajuda da mãe. Estava cansado, com a cabeça cheia. Sua habilidade de raciocínio morrera por hora. Ia despedir-se e voltar ao próprio quarto para descansar um pouco até o retorno da família quando Alícia reapareceu com o telefone nas mãos. "Maldito Youko Kurama!" pensou raivoso Shuichi confabulando quais seriam as armações do youko milenar desta vez. Desligou sentindo um suor frio cobrir seu rosto e encontrou o olhar curioso dos dois rapazes sobre si. Sorriu encabulado. Yuusuke andava pra lá e pra cá nervoso. Paciência era para o Youko, não pra ele. Com alívio, viu o ruivo chegar com o habitual sorriso na face e quase correu a abraçá-lo de tão desesperado. Nunca tinha viajado ao exterior e descobriu da pior forma, ser complicado se virar num país estrangeiro sem conhecer a língua local. Aquela fala enrolada era irritante, vontade de bater na tonta atrás do balcão fazendo cara feia para eles e os tratando como se fossem mafiosos. Demorou um pouco a perceber os dois rapazes orientais acompanhando Kurama e franziu o cenho intrigado. Os dois sorriram conciliadores. O mais jovem tinha olhos e cabelos verdes, parecia com a raposa. O outro tinha um ar atrevido e olhos e cabelos castanhos como os seus. Yuusuke sorriu, menos tenso. Cumprimentou-os e começou uma conversa animada com Seiya, rapazinho legal e adepto de lutas também, enquanto Shuichi esclarecia uns últimos detalhes importantes com Shun e se despedia. De repente, ambos pareceram lembrar de algo falando ao mesmo tempo. Piscaram confusos. Kurama piscou novamente e esperou o Toshiden falar primeiro. O detetive encarou Kurama uns minutos pensando por qual milagre o Youko tava de brincadeiras hoje.