Mil Margaridas

 


Por Rinko Himura


Aquele dia de grande trabalho útil estava quase acabando nos estúdios OBA (OS Bastidores de Animes). Estava tudo muito tranqüilo, não havia tido nenhum desentendimento entre os personagens. Fora um dia de muita produtividade.

Mas tudo o que é bom, dura pouco. Uma nave vermelha entrou velozmente nos estúdios, assustando a todos. Passou raspando pela escadaria principal e cambaleou até o jardim, onde aterrissou brutamente.

Aoshi estava ali por perto quando isso aconteceu. Seguiu a multidão curiosa até o jardim. Os seguranças correram para acostar o péssimo motorista. Aoshi tentou se aproximar para ouvir a discussão.

O dono da nave era um rapazola alto e magro, de cabelos castanhos desarrumados. Usava um conjunto de terno e calça azuis e uma blusa amarela. Saiu da nave tonto, caindo diretamente no chão. Levantou-se e foi abordado pelos seguranças do OBA.

-Isso lá é lugar para você parar? –Disse um deles, irritadíssimo.

-Desculpe, foi mal. –Respondeu o motorista, passando uma das mãos na cabeça e sorrindo, embaraçado. –É que eu fiquei sem controle.

O outro segurança olhou para o grande estrago. –Você destruiu tudo! Você destruiu o grande jardim!

-Foi mal, eu não queria...

-Qual é o seu nome?

-Spike Spiegel. Sou caçador de recompensas do Cowboy Bebop.

Os seguranças se olharam, depois disseram. –Muito bem, senhor caçador de recompensas, você estragou o grandioso e majestoso jardim do OBA. Como pena, você vai refazê-lo.

-Epa, calma lá! São só algumas florzinhas e...

-Mil margaridas.

-Mil? –Gritou Spike. –Vocês querem que eu plante mil margaridas aqui?

-Isso mesmo. Você estragou, você refaz.

-E se eu me recusar?

-Nós confiscamos sua nave.

Spike irritou-se. –Vocês não fariam isso!

-Quer apostar?

Os seguranças deram os ombros. –Você tem dois dias, começando por amanhã. E ainda ficará responsável de cuidar delas até crescerem.

-Isso é injusto!

-Claro que é. E leve esse trambolho daqui.

O caçador de recompensas levou as mãos á cabeça, resmungando palavrões. Notou que muitas pessoas lhe observavam.

-Quê que é? Nunca viram não?

A multidão se dispersou. Aoshi achou aquela situação engraçada.

Minutos depois, o OBA fechou as portas. Já era noite.

*

Aoshi chegou cedo no OBA no dia seguinte. Antes de se encontrar com Kenshin e os outros do Rurouni Kenshin, decidiu dar uma breve espiada no jardim. Caminhou pela grande entrada, atravessando o gigantesco salão principal e a escadaria. Observou Spike trabalhando de longe. Riu para si. Podia-se ouvir os palavrões que o caçador de recompensas pronunciava.

Ele decidiu se aproximar.

-Ohayo!

Spike continuou a arar a terra, murmurando palavrões, sem olhar para o espadachim que estava firme ao seu lado.

-Ei!

O fora-da-lei parou o que estava fazendo e encarou Aoshi furiosamente.

-Puta merda, o que foi?

-Então você é o destruidor de jardins?

Spike ergueu uma das sobrancelhas, com uma certa expressão de insatisfação.

-Você veio até aqui para me dizer isso, seu idiota?

Aoshi riu. Spike respirou fundo e continuou o trabalho.

-Soube que você tem dois dias para plantar mil margaridas aqui. –O ex-líder da gangue Oni disse. –Isso é muita coisa, não?

-Você não tem outra coisa para fazer, não? Desinfeta, otário!

-Acho que a definição de otário caberia melhor em uma pessoa maluca que entra com uma nave no OBA, quase atropela todo mundo e destrói o jardim –Aoshi deu os ombros. –Continua com o trabalho aí, bonitinho, hein?

Spike observou-o caminhando para a escadaria, dando risada. Tacou tudo no chão, furioso, decidido a sair na porrada com o espadachim, mas sua vontade de acabar de vez com aquela vergonha era ainda maior que sua ira.

Algumas horas depois, os estúdios já estavam praticamente vazios. A noite havia caído e trazido consigo uma chuva de gotas finas. Aoshi retornou ao Jardim. Spike já havia tirado a blusa, por causa do cansaço. Já havia afofado a terra inteira, faltando apenas depositar as sementes em seus devidos buraquinhos.

-Bom trabalho, Spike Spiegel!

Ele encarou o espadachim.

-Puta que pariu, você de novo?

Aoshi sorriu.

-Eu vim te avisar que é para deixar as ferramentas na sala 04, embaixo da escadaria.

Spike ficou irritado, entretanto engoliu sua raiva. Apanhou as coisas e deu os ombros. Quando arrumou tudo, Aoshi estava no mesmo lugar.

-O que foi dessa vez? –Resmungou o fora-da-lei.

Aoshi permaneceu calado.

Encararam-se. Aoshi decorou todos os traços do Spike, seu rosto cumprido, seus olhos pequenos, sua boca fina, seu cabelo desarrumado. E tudo lhe agradava. Sim, Spike não era nada educado, tampouco amigável, porém ele lhe atraia. E muito.

O caçador de recompensas, por sua vez, encarava-o ferozmente. Já não gostava de dar uma de jardineiro e ficar perdendo o seu tempo plantando margaridas, quanto mais ser observado por um sujeito boçal que não tinha nada para fazer.

Spiegel respirou fundo, virou-se e caminhou para a saída. Aoshi o seguiu com os olhos e sorriu.

*

Quando Aoshi chegou no OBA, acompanhado de Misao, Spike já estava terminando de plantar as sementes de margaridas. O espadachim o olhou, disse para Misao ir na frente e correu para o jardim.

-Fala!

Spike levou um susto e não se virou para olhá-lo. Sabia muito bem quem era.

-Puta merda, você realmente não tem mais nada para fazer...

Aoshi riu. Observou o trabalho de jardinagem.

-Puxa, você leva jeito para o cargo!

-Cala a boca! –Gritou Spiegel, fitando-o raivosamente.

-O quê é isso, caro amigo! –Disse o espadachim, tentando contornar a situação. –Você tinha que me agradecer por eu ser o único no OBA que considera seu esforço, que admira sua dedicação e talento!

-Alto lá, ô do casaco! Eu não tenho talento nenhuma para jardineiro!

-Seja como for, eu sou o único que reconhece seu esforço! Alguém já parou por aqui para te dizer palavras de apoio como eu faço?

-Graças a Deus não, imagine se eu pego alguém pentelho como você...

Aoshi ergueu uma das sobrancelhas, mas deixou passar a ofensa.

-Você é muito ranzinza, cara!

-Ah, o que diabos você esperava? Eu estou penado a cuidar de plantinhas o resto do mês! Ninguém que depende do tempo para ganhar a vida, ficaria alegre e saltitante em perdê-lo plantando estúpidas margaridas!

-Você realmente é ranzinza.

Spike murmurou palavrões e virou-se de costas. Aoshi começou a caminhar para a escada, dizendo. –Não se esqueça que eu sou o único que te apóia nessa longa jornada!

-Como é que eu vou esquecer com essa maldita marcação diária? Fala sério... –Sussurrou para si o fora-da-lei.

*

Os dias se passaram e Aoshi continuava a "conversar" com Spike, entretanto com menos freqüência. Ás vezes só o olhava de longe, deduzindo se ele precisava de alguma ajuda ou não. Aquela rotina muito lhe amimava. O misto de grosseria e beleza de Spike lhe seduzia de tal modo que não conseguia passar um dia sequer sem olhá-lo, sem ouvir sua voz.

Naquele final de expediente, Spike estava regando as pequenas margaridas. Logo estaria livre da punição. Sua alegria era tanta que passou a cumprir sua tarefa com mais satisfação.

Aoshi percebeu que Spiegel estava agindo de um modo mais gentil. Não estava com a cara fechada, como sempre estava; desta vez tinha um tímido sorriso em seus lábios e uma doçura maior com as flores. Aproximou-se. O OBA estava quase fechando.

-Vejo que as margaridas viraram suas amiguinhas!

O caçador de recompensas o olhou e virou os olhos.

-E eu pensei que tinha me livrado de você...

O ex-líder da gangue Oni tocou em uma margarida com suavidade. –Elas estão bonitas. Bom trabalho, Spiegel!

-Finalmente vou me livrar esse castigo... E de quebra, de você.

-Não seja rude comigo! Eu fui seu maior apoiador!

-Fala sério, ô do casacão! Eu preferia não ter tido nenhuma bosta de apoiador a ter você buzinando no meu ouvido nesses últimos dias!

-Aoshi Shinomori.

-Hã?

Aoshi ficou repentinamente inexpressivo. –É meu nome. Pare de me chamar "ô do casaco". Eu tenho nome. E é Aoshi Shinomori.

Spike não esperava uma atitude como aquela, ainda mais vinda de uma pessoa que passou aqueles dias todos lhe atormentando. Sentiu seu rosto corar. Deu-lhe as costas. Resolveu permanecer calado.

Ouviram um trovão. Os dois olharam para cima. Exclusivamente na parte do jardim, o teto era descoberto. Sentiram os primeiros pingos de chuva. Segundos depois, o pé-de-água caiu de vez.

Spike olhou para as margaridas que teve tanto trabalho de plantar e xingou a chuva por desabar. A terra virou pura lama, mas as flores estavam belas e saudáveis como sempre.

Aoshi tentou contê-lo.

-Acalme-se, cara! A chuva vai refrescá-las!

-Vai nada! Ela tá exterminando esse maldito jardim que eu tive tanto trabalho para refazer!

Spike levou as mãos à cabeça, rosnando. Aoshi o observou, com um certo fio de piedade.

-Porra! Maldita hora que eu resolvi não estacionar minha nave naquela droga de estacionamento pago! Isso que dá ser mão-de-vaca! Merda!

A chuva caia do céu negro. O OBA já estava vazio. Havia somente alguns postes de iluminação acesos. Era a pura sensação de isolamento.

Aoshi se aproximou de Spike e abraçou-o por trás, ternamente.

-Eu sinto muito...

O fora-da-lei surpreendeu-se com o gesto de carinho. Não conseguiu se mexer. Estava completamente imóvel perante aquele agrado.

Então, o espadachim fez Spike se virar.

-Eu admito que eu fui chato... Mas é porque eu me importo com você... Queria te ajudar, mas não conseguia dizer nenhuma palavra decente... Tudo que saia foi o que você ouviu... Desculpe...

Acariciou sua face molhada e beijou-lhe os lábios suavemente, com os braços envolvendo sua nuca. O caçador de recompensas não teve como reagir contrariamente; estava precisando de uma afabilidade. Sua ira ao poucos ia lhe abandonando, dando espaço para o amor entrar.

Lentamente, Aoshi tirou o terno do parceiro e com delicadeza começou a desabotoar sua camisa encharcada, sem parar de beijá-lo. Com o peito nu, o ex-líder da gangue Oni escorregou sua boca para o tronco, lambendo e beijando os mamilos, o tórax e as costas de Spike. Voltou a beijar seus lábios sedentos por carícias e a retirar sua calça.

Enquanto Aoshi tentava despi-lo, o fora-da-lei se deu no direito de fazer o mesmo; Tirou o casaco e a blusa do espadachim e passou a mover sua língua pelos ombros dele. Suas mãos estavam desorientadas, perdidas nas costas fortes de Aoshi.

Repentinamente, Aoshi parou e escondeu o rosto de lado. A chuva caia com a mesma intensidade.

-O que foi?

Não respondeu. Spike ergueu seu rosto usando a ponta de seus dedos.

-Fale.

-Não...Não quero que... Não quero que você faça isso só por impulso... Eu não quero que isso só seja por uma noite e que... Meu sentimento por você continue platônico...

-Oro? Você acha que eu sou tão volúvel assim? Fala sério...

Aoshi riu.

-Você falou igual a um amigo meu!

Spike sorriu pelo canto da boca e puxou o rosto do espadachim ao seu encontro, beijando-lhe os lábios novamente.

As carícias aumentaram, e a intensidade dos beijos também. Era uma grande paixão envolvida. Spike beijou todo o corpo do parceiro. Os dois já estavam nus, em meio a um grande jardim de margaridas e uma forte chuva noturna.

Spiegel Colocou uma das pernas de Aoshi envolto a sua cintura e a penetração teve início. O princípio do amor entre os dois fora pausado e repleto de carícias. Os beijos eram constantes e apaixonados. Spike sempre se mostrou um cara durão e bastante grosseiro, mas naquela hora estava sendo carinhoso e gentil. Fora exatamente como Aoshi havia tanto desejado.

Aquele momento de puro prazer fora longo e duradouro. O tempo e espaço não eram mais nenhum empecilho para se amarem.

A excitação aumentou. Spike iniciou uma penetração mais audaz, o que extasiou Aoshi, que agarrava os cabelos e a nuca do parceiro, dando-lhe mordidelas e beijos mais agressivos.

Entre gemidos e a chuva incessante, o orgasmo chegou nos dois, exatamente na mesma hora. Ficaram ofegantes, abraçados na posição prazerosa. Aoshi sorriu. Olhou para o céu. As estrelas e a grande lua cheia apareciam dentre as nuvens. A chuva havia parado.

*

Sob a luz do dia seguinte, podia-se ver os poucos danos que a chuva fizera no jardim. Desde cedo Spike estava ali no meio das margaridas, replantando aquelas que não resistiram a chuva forte, com um grande sorriso nos lábios. Seu companheiro do Cowboy Bebop, Jet, aproximou-se.

-Mas a chuva foi braba ontem, não?

-É...

-Pô, mancada...

-É...

-Então você vai ter que plantar as mil margaridas tudo de novo?

-Não, só vou replantar 337.

-Puta, isso é muito!

-Nem tanto... Eu replantaria as mil margaridas se fosse preciso.

-Hã? Mas e nosso trabalho? Há muitos bandidos que valem uma nota preta por soltos por aí!

-Sim, Mas isso pode deixar pra depois. Eu tenho uma obrigação a cumprir.–Spike parou de arar a terra e olhou para o alto da escadaria, onde Aoshi o observava de longe. Sorriu. –Afinal, eu tenho um apoiador...

Aoshi sorriu. Jet simplesmente ficou sem entender. Seu companheiro havia mudado completamente.

"As margaridas devem ter um poder energético muito grande para conseguir mudar o humor de alguém ranzinza como o Spike", pensou ele, caminhando até a escada. "As margaridas são poderosas".
 
 

Fim



Talvez tenha uma continuação...Talvez... ^__^