MODERATO

 



por Lucretia


2

Uma semana depois do show, estavam de volta ao velho estúdio, onde ensaiavam praticamente desde a primeira formação da banda. Estavam quase todos reunidos. Faltava Jack, atrasado, como sempre. Já estavam acostumados com esse pequeno defeito.

_ Alan, tem certeza que você acordou o Jack? _ aproximou-se um rapaz alto de cabelos negros, levemente cacheados e compridos, era o baixista, perguntando, enquanto afinava seu instrumento.

_ Claro, mas sabe como é Jack... Deve ter virado e dormido de novo. Não se preocupe logo, logo ele chega _ respondeu ao companheiro de banda, olhando o relógio com resignação.

Alan e Jack dividiam o mesmo apartamento desde o ano em que se formaram e já faziam alguns show relevantes. Era um apartamento pequeno... Com uma cozinha pequena, uma sala e dois quartos pequenos. Era apertado, mas para dois rapazes...

Jack chegou, meia hora atrasado. Veio correndo, o estúdio ficava a alguns quarteirões do apartamento onde moravam, chegando ofegante. Estava com o cabelo preso (o que não escondia o fato de estar despenteado), uma calça jeans velha e uma camisa mal abotoada e por fora da calça.

_ Desculpem o meu atraso _ balbuciou, ofegante.

_ Tudo bem, já estamos acostumados _ Alan respondeu dando um leve tapa no braço de Jack e sorrindo, achando graça de como seu amigo não mudara durante todos aqueles anos em que conviviam. Aquele a sua frente era o mesmo Jack de todos os sábados de manhã, todo desarrumado por não acordar na hora em que era chamado. Mas esse era o jeito de Jack de ser e quem era Alan para mudá-lo. Gostava dele assim e era um amigo fiel.

Começaram o ensaio. Tocaram um cover, mas quem cantou foi Alan, relembrando os velhos tempos em que era o vocalista, antes de Jack aparecer, logo no início. Sua voz era bela, um pouco grave, todavia, nada que chagasse aos pés de Jack, que parecia cantar como um rouxinol. Decidiu cantar para poupar um pouco o amigo acabava de chegar, dando-lhe o tempo necessário para que seu fôlego se normalizasse e pudessem partir para as músicas da banda. Serviria como aquecimento.

Enquanto Alan cantava, lembrava do dia em que conheceu Jack e o convidara para cantar na banda, ainda em formação. Jack estava no pátio da escola onde estudavam, tocando um violão, rodeado de meninas que suspiravam a cada nota que dava. Foi a voz mais linda que Alan já ouvira em sua vida. Esperou que ele terminasse, absorvendo cada nota que saía de seus lábios, e perguntou-lhe se não queria fazer parte da banda que estava montando. Jack não pensou duas vezes e respondeu com um sonoro "Claro" e os olhos brilhando como duas turmalinas.

Quando Alan terminou de cantar o cover, Jack já estava preparado para começar. Todos estavam animados para o ensaio e aquecidos. Tudo correu bem, não houveram erros, até o memento em que Alan olhou para Jack. De repente, viu-se encantado pela beleza do rosto e da voz dele. Sentiu-se fortemente atraído pela bela criatura ao seu lado. Queria tê-lo em seus braços, e foi neste momento que perdeu-se. Errou todas as notas que vinham a seguir.

_ Puxa, Alan!... _ houve um protesto geral de todos, desde o tecladista até Jack.

_ Acho que estou um pouco cansado. É melhor pararmos por aqui, afinal, estamos ensaiando desde às 8 e já é meio-dia. Também estou com fome! _ reclamou na tentativa de se justificar. É lógico que convenceu os outros, mas não podia mentir para si mesmo.

Perdera a concentração ao olhar para Jack. Isso nunca ocorrera antes e tinha medo que talvez voltasse a acontecer... provavelmente num show. Enquanto arrumava a seu equipamento, pensou no sentimento que nutria pelo amigo, não conseguiu ou não quis entender o que era. Seria amor?... Não sabia, nunca sentira nada parecido por ninguém, nem mulher, nem homem.

Estava tão mergulhado em sua mente, que não ouviu quando os rapazes da banda se despediram. Foi preciso que Jack o chamasse repetidas vezes para que Alan saísse de seu transe.

_ Ahn! O que foi, Jack?

_ O que foi, digo eu! Estava te chamando a um tempão e você não me respondia _ tornou Jack, parecendo preocupado com a distância dos pensamentos de Alan _ Estava te perguntando se gostaria de almoçar na casa da minha mãe. O que me diz?

_ É uma ótima idéia _ Alan sorriu, lembrando-se das belas tardes que passara em companhia da família de Jack, dos deliciosos almoços que só a mãe de se amigo sabia preparar e dos grandes olhos de cobiça, tão azuis como os de Jack de sua irmã. Sim, eram tardes muito agradáveis e ele estava com muitas saudades de tudo aquilo.

Voltaram para o apartamento a pé. Caminharam lado a lado, Jack falava com grande entusiasmo sobre as últimas notícias que recebera de casa, enquanto estavam em turne.

_ Imagine só, Alan, Jackeline está namorando. Advinha com quem?

Mas não teve a sua resposta. Alan estava outra vez mergulhado em seus pensamentos e tinha um semblante carregado, como se um grande mal tivesse abatido sobre sua cabeça.

_ Alan?!... _ Jack chamou-o, agarrando-o pelo braço e sacudindo-o, muito irritado com a falta de atenção do amigo. Alan nunca fora assim, estava sempre concentrado em tudo o que fazia, e principalmente, nunca deixara de responder as suas perguntas, mesmo que fossem as bobagens que costumava falar. Seu amigo sempre tinha paciência para os seus devaneios, por mais absurdos que fossem.

_ Ahn!...

_ O que está acontecendo contigo? _ Jack sacudia Alan, segurando-o pelos ombros, quase que desesperado _ Você está diferente. Não sei como, mas está mais calado do que do costume. Qual o problema?

_ Não é nada _ Alan respondeu, com um tom baixo, como se estivesse saindo de um profundo sonho _ O que foi que você disse?

_ Não interessa mais, já perdeu a graça _ irritado, Jack, respondeu, retomando a sua caminhada para o apartamento _ Mas que você está estranho, isso está.

Alan não respondeu, sabia que Jack percebera que algo estava o atormentando, mas que não conhecia direito. Seria amor aquilo, ou apenas uma curiosidade natural, que todo jovem tinha. Foram calados o restante do caminho, Jack com a cara amarrada, por não saber o que seu melhor amigo tinha, o que estava tirando sua concentração, e Alan envolto, de novo, em seus pensamentos.

Ao chegarem em casa, Jack dirigiu-se direto para o banheiro, afinal de contas, queria está bem bonito e arrumado para sua querida mãe. Alan arrumava todo equipamento, que trouxera, num canto da sala, logo depois voltou-se para seu quarto. Arrumou a cama, que deixara desfeita, e umas roupas que estavam espalhadas pelo quarto. Não gostava de nada desarrumado, principalmente seu quarto, e aquilo ajudava-o a não pensar naquele estranho sentimento.

Em poucos minutos, Jack já estava pronto. Vestido com uma calça preta de linho e um camisa de manga comprida vinho, seus cabelos, que a pouco tempo atrás estavam desalinhados, agora estavam cuidadosamente penteado e soltos.

_ Como estou? _ perguntou com os braços estendidos e um sorriso tão lindo nos lábios, que fez Alan desejá-lo novamente.

"Lindo", pensou, mas não se atreveu a falar, respondendo apenas com um "Está ótimo, cara". Sentiu seu peito apertar, tamanho o desejo crescente que sentia. Mas como poderia se entregar a um sentimento tão grotesco?

_ Espera eu tomar banho, por favor? _ Alan perguntou, tentando afastar aqueles pensamentos, que considerava tão bizarros.

Enquanto esperava Alan sair do banho, Jack deu uma rápida olhada a sua volta, a sala e o quarto estavam extremamente limpos. Então, de repente pensou: "Está acontecendo realmente alguma coisa com Alan", mas ficou calado, conhecia Alan tempo suficiente para saber que algo não estava correto. Alan gostava de tudo arrumado, mas Jack sempre dava um jeito de deixar o apartamento um pouco desarrumado e seu amigo já havia se acostumado com aquilo, porém, quando ele se tornava preocupado demais com a limpeza, algo o atormentava.

Alan saiu do banho, vestiu-se com uma calça bege de linho e uma camisa preta. Estava tão lindo quanto Jack, com seus cabelos molhados. Jack o observou dos pés a cabeça deu um sorriso muito sutil. E pegando o molho de chaves, disse:

_ Vamos!
 
 
 

CONTINUA....