O Menino e o Lobo...

Por Jou-chan


Parte I

Sanosuke estava puto... Muito puto! A situação era no mínimo ridícula, pra não dizer revoltante. Um cara como ele que até pouco tempo atrás vivia de comprar briga, que teve peito pra encarar o próprio Hitokiri Battousai, e ainda viveu pra contar a história, preso por causa de um filhinho de papai de merda!!!

– Filho da mãe!!! Aquele safado ainda me paga... – esbravejava Sano dentro da cela, esses e outros insultos semelhantes, esmurrando a grade, a parede, e fazendo bastante barulho. E ainda ameaçando descontar a raiva nos outros presos, quando algum se atrevia a sugerir que ficasse quieto. – Que Nova Era, que nada... esses filhos da mãe fazem o que bem entendem...

Muita raiva, e uma boa dose de amargura, que numa hora dessas não podia deixar de surgir. Tudo bem que ele não era nenhum santo, mas também não precisava estar aqui. Resumindo a história, chegava a ser até medíocre. Tinha aquele fulaninho, pra lá de metido a valentão e insuportável, andava há uns tempos querendo ver o Sano pelas costas. Tudo por que o Sano tinha humilhado ele umas vezes, no jogo e no braço, e dito uma ou duas verdades, e deixado o cara mal na frente dos camaradas dele. Até aí nada fora do normal. O caso é que ele era filho de um desses poderosos influentes, político e coisa e tal. E como bom filhinho de papai (devia inclusive ter por volta da mesma idade do Sano), achava que podia tudo. E achava que aquele era o pedaço dele. E com razão, por que até o Sano aparecer, ele era mesmo o bom do pedaço, que aliás não era uma área lá muito respeitável, ou bem freqüentada, sabe como é. Isso fez o Sano pensar duas vezes antes de ficar de picuinha com o cara? Claro que não! Por que ele era arrogante, metido e vivia provocando e o Sano não ia agüentar calado e pronto...

Aí, de confusão em confusão armaram uma pra cima do Sanosuke que ele até agora não estava entendendo direito. Ele esperava um monte de coisas, incluindo ser atacado por uma gangue inteira se a sorte no jogo virasse pro lado dele de novo, o que, é claro, não o assustava nem um pouco. Mas quando ele menos esperava a polícia caiu em cima dele! Bom, se ele podia enfrentar uma gangue certamente podia enfrentar a polícia, e foi o que ele fez... da primeira vez! Por que não demorou nada pra irem atrás dele de novo, ele não teve nem tempo de ir cobrar do sacana que ele sabia muito bem que era o responsável. E depois de uma resistência inicial, ele teve a idéia louca de que seria melhor se entregar de uma vez... por que pela raiva que aquele fulano andava, a polícia iria sempre atrás dele, ele não ia ter mais sossego, ia acabar tendo que fugir, e então a polícia ia com certeza pra cima dos amigos dele, se duvidar iam atormentar até o Dojo da Kaoru, e Sano não queria ferrar ninguém com as confusões que ele arrumava...

Oficialmente parece que ele estava preso por jogar, por trapacear no jogo, por fazer arruaça, provocar distúrbio, e especialmente por agressão violenta contra aquele safado e os amigos dele... e ainda aproveitaram pra meter agressão contra policiais e resistência à prisão. Chegava a ser cômico, por que tirando a trapaça, tudo era relativamente verdadeiro. Só que ele não era o único que estava jogando! E não tinha simplesmente provocado distúrbio nem partido pra cima de ninguém à toa. Se tinha agredido aqueles sacanas foi por que eles provocaram e muito, e tentaram agredir ele também!

– Há! Tentaram... – e levaram uma surra de volta, esse era o único gostinho que ele tinha.

Não tinha um fiapo de prova contra ele, mas quem vai dar ouvidos ao Zanza, ao invés do filho de um político importante? O carinha tinha usado bem a sua influência pra meter a polícia nisso, e o Sano com a reputação dele era um alvo perfeito.

– Esses caras fazem todo mundo de capacho... até a polícia! Eu fui mesmo bem burro dessa vez.

E isso foi o que o Sano ganhou por dar de ir beber e jogar na parte barra pesada da cidade, mais uma confusão na sua vida... o fato é que andava tão endividado que já não podia dar as caras nos lugares de sempre, e como jogo agora era seu meio de vida, bom, teve que tentar outros lugares, né? Mais um pouquinho pagava o que estava devendo e voltava pro pedaço que ele gostava de freqüentar com os camaradas dele. Mas agora deu no que deu, e também não queria envolver o pessoal do Dojo pedindo ajuda pra eles. Ele estava aqui por causa de perseguição e não tinha nada que eles pudessem fazer nessas condições mesmo. E não tinha nem cara de olhar pra eles. A situação era mesmo muito vergonhosa, por causa da estupidez que botou ele nessa arapuca, sem contar que seus amigos eram sempre tão bacanas com ele... droga, praticamente carregavam ele nas costas! Sempre filando a comida, agüentando a bebedeira e as ressacas, e daqui a pouco abrigando, por que ele estava pra ser despejado... e ele retribuir metendo eles numa confusão desse tamanho? De jeito nenhum, assim já era demais...

– E agora eu to ferrado, mal pago e sem a menor idéia de como sair dessa – Sano ia dizendo e mandando cabeçadas e socos na parede. A única esperança que ele ainda conseguia ver era o cara se contentar em deixar ele sair da cadeia levando a humilhação... que piada...

– Burro, burro, burro, burro ... – sim, Sano estava fazendo uma cena bem patética nesse momento, e nesse momento só pra piorar um pouquinho as coisas...

– Ora! Mas veja o que nós temos aqui!!

"Merda!!!", pensou Sano, "aposto que ele ta aí se divertindo às minhas custas faz um bom tempo!!!" – O que é que você quer??!!

– Não seja ridículo, ahou! Eu sou o Inspetor, estou inspecionando. Essa é a minha delegacia, é bom que você não esqueça disso. E é bom você parar já com esse escândalo.

Saitou Hajime limitava-se a olhar para ele friamente, mas não sem uma boa dose de sarcasmo, parado em frente à cela, com os braços cruzados e o eterno cigarro na mão, a fumaça já tomando conta do ambiente.

– Ou o quê??? – desafiou Sano

– Ou nada, ahou, a não ser que você se importe muito de fazer esse ridículo papel de bebê chorão que você está fazendo – despejou Saitou ironicamente.

– Acontece que eu to p. da vida, e tenho todo direito de estar, por que armaram pra cima de mim, eu não tinha nada que estar aqui, eu não fiz nada demais...

– Você e metade dos presos daqui. – cortou Saitou. – Não sei como você veio parar aqui, mas deve ter sido por causa de alguma estupidez. Pensando bem, é de espantar que não tenha acontecido antes...

– Como é? – Sano ia ficando cada vez mais indignado.

– Você me ouviu. Eu sempre disse que você era um baka.

– Olha aqui seu filho da mãe, você não tem o direito de... AARGH... – nesse momento Saitou agarrou a camisa dele, puxando-o violentamente contra a grade e interrompendo sua gritaria...

– Você é que não tem direito de ficar criando caso aqui dentro. Não pense que alguém aqui vai agüentar as suas queixas. Você é um fedelho inconseqüente que nunca pensou duas vezes antes de arrumar encrenca, então não venha choramingar pra cima de mim... – Saitou rosnava baixo perto da orelha de Sano, já vermelha de praticamente ser esmagada na grade, enquanto o garoto se debatia tentando se soltar...

Então Saitou largou ele, meio tonto da força da batida na cabeça, que se serviu pra assustar os outros prisioneiros certamente não era bastante pra calar a boca do Sano, mas antes mesmo que pudesse mandar um xingamento bem feio pro Saitou, ouviu ele chamar o carcereiro e ordenar friamente:

– Se o cabeça-de-galo ali continuar dando problema chame os guardas e dê um jeito de amarrar e amordaçar ele. E você, ahou, pense duas vezes antes de criar briga aqui dentro, especialmente com os guardas. Não esqueça que seria mais uma acusação contra você, e não esqueça que eu não sou paciente. – então virou as costas e já ia embora quando:

– Suponho que o Battousai ainda não está sabendo? – Sano gelou – Sim, por que se soubesse já estaria criando caso pra te tirar daqui, provavelmente já teria até me procurado...

Verdade. Kenshin era bem capaz de se humilhar pro Saitou pra tentar ajuda-lo. Sano já estava se desesperando, mas tentou parecer calmo: – E daí?

– Nada, embora a idéia seja desagradável... mas se você quiser sabe que ele pode ser avisado. Eu mesmo poderia mandar alguém avisa-lo...

– Não, obrigado. – cortou Sano, sem deixar de demonstrar uma certa impaciência...

– Hn... certo... então você está com medo que seus amiguinhos arranjem problemas por sua causa? Muito bem então, ahou, por mim eles não saberão e é um favor que lhe faço – ele disse sem esconder o sarcasmo, como era típico dele. – Mas saiba que você já não pode fazer nada pra evitar isso. Mais cedo ou mais tarde eles vão saber e se envolver, seja lá o que for que você andou aprontando. – então ele se foi...

Sano perdeu até a vontade de dar resposta. Estava se sentindo um lixo... era humilhação demais. Já não bastava tudo o que tinha agüentado daquele sacana que botou ele aqui dentro, ainda tinha que aturar Saitou Hajime rindo da cara dele. Estava se sentindo mais baixo que o chão, e foi onde se sentou, escondendo o rosto nos joelhos, sentindo-se derrotado e tentando se controlar. Era verdade, não precisava dar mais pretextos pra ser mantido aqui dentro, sabe lá mais de que ainda iam acusar ele.

((( | )))

Já era a terceira noite de Sano enfiado naquela cela, tentando dormir e remoendo a maldita situação em que tinha se metido. Estava pirando. Tinha horas em que se perguntava se ia mesmo ficar preso indefinidamente, porque tudo era muito incerto e ainda não tinha a menor idéia do que estava acontecendo. Saitou não tinha mais dado as caras. "E também pra que? Já se divertiu, deve ter coisa mais importante pra fazer... Será que ele avisou o Kenshin?... Como eu vou explicar isso pra ele?" Fazia três dias que ele estava aqui e ainda nada do pessoal do Dojo. Embora uma ponta de medo de que eles não estivessem querendo vir, sabia que era bem possível que a notícia ainda não tivesse chegado até eles. Já tinha tido ausências mais prolongadas, ainda não era tempo de ficarem preocupados e Kenshin começar a procura-lo, mas eventualmente eles saberiam. Isso estava torturando Sano mais que qualquer coisa. Depois de tudo não queria ser uma decepção pros seus amigos. Sabia que eles acreditariam na inocência dele mas... também sabia que tinha a parcela de culpa dele naquilo, assim como sabia que eles nunca o acusariam.

Kenshin só o olharia com aquela generosidade dele, mas Sano achava que depois de tudo seria impossível não haver um pouco de decepção, ainda que ele nunca fosse dizer, talvez por não se achar no direito de julgar... Graças às palavras de Kenshin tinha achado forças pra deixar de ser um lutador de aluguel, pra decidir que não se venderia mais pra fazer o serviço sujo dos outros. Pensar que chegou a ter orgulho de si mesmo naquela época, que quando aceitou a luta com Kenshin estava até disposto a matar... que mesmo depois dele ajudá-lo a entender e encontrar forças para viver nessa Nova Era, não precisou muita coisa pra mergulhar de novo na sede de vingança e quase virar um terrorista... e novamente Kenshin estava lá pra por juízo na sua cabeça dura... o cara tem sido como um irmão mais velho pra ele, assim como Sagara tinha sido como seu pai... mas e aí? Não tem realmente agido como se tivesse alguma coisa na cabeça... tanto que veio parar aqui...

O caso é que as palavras de Saitou estavam incomodando ele... ou antes a verdade nessas palavras... andava mesmo agindo da maneira mais estúpida... levava a vida como fedelho inconseqüente e se orgulhava disso, só querendo saber de curtir a vida, nunca levando nada a sério, sendo um peso pros amigos, e nunca pensando duas vezes antes de arrumar encrenca... Quase podia ouvir as censuras, mesmo que de pura birra da Megumi, sempre perguntando quando ele ia crescer, e ele nunca dando bola. Sim, por maior que fosse a injustiça da sua prisão, ele mesmo tinha se metido nessa. Acabou se metendo numa encrenca feia e que sem dúvida ia respingar nos amigos, por que mais cedo ou mais tarde, assim que soubessem, eles não iam poupar esforços pra tirar ele dessa, e podia acabar sobrando pra eles. Precisou ouvir aquilo do Saitou pra começar a pensar. E ficou mais puto por que já não era a primeira vez que Saitou tinha razão sobre ele, e fazia questão de jogar isso na sua cara da maneira mais dura... não sabia se ficava com mais raiva da sua própria idiotice, por dar motivos, ou do policial pelo seu orgulho ferido.

"Droga... Será que eu não podia fazer melhor do que isso?... Eu sempre quis tanto que Sagara tivesse orgulho de mim... mas acho que não ando merecendo..." pensava o garoto com tristeza. Essas coisas Sano ia remoendo na sua cabeça quando um guarda apareceu na porta da cela e disse pra acompanha-lo.
 
 

– Vejo que não tentou fugir, cabeça de galo... Certamente não são meus homens que estão amedrontando você?

A eterna mania do homem de chamar Sano por aqueles apelidos... continuava a ser tão irritante quanto sempre, mas por uma vez o garoto estava se obrigando a aturar... Não sabia por que o cara tinha chamado ele aqui no seu escritório no meio da noite, mas só esperava que não fosse pra tirar mais uma graça com a sua cara... ou que a sua situação não fosse piorar. Sano, se encostou na parede, cruzou os braços antes de responder. Saitou, de pé também, apoiado na escrivaninha, fumando...

– E também, como se você fosse me deixar escapar assim...

Saitou cortou ríspido – Eu não sou carcereiro. Não fico vigiando cada prisioneiro que aparece. Mas é claro, se sua fuga chegasse ao meu conhecimento, – sorriu malicioso – seria meu dever impedir que acontecesse...

– Claro! Você tem muito prazer em cumprir o seu dever...

– O fato é que eu não teria por que deixar você sair se gabando de ter me passado a perna... especialmente por que eu poderia impedir facilmente.

– É, mas eu não ia fazer isso!!! Não sem saber se vai sobrar pros meus amigos...

– Especialmente seus amigos do Dojo Kamya...

– Eles têm mais a perder do que eu, sei lá se aquele maluco vai dar de perseguir o Dojo... – era verdade, se o cara andava puto a ponto de querer meter ele na cadeia e jogar a chave fora, não ia simplesmente se conformar se ele escapasse... parece que ele tinha mesmo escolhido o Sano pra dar uma de poderoso...

– É claro, você conseguiu se ferrar bem feio dessa vez...

– Olha aqui, – esbravejou Sano, perdendo a paciência – se você me trouxe aqui pra rir da minha cara eu...

– Você o quê, ahou? – cortou o policial, que com dois ou três passos largos, encurralou o garoto na parede, sendo mais alto e olhando de cima numa postura bem ameaçadora. Sano descruzou os braços e cerrou os punhos, a proximidade súbita do homem colocando-o na defensiva. Mas fora isso ficou apenas mudo olhando pra ele, por que a situação estava cada vez mais estranha, e por que estupidez tinha limite. Até ele podia entender que partir pra porrada com Saitou Hajime agora não ia adiantar nem ajudar em nada...

Depois de um momento, que pra Sano pareceu um bocado longo, Saitou se afastou, quebrando aquele olhar intenso e diminuindo o cheiro daquele maldito cigarro que já estavam perturbando o Sano.

– Hn! Você não pensa muito antes de fazer suas ridículas ameaças, cabeça de galo. E se não fosse por já estar metido em problemas demais também não pensaria antes de tentar cumpri-las. Isso é provavelmente o maior motivo de você estar aqui. Mas ao contrário de você eu não tenho tempo pra perder e não chamei você aqui pra me divertir... Há algumas coisas a respeito do seu caso que eu quero discutir e não quero chamar a atenção. A última coisa que eu preciso é que outros presos pensem que isso é algum tipo de precedente.

Sano não estava entendendo nada. Mas ao que parecia Saitou tinha se informado a respeito da prisão dele. – E o que você quer saber?

– Por exemplo, o que você fez pra deixar esse cara tão possesso?

– Olha, por que você está fazendo isso? Esse seu interesse ta muito esquisito...

– Você não está em posição de exigir explicações. Sendo você o prisioneiro é você quem deve se explicar. Além do mais estou te dando uma oportunidade que ainda não te deram.

– Olha, eu só sei que ele é um filhinho de papai metido, e que o poder deve ter subido à cabeça dele. Ele não gostava de ver eu me metendo no pedaço dele especialmente se eu me dava bem. E ultimamente eu vinha me dando muito bem. Acho que ele não gostou muito disso.

– E o que você fazia no pedaço dele afinal? Pensei que você tinha deixado o submundo...

– Eu deixei!!! Mas é que não tem sido fácil... – Sano olhava para o chão – eu não sou mais lutador de aluguel, não tenho nenhum emprego, então eu vivo de jogar, só que onde eu jogo eu já ando endividado, então eu fui tentar a sorte em outro lugar e...

– E resumindo, você está encrencado por que insiste em levar essa vida de vagabundo. Típico...

– Olha aqui, não é todo dia que as pessoas dão trabalho pra alguém como eu. Uns por causa da minha fama de lutador de rua, e o resto ainda por causa da história do Sekihoutai... de um jeito ou de outro...

– O fato de você insistir em usar um símbolo do "mal" nas costas e andar por aí bebendo e arrumando confusão não tem feito muito pra melhorar sua reputação. Você se colocou nessa situação. Como eu disse você está aqui por que não pensa. Ou por acaso você pensou antes de entrar nessa rixa tola? Certamente não parou pra pensar que ele podia reagir com mais que os punhos dele, ao contrário de você.

– Acontece que ele gostava muito de me provocar e eu não tenho que agüentar desaforo, especialmente não de um cara que se acha melhor que todo mundo só por que tem grana e sobrenome importante... não tinha que agüentar ser humilhado por um bando de fedelhos ricos que...

– Você foi muito longe. Eu sei que é verdade que você deu uma surra nele, e que alguns comparsas dele acabaram levando também.

Sano explodiu... – Ele é que foi muito longe! Quem manda ser metido a valentão pra cima de mim? Ficava encrencando comigo, sempre dizendo que alguém como eu não tinha nada que querer jogar com eles, que eles gostavam de apostar alto, que tinham grana pra perder e eu não ia poder bancar que eu não passo de um pé rapado e mais um monte de coisas... eu até que agüentei muito... Eles chegaram ao ponto de não entregar o dinheiro que eu ganhei, dizendo que tinha atividades mais adequadas pra alguém como eu viver. O sacana teve a cara de pau de sugerir que se eu estava tão necessitado ele podia ser generoso e pagar muito bem pra eu dar o rabo pra ele e os amiguinhos dele, e aí eu...

– E aí você resolveu que quebrar a cara de um idiota arrogante e influente faria você se sentir melhor. Escute aqui, ahou, se você ainda não sabe, você é um pé rapado. E com um belo rabo, pelo que se pode ver. Portanto, se você resolver fazer uma cena e dar motivo pra ser preso cada vez que te provocarem ou fizerem uma proposta, então você é mais idiota do que eu pensava.

Sano desviou o olhar, vermelho de vergonha e de raiva. Da lembrança também, mas no momento principalmente de Saitou. Não tinha pretendido contar essa parte da história pra ele. Mas esse cara fazia ele perder o controle... de um jeito ou de outro Saitou sempre conseguia deixar seus nervos à flor da pele, e estava difícil encarar ele agora. Sabia que era verdade sobre ter sido estúpido. Nunca precisou muita coisa pra lhe tirar do sério. Assim como sabia que só pela sua cara o outro podia sacar que dessa vez tinha sido mais complicado por que ele já estava cheio de aturar essas ‘propostas’, e de ter que ficar se dizendo que era melhor do que isso, que podia perfeitamente se virar sem isso, e que não tinha que aturar isso de ninguém. Verdade que aquele cara tinha sido um canalha, mas verdade também que não tinha sido uma briga bonita, o cara saiu muito ferrado, não admira tenha ficado furioso. Sano estava cansado de ser visto como um merdinha... "Será que eu pareço mesmo esse tipo de lixo?"

– Você me trouxe aqui pra me passar sermão?

– Não. Na verdade, eu tenho uma proposta pra você.

– COMO É???

– Não esse tipo de proposta. – Saitou disse com raiva... – Não seja ridículo... Acontece que pelas vias legais você tem pouca chance de se livrar da cadeia, pelo menos a curto prazo, especialmente por que sempre há alguma corrupção envolvida. Mas eu posso tirar você daqui. Em definitivo. Você não teria mais problemas com a polícia nem com a justiça...

Sano estava um tanto chocado – Você pode? Mas como?

– É óbvio que eu tenho meus meios, ahou. – parece que não haveria mais explicações – E eu estou disposto a fazer isso. Claro se você também estiver disposto a fazer um acordo.

– Sei... e quais são suas condições? – respondeu com ironia – Olha... se você pode tanto, por que não me tira daqui e pronto?! Você sabe que eu sou inocente!

– Está sendo ridículo de novo. Só por que você foi o idiota desta história não quer dizer que seja tão inocente assim. Você estava jogando e se metendo em brigas, aliás sempre causando prejuízos nos bares e restaurantes vagabundos que freqüenta, e você está se tornando, como você mesmo admite, um conhecido caloteiro, e não precisamos lembrar do seu passado... A lei iria atrás de você mais cedo ou mais tarde. Além disso, você surrou aqueles rapazes.

– Deixa de história, não era só eu quem estava... – então Sano se calou, por que viu no olhar de Saitou que aquilo não era só pra sacanear, que o discurso era sério. Afinal de contas o homem era policial, e não havia como negar que, honestamente, ninguém jamais pôde acusar Saitou Hajime de corrupção, pois era algo que ele desprezava.

– É claro que eu sei que você não estava sozinho. Por mim, não me faltou vontade de enfiar ele aqui também, ao invés de simplesmente soltar você. Teriam certamente muito tempo pra resolver suas diferenças. Mas uma rixa de moleques não vale o esforço de comprar essa briga.

– Sendo assim, por que você está querendo me ajudar? Não acho que você seja tão bonzinho com todo ‘arruaceiro’ que vem parar aqui.

Saitou ficou sério...

– Não estou simplesmente ajudando você. – disse rispidamente – Enquanto eu estiver aqui, ninguém usa a polícia para interesses pessoais. Ninguém corrompe meus subordinados e passa por cima da minha autoridade. Nem abusa de poder ou influência pra pressionar a polícia ou a justiça. No que me diz respeito, seu ‘amiguinho’ não vai conseguir o que quer. Quanto à ele, seria ridículo da minha parte comprar essa briga assim, eu não tenho tempo pra isso. Gente desprezível como ele sempre dará novas oportunidades de ser apanhado. E quanto à você? Vai colaborar ou não?

Sano entendeu então que seu ‘amiguinho’ cometeu o mesmo erro que ele próprio. Mexer com a pessoa errada. Mesmo sem saber ele mexeu com Saitou Hajime. Tentou manipular a polícia pra ferrar um desafeto, e Saitou simplesmente não permitiria que ele tivesse sucesso. Então se resignou e fez a pergunta que estava temendo fazer.

– O que você quer de mim?

– Quero que você trabalhe pra mim. Como meu informante. Não é exatamente um preço alto, já que você será bem pago. Considero isso uma troca justa.

– Acho que não tô entendendo! – de fato ele estava surpreso demais pra entender alguma coisa.

– Hn. Por que isso não me surpreende? – resmungou Saitou – É tudo muito simples. Eu não posso ser eficiente sem estar a par do que acontece por aí. Não posso esperar que as informações venham até mim, e tentar colhê-las pessoalmente ou mandando outros policiais seria inútil. Pagar alguns elementos que andam por aí pra manter um olho nas coisas e me dizer o que andam vendo e ouvindo agiliza as coisas. Juntando o que me trazem posso saber o que acontece e onde minha atenção é necessária. É isso o que espero de você. Você pode se mostrar especialmente útil se for competente.

– Certo. E teria que trabalhar pra você. Fazer o seu serviço sujo agora. Não sei se posso aceitar isso. A idéia não me agrada.

– Não seja dramático. O que mais você pode fazer? Você mesmo disse que está no buraco. Se você aceitar pelo menos sua reputação ruim e o nome do Zanza vão servir pra alguma coisa. Vai poder transitar pelo submundo sem causar desconfiança e observar. E apesar de você saber o que eu penso das suas habilidades de luta, certamente você é bem melhor que os medíocres que andam pelas ruas, eu poderia usar seu serviço em situações mais difíceis. Você poderia fazer alguma coisa de útil. Trabalho sujo, você diz. Mas sabe que não é verdade.

O coração de Sano estava apertado. Sim, isso seria a solução pra maioria de seus problemas. Mas trabalhar justo pro Saitou? Tinha que pisar no seu orgulho, nos seus escrúpulos pra fazer isso. Não o suportava, sua arrogância, sem falar da crueldade. E ser dedo duro do inspetor de polícia não seria nada fácil. Se alguém desconfiasse estava morto no ato, o crime ali era um mundo perigoso e impiedoso, não poderia confiar ou fazer amigos. Você poderia fazer alguma coisa de útil, as palavras ecoaram em sua mente. E sua decisão estava tomada.

– Eu aceito.

– Muito bem. Você volta pra sua cela por agora. Amanhã estará livre. Pra acertar os detalhes e você começar seu ‘serviço’, eu encontro você. Assim que for conveniente. Como eu disse, será bem pago, mas de acordo com a eficiência. Deverá ser bastante se tiver bastante juízo e não perder tudo jogando. E, por favor, fique longe de mais encrenca.

Assim, Sano voltou à cela pra esperar o dia. Com a cabeça entrando em parafuso, por que embora lutando contra seu próprio orgulho, ele que sempre foi tão orgulhoso, não podia negar um grande alívio. Fora preciso chegar até aqui pra ver (e pior: escutar de Saitou) como tinha perdido o controle de sua vida. Coisa estranha nesse momento crítico se deparar com a ajuda justo desse homem. Estava com esperança de poder afinal fazer mesmo alguma coisa útil. Pensando bem não podia mesmo chamar aquilo de trabalho sujo. Como policial, investigador, Saitou era muito, extremamente, dedicado na caça aos criminosos. "É, o lobo adora caçar..." E ele estaria, mesmo que indiretamente, ajudando.

Saitou se referiu à seu perseguidor como ‘gente desprezível’. Bom saber que alguém como Saitou não dá a mínima pra essas coisas de poder, sobrenome, dinheiro. E especialmente que, bem ou mal, achava que Sano podia ser útil... Foi quando se lembrou de um detalhe que o fez ficar quente de tão vermelho. "Peraí! Desde quando ele acha que eu tenho um ‘belo rabo’?!!"

E no escritório:

– Vamos ver, ahou... vamos ver o que acontece...

((( | )))

– Sabe, Sano, até a Kaoru já andou comentando que você tem ido bem pouco ao Dojo. Está acontecendo alguma coisa?

– Nada não, Kenshin. É só que agora eu ando me dando bastante bem no jogo, não tenho precisado correr atrás da comida da Kaoru, né?

– E provavelmente passar a noite jogando e bebendo te deixa muito cansado...

– Bom... é... isso também...

– Não gosto disso Sano. Quando perguntei por você uma vez, alguns de seus amigos me disseram que você têm aparecido pouco nos lugares que costumava ir com eles. Isso significa que você só pode estar indo nos lugares de baixa reputação da cidade. Está acontecendo alguma coisa?

– Ah! Você se preocupa demais Kenshin! É só que se eu quero ganhar algum, também não quero ficar depenando meus amigos... felizmente meu jogo está melhorando... não tão bom como o seu, você podia vir comigo, eu já te disse isso, ia faturar muito...

– E eu já disse que não gosto de jogar. Só queria mesmo saber se está tudo bem com você. Andamos preocupados desde o caso da sua prisão por que parece que você não tem feito grandes esforços pra se manter longe de encrenca...

– Qual é, né, Kenshin? Você sabe que ‘encrenca’ é meu nome do meio, he, he...

– Não acha que está abusando da sorte? Já teve muita sorte de ser solto sem maiores problemas...

– Já falei que não foi sorte Kenshin! Me soltaram por que não tinha prova de coisa nenhuma contra mim...

– Certo, você é que sabe. Só tente aparecer mais no Dojo. Yahiko também sente sua falta. Ele é muito implicante mas é por que gosta de você.

– Eu sei. Logo eu apareço por lá, e não fiquem preocupados, está tudo certo...

Com o fim da conversa, os dois que estavam andando pelo mercado se separaram, Kenshin tomando o rumo do Dojo Kamya, Sano continuando a andar a toa... isso já fazia uns meses desde o acontecido. Depois que saiu, ele mesmo contou pro Kenshin, depois pra Kaoru e o Yahiko sobre a prisão. Contou que tinha se metido numa briga com um carinha rico metido à besta, que tentou botar ele na cadeia e que depois tinha sido solto por falta de provas, e blá, blá, blá... não era exatamente mentira, embora não fosse a verdade completa. Nenhuma necessidade de aborrecer seus amigos com os detalhes sórdidos.

Desde então tinham estado bastante preocupados com ele, especialmente com sua insistência de freqüentar tanto o lado ´baixo’ da cidade e por que parecia mesmo que estava se afastando. Eles não estavam entendendo nada. Um dos inconvenientes de trabalhar pra Saitou é que não podia andar muito grudado nos seus amigos, seja os amigos velhos seja o pessoal do Dojo, afinal não podia ficar dando a impressão de que era uma cara bonzinho... e não queria chamar atenção pra eles caso fizesse algum desafeto mais sério durante o ‘trabalho’. Não sabia até que ponto Kenshin engolia aquela enrolação, ele não era bobo, mas evitava se intrometer nos assuntos dos outros, e assim Sano ia levando. Ainda estava por descobrir um jeito bom de contar que estava trabalhando pro Saitou.

Aliás, fora isso estava indo bem no trabalho, dava pra tirar uma grana boa. Não precisava mais filar comida por aí e se sentir intrometido... quanto a dar calote, bom... não precisava mais, mas era um velho hábito, né? Fazia isso de vez em quando, pelo menos até ser proibido de entrar nos lugares, antes de chegar nesse ponto pagava pelo menos uma parte da dívida e ia levando, tinha uma reputação a zelar não tinha?

Transitando pelo submundo tinha que posar de badboy... estava ficando bom nessa coisa de ‘colher informação’. Ficar atento pros boatos, observar os passos das pessoas, especialmente das pessoas certas, e até extrair alguma coisa mais ‘quente’ de certos elementos, sempre usando aquela manha que conhecia muito bem, afinal tirando o período que esteve com Sagara e depois que conheceu Kenshin, sempre tinha vivido naquele meio. Fingindo de bêbado, embebedando alguém, ganhando o jogo, ou mesmo perdendo, uma briguinha besta aqui, outra ali, essas coisinhas... Estava ficando um vagabundo profissional, e assim dificilmente acabava a noite sem ouvir alguma coisinha interessante e de vez em quando conseguia alguma coisa boa pra dizer pro Saitou, e sem dar na vista...

Já ele, é claro, nem sempre estava satisfeito. Mesmo por que com freqüência eles não podiam trocar meia dúzia de palavras sem se estranhar, e mais de uma de uma vez o sacana simplesmente disse que não iria pagar nenhum baka pra lhe contar o já sabia, ou que tal informação não era grande coisa, que não estava pagando pra ouvir fofoquinhas, etc. Foi ficando mais raro à medida que o garoto foi pegando o jeito da coisa. Mas também não adiantava muito por que quando não era isso o próprio Sano sempre dava um jeito de provocar o outro...

O caso é que às vezes só a presença dele bastava pra deixar Sano num nervoso, difícil explicar... era fácil ficar puto com ele, sempre criticando, sempre lhe chamando daqueles nomes, idiota e coisa e tal... Vindo de Saitou era mais difícil que de outra pessoa. Admirava a habilidade fora do normal de lutadores como Kenshin e Saitou de ler as pessoas como se fossem transparentes, de sacar suas forças e fraquezas e que era parte fundamental de serem lutadores supremos. Não havia como se enganarem sobre alguém, isso fazia as críticas de Saitou muito mais duras. Kenshin nunca diria metade daquilo, mesmo que fosse verdade. Não que não fosse sincero, é que estava sempre tentando botar todo mundo pra cima, sempre se concentrava no que havia de bom pra ser dito. Saitou não. Ele era frio e de uma franqueza massacrante... não se importava nem um pouco se a verdade doía... então quando ele lhe dizia que era estúpido, não podia evitar de se perguntar até que ponto era verdade...

Pensando nestas coisas Sano ia descobrindo que a opinião do outro era importante pra ele, e queria entender porquê. Nesses meses sua vida tinha dado outra volta inesperada por causa desse homem, sempre tão frio, tão duro, implacável, tão exigente, antipático, violento... mas podia dizer que ele era mau? Achava que não, havia muito que admirar nele... sua força, sua astúcia, sua inteligência, sua firmeza, seu senso quase obstinado de dever e justiça. Ele desprezava a corrupção como desprezava a covardia, e tinha princípios firmes apesar de difíceis de aceitar para a maioria... era um homem difícil de entender e tudo isso o tornava ao mesmo tempo intragável e atraente... fascinante. Fazia Sano querer ser melhor e mais forte, não só pra mostrar a Saitou que podia, mas por que começou a sentir, com mais intensidade do que nunca, que precisava ser. Situação mais estranha...

Ainda era manhã enquanto Sano andava pelo mercado cheio de gente, na cabeça misturando coisas importantes e bobagens, pensando na vida depois daquele papo com Kenshin. Tinha sido uma noite dura, ainda estava até meio ressacado...

Até que viu o que procurava. Acostumara-se a estar sempre observando e numa daquelas ruelas viu o sinal que estava esperando; um ponto luminoso, um traço de azul escuro já muito familiar. O lobo estava espreitando... ele sempre estava. Sano foi naquela direção e assim que a figura percebeu sua aproximação tomou o rumo de um beco ali próximo que Sano já conhecia, e foi pra lá também.

Era sempre assim entre eles. Quando um tinha alguma coisa pra contar ou o outro algo pra perguntar (ou exigir, ou ordenar...), davam um jeito de se achar... Sano é que a princípio tinha dificuldade em detectar a presença do outro, mas se acostumou com fato de que se não o encontrasse logo, mais cedo ou mais tarde seria encontrado (é claro que mais tarde significava redução do pagamento). Mas agora era mais fácil saber quando o outro estava por perto, podia sentir, às vezes sentia estar sendo observado, sabia quando era esperado pra prestar contas de seus serviços, coisas assim. Ou em alguns momentos como agora, podia sentir o cheiro. Sabia que nunca se enganaria com aquele cheiro, por que acompanhava o homem ainda que não estivesse fumando.

Era um jogo que estava aprendendo. Como era com os outros informantes Sano não tinha como saber, a eficiência do policial se baseava no mistério de que ele se cercava. Apesar disso o rapaz sabia que devia estar sendo mais solicitado e cobrado que os outros, e já estava até pensando em se queixar da exploração, afinal de contas não era nenhum criado... O que realmente não tinha como saber era que estava rapidamente se tornando uma das fontes mais úteis de Saitou Hajime.

– Você ainda não contou a Battousai sobre seu trabalho...

– Não foi você quem disse que ninguém devia saber?

– Nem eu posso crer que seus amiguinhos irritantes do Kamya sejam tão idiotas a ponto de sair espalhando isso por aí... tem medo da reação deles?

– Eu só não quero meter eles nisso... você não tem muitos fãs lá no Dojo... aliás em lugar nenhum...

– Isso não responde a questão... Battousai vai descobrir mais cedo ou mais tarde, você sabe...

– Isso é problema meu. E por que você insiste em chamar ele assim?

– Eu chamo como quiser, ahou... sei do que estou falando

Ali no beco escondido, eles podiam se recostar na parede sem se preocupar muito em ser observados... estava meio escuro apesar da manhã, por que era um desses dias frios em que o sol quase não brilhava...

– Muito bem. Tem alguma coisa de valor pra dizer hoje?

– Eu sempre tenho!

– O que você tem de sobra é pretensão. Fale de uma vez.

– Bom, parece que você tinha razão sobre aquela história dos assaltos nas lojas e os confrontos de gangue que andaram acontecendo... pode mesmo ser um bando novo, eu tenho ouvido falar de uns caras que chegaram de fora da cidade e ninguém sabe de onde vieram... tem quem ache que são ex-ninjas...

– Nada que eu não pudesse deduzir sozinho...

– Isso tudo é pão-durice, é?

– Você vai parar com a enrolação?

– Acontece que dois dos caras eu já sei quem são, e que espelunca eles costumam freqüentar.

Sano contou os detalhes...

– Aquele lugar já é mesmo suspeito. Se forem mesmo o que você disse, então receberá seu pagamento. Estou indo agora.

– Espera... eu ainda tenho outra coisa pra dizer, uma coisa importante... eu só descobri isso essa noite mesmo...

– Uma coisa que te deixou nervoso.

– E não é pra estar? – retrucou Sano. – Pelo que eu fiquei sabendo vai chegar um grande carregamento de ópio esta noite, no porto. Ou talvez chegue durante o dia ou já tenha chegado, mas vai ser descarregado esta noite. Eu não sei exatamente a hora, nem o navio, mas sei os caras que vão estar esperando esse carregamento, e onde vão se encontrar pro chefe levar eles até o navio certo...

Agora Saitou estava interessado, com aquele olhar que para qualquer um menos cabeça dura que Sanosuke seria amedrontador... – É bom você ter muita certeza do que está dizendo, ahou. Como você pode saber isso com tanta certeza?

A verdade é que tinha sido meio por acaso. Em suas voltas pela noite do submundo às vezes posava de valentão, era sempre bom arrumar umas brigas, nem que fosse pra passar o tempo. Essa noite sem saber entrou numa encrenca com esses caras metidos em tráfico de ópio. Se soubesse teria batido mais... parece que o chefe deles viu a coisa e tendo ouvido falar do temido Zanza, achou que ele era uma boa contratação. Sano soube da história ao ser contratado pra ajudar no desembarque e principalmente na proteção da carga. Mas não ia contar isso pro Saitou, ele já tinha reagido bem mal em outras situações quando Sano acabava se envolvendo, o problema é que nem sempre Sano queria evitar.

– Eu não tenho que te contar. Eu sei, tá bom? Não tô enganado... O que vai fazer?

– A polícia vai fazer o que deve ser feito como sempre.

– Isso não responde a minha pergunta, Saitou!

– A polícia não tem que responder suas perguntas, muito menos eu, eu lhe pago pra obter informações das ruas, não pra me questionar! Você como sempre, gosta de abusar da minha paciência!

– Você que é um sacana. Eu quero saber o que vai acontecer, eu ralei pra descobrir isso e eu quero ter certeza que esses caras vão se ferrar, eu já perdi bons amigos por causa dessa porcaria...

– Escute aqui, ahou, – Saitou disse chegando muito perto, confrontando-o, como sempre fazia quando queria soar ameaçador – é bom que você não esteja pensando em se meter nisso. Não quero nenhum moleque impulsivo atrapalhando o meu trabalho, estou ficando cheio das suas intromissões, isto é sério e as operações da polícia não são da sua conta.

– Mas eu...

– Mas se você quer tanto saber... já que você me garante, e já disse que é bom não estar enganado, no que depender de mim eles vão se ferrar sim, eu pretendo tomar as providências necessárias pra isso hoje mesmo, e isso é muito mais do que você precisa saber. – eles ficaram se encarando por um tempo, Saitou com alguma irritação e Sano com muita teimosia. O ar em volta estava até começando a ficar pesado...

– Eu não quero ver você lá. Considere isso um aviso. – disse ele quase rosnando.

– Você é que sabe – disse Sano, deixando claro que não estava gostando, mas revelando a Saitou hora e lugar do encontro que tinha descoberto.

Continuaram se encarando mais um tempo. Sempre que isso acontecia gerava uma tensão diferente no ar. Saitou olhava pra ele de um jeito difícil de explicar. Isso deixava Sano nervoso, por que com a proximidade o homem parecia medi-lo de cima a baixo...

– Você nunca sente frio, ahou?

– O quê?!! – com o choque da pergunta inesperada é que Sano se deu conta do vento frio que dava voltas pelo beco, sacudindo aquela camisa que ele não fechava nem por decreto até que não escondesse praticamente nada, e que deixava sua pele toda arrepiada, e agora também vermelha, por conta do olhar de Saitou. – O que é que você tá olhando? – disparou irritado, cruzando os braços sobre o peito pra esconder daqueles olhos famintos os mamilos já duros do frio...

– É culpa minha que você seja exibido? – disse com um sorriso muito maldoso.

– Olha aqui seu...

– Eu estou indo agora, tenho muito que fazer, e você vai me fazer o favor de não se meter no meu caminho. – assim ele disse, voltando à frieza e seriedade de antes, indo embora rapidamente e deixando atrás de si apenas aquele cheiro característico de cigarro e algo mais, além de um Sano boquiaberto.

O rapaz ficou ali meio atordoado por um tempo, até resolver ir pra casa. Precisava descansar pra esta noite, já que não tinha dormido ainda, por que não tinha a menor intenção de ficar fora do caminho. Podia perfeitamente participar do que quer que fosse, e queria ter certeza de aquela droga não machucaria ninguém.

Mas no caminho e até deitar a cabeça pra dormir, já sem controlar muito seus pensamentos, eram estranhas possibilidades que o perturbavam. O que estava acontecendo? Saitou estava zombando dele? Brincando com ele? Mas não... Saitou nunca foi homem de joguinhos. Ele era um guerreiro de honra. Mesmo com todo o mistério cercando o homem e a lenda, Sano não podia duvidar disso. Então será que podia acreditar que Saitou realmente... o queria?

Quase dormindo, já nem se surpreendeu por começar a entender aquela coisa estranha que sentia quando o outro estava por perto, nem se condenou pela lembrança da sensação quente que tomou conta dele quando sentiu os olhos do lobo em seu corpo...
 
 

Continua...


Por Jou-chan: omikoshi01@yahoo.com.br
Fevereiro de 2002

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