Conflitos


Por Senhorita Mizuki

Capitulo 6
 

Já não sei dizer se ainda sei sentir

O meu coração já não me pertence

Já não quer mais me obedecer

Parece agora estar tão cansado quanto eu

Maurício, Legião Urbana.

O médico examinou-o rapidamente, fazia um dia que havia acordado. Tirando o estetoscópio dos ouvidos, deixou Camus e chamou Milo para um canto do quarto.

O aposento era agradável e até um pouco luxuoso, nem parecia um mero quarto de hospital. Era individual, espaçoso, mas isso explicava-se por se tratar de um hospital que atendia à alta classe da capital grega, o que já era um tremendo diferencial na área médica.

- Tem certeza que não há grandes seqüelas?

- Parece que não, mas vou providenciar alguns exames para confirmar. É incrível que esteja intacto depois de uma queda daquelas, houve sangramento, mas nenhum dano cerebral que necessite de cirurgia.

- Sei...- se ele soubesse...- E a falta de memória?

- Creio que é temporária , logo ele estará ligando os fatos, só esta um pouco confuso, normal no estado dele.

- Certo. Obrigado, doutor.

Ficou a sós com o cavaleiro, suspirando pesadamente. Camus olhava disperso para a janela, mal percebendo a aproximação do outro. Sentou-se na lateral da cama, segurando sua mão, chamando-lhe a atenção para si. Virou-se e sorriu docemente, recebendo em troca um sorriso triste.

Juntou as sobrancelhas preocupado, o que o perturbava, seu lamentável estado? Seria tão grave assim sua situação? Levou a mão sem fio à sua nuca, a fim de puxa-lo para um beijo confortador. Estava tão carente de um gesto daqueles, Milo o abraçou forte aprofundando o ósculo.

- Espera um pouco, minhas costas...

- Desculpe.

Afastou-se de pronto, arrependido, podia tê-lo machucado. O outro o trouxe de volta, dizendo que estava tudo bem. Encostou a cabeça morena no ombro do francês, que embalou o amante como uma criança, depositando pequenos beijos na testa coberta pela farta franja.

Sua vontade naquele momento era de chorar, ver Camus frágil daquela maneira era terrível, mas no seu intimo também seria tentador. Fraco e indefeso, não correria riscos de vê-lo longe de si, viajando para alguma parte do mundo, e deixando-o para trás. Sempre precisando dos seus cuidados, que estivesse do seu lado, tê-lo só para si, e mais ninguém. Ora! Que pensamento mais mesquinho era aquele!

Ah...mas como seria bom se essa perda de memória durasse eternamente, assim aquela briga ridícula nunca teria acontecido, aquelas palavras amargas nunca teriam saído de sua boca. Tudo seria como antes, quando lançavam sorrisos discretos um para o outro a toda hora, procurando-se toda vez que o desejo era inevitável.

- Milo?- o chamado interrompeu seus pensamentos egoístas- Lembra-se da vez em que roubou um bracelete de um cavaleiro de prata, e acabou me envolvendo na história?

Sorriu assentindo, como poderia esquecer da sua época de adolescente, quando cultivava um amor platônico pela mais maravilhosa das criaturas, nunca.

- Lembro, tivemos que correr por umas três horas seguidas daqueles brutamontes enfurecidos, você me dava bronca a cada vez que diminuíamos os passos.- riu divertido.- A cara deles eram muito engraçadas!

- Não achei graça nenhuma naquela maluquice, fugir de algo que eu não tinha feito.

- Você que quis me seguir, não me culpe.

- Acontece que a besta aqui tinha que te proteger de encrencas 24 horas por dia!

- Não posso fazer nada...- encolheu os ombros.- Ainda tenho aquele bracelete, sabia?

- Sério? Nunca o vi usando!

- Quem disse que eu roubei para usar?

O francês olhou de um jeito tão sério para ele, que não conseguiu evitar de cair na gargalhada. Não adiantava quantas vezes ele tentasse endireita-lo, que o repreendesse, uma vez Milo, eternamente Milo, o ambicioso e malandro.

- Mas não é desse fato especificamente que eu queria recordar, mas do que aconteceu depois da confusão, da noite que passamos.

- Ah, sim. A noite de inverno, aquelas ruínas eram tão frias...

- Tremia tanto, coitado.

- Mas havia um corpo tão quente e gostoso para me aquecer, me agarrei nele assim...- enterrou o rosto na curva do pescoço alvo, aconchegando-se mais ao abraço terno.- e nunca mais quis me soltar dele.

Suspirou deliciado, arrancando uma risadinha de Camus.

- Porque lembrou-se disso agora?

- Não sei. Deixa para lá...

Fechou os olhos, descansando no peito do cavaleiro de gelo, enquanto recebia carinhos pelas costas.

- Milo?

- Hum?

- Como foi que eu caí de um penhasco?

Sentiu o Escorpião remexer desconfortavelmente, respirando profundamente. Não podia dizer, não queria. Mas se não falasse algo, seu silêncio o faria desconfiar. Separou-se do corpo agora pouco receptivo, com um nó na garganta. Ficou sentado na cama, olhando para o outro lado.

- Não sei ao certo. Alguém ligou para nós dizendo que você estava internado no hospital, e só.

Aquário pegou no seu braço, não estava muito convencido, havia algo de estranho na fisionomia dele.

- Olha para mim, Milo. Eu te conheço, o que esta escondendo de mim?

Irritado, soltou seu braço bruscamente, dando uma resposta rude.

- Nada! Porque não acredita em mim?

O início de uma nova discussão foi interrompida por uma batida na porta, Milo respirou aliviado. Hiyoga, Shun e Issac entraram no quarto, com um enorme buquê de rosas brancas. Escorpião fez uma cara de desgosto, rosas brancas? Porque logo rosas? Elas lembravam alguém muito desagradável.

- As visitas foram liberadas só hoje, por isso não viemos ontem. Estávamos ansiosos para vê-lo bem.- Hiyoga tomou a palavra do pequeno grupo.

Olhou surpreso mas feliz para os dois pupilos, há quanto tempo não os via assim, juntos num recinto. Recebeu alegremente as flores, fitando fixamente Issac, que parecia muito nervoso.

- O que foi, Issac? Algum problema?

- Hã? Ah...é...- fechou os olhos, tomando fôlego e coragem- Por favor, mestre! Perdoe Kanon, ele não fez aquilo por mal!

Disse de supetão, abaixando envergonhado a cabeça, deixando Camus estupefato e sem entender nada. Kanon? O que tinha ele?

- K-Kanon? O que ele fez?

Os três meninos entreolharam-se, interrogativos. Milo blasfemou baixinho atrás deles, para então esclarecer-lhes.

- O médico disse que ele está com uma pequena amnésia, não se lembra dos acontecimentos das últimas semanas.

- Sério? - Cisne ficou preocupado.

- Mas ele garantiu que é normal no caso dele e que pode voltar, ele só esta um pouco confuso agora.

- Menos mal. - Shun sorriu.

Os dois alunos sentaram-se ao lado da cama, engatando uma animada conversa. Andrômeda viu o mestre sair de fininho e o seguiu, chamando-o. Milo virou-se para o rapaz, afagando-lhe e desmanchando o cabelo do alto da cabeça dele.

- Eu preciso resolver uns negócios por aí, vocês poderiam ficar com ele hoje?

- Vai ficar o dia inteiro fora?

- Sim. Volto amanhãs, cuidem dele.

- Sim, senhor.

Com dois dedos unidos, levou a mão a testa, num gesto de despedida. Colocou as mãos nos bolsos da jaqueta e foi andando, confundindo-se com o grande movimento de enfermeiros, médicos e pacientes no corredor.

-----------------------------------****************************************------------------------------------

Os meninos já haviam ido embora, insistiram em ficar, mas não gostava que andassem naquela cidade no meio da noite. Claro que eram crescidos, fortes e cavaleiros desenvolvidos, mas não deixava de se preocupar com essas cabecinhas tão tolas de adolescentes.

E onde estaria Milo? Shun havia dito que o mestre fora resolver algumas coisas, devia estar de volta de noite. Era o que esperava, ansiosamente. Abriu um livro, para distrair-se enquanto isso,.

Ouviu o som da maçaneta da porta, e abriu um sorriso para receber o cavaleiro. Que logo murchou, substituído por uma expressão interrogativa.

- Kanon? Que faz aqui? E a essa hora? - pensou um pouco. - Tem horário de visitas noturno?

- Não pateta, eu entrei escondido!

- Ah...O QUE? Mas porque?

Uma faísca de luz passou pela sua cabeça, Isaac falou alguma coisa sobre Kanon não ter feito aquilo por mal...mal? que mal seria esse? Camus foi se encolhendo na cama, fazendo um sinal da cruz.

- Não sei o que você fez, mas coisa boa não é! Não chega perto!

- ...Bateu a cabeça mais forte do que eu imaginava...

Aproximou-se mais, causando uma nova onda de pânico no francês. Suspirou impaciente, fazendo um sinal, pedindo calma.

- Pelo amor de Zeus, Camus! Parece até uma mocinha com medo, eu não sou nenhum vampiro ou coisa parecida, ta?

- Tem certeza?

- Haha...muito engraçado. Eu só vim para esclarecer umas coisas...e talvez pedir desculpas.

- Desculpas? Do que esta falando?

- Do que? N-não vai me dizer que...que...

Parou de falar e aproximou-se mais, olhando nos olhos azuis do outro, bem próximo.

- Me diga uma coisa, Camus...

- Sim?

- Qual foi a ultima vez que eu e você nos vimos?

- Qual? Hum...vejamos...estávamos assinando os papéis para a sociedade entre os Solo e os Kido! Porque?

- ...Como imaginei...isso foi há cinco meses atrás.

O cavaleiro marinho levantou a mão, espalmando-a na cabeça de Camus. A pupila do francês dilatou-se, estava num estado de choque, recebendo uma bateria de imagens, em flashes de centésimos de segundos. Quando elas acabaram, sentiu uma intensa fadiga, caindo desacordado nos travesseiros macios.

- Nada que uma ajudazinha divina não resolva.

Olhou o cavaleiro adormecido. Que ótimo, agora tinha que espera-lo acordar, não devia ter descarregado tanta energia de uma vez nele. Ora, não era tão ruim, assim podia observa-lo melhor, não era todo dia que podia apreciar uma legítima beleza clássica.

O nariz fino e reto, de onde um ar quente saia, numa respiração tranqüila e pesada. Não satisfeito em apenas ver, acompanhou com o dedos as feições relaxadas. Contornou a boca pouco avermelhada, entreaberta, num convite inconsciente. Sorriu, e porque não?

Sentando na cama, inclinou-se sobre o corpo esparramado, o colchão cedeu ao peso do homem. Fechou os olhos em expectativa, aproximando seus lábios do outro. Camus abriu os olhos, deparando-se com aquela situação comprometedora, empurrou-o imediatamente. Kanon ficou resignado, estava quase lá.

- O que pensa que esta fazendo seu desgraçado? - agarrou-o pela gola da camisa que usava - Não basta ficar atrás de um garoto feito um velho babão?

Camus parou de falar, lembrava-se de cada detalhe do que havia acontecido. A raiva ferveu seu sangue, prestes a explodir a qualquer momento, Kanon percebeu isso.

- C-calma! Lembre-se de que estamos num hospital, então que tal uma conversa civilizada?

- Olha quem fala!

- Eu não vim brigar! Só vim esclarecer um engano! Dá para parar e me ouvir um instante?

Aquário ficou desconfiado, mas soltou-o mesmo assim. Saiu da cama e andou até a janela, com os braços cruzados e de costas para o outro. Sacudiu os ombros.

- Como quiser, fale!

- O que Issac disse não é verdade...

- Qual das acusações não é verdadeira?

- Ele insinuou algo que te deixou nervoso, eu nunca encostei um dedo naquele garoto.

- Nunca?

Virou-se para olha-lo, estava calmo, sua voz não vacilava, ou estava falando a verdade, ou era tão frio e bom dissimulador quanto Saga.

- Olha para mim, Kanon, nos meus olhos.

Droga! Estava falando sério...

- Continua.

- Realmente, ele voltou no meio da noite e foi procurar Julian no quarto dele, mas encontrou o que não queria, e teve uma crise de ciúmes.

- Ciúmes?

- De Julian.

- O que?

- Eu falei para ele parar de brincar com os sentimentos de Issac, mas ignorou meus apelos, dizendo que era divertido faze-lo ficar tão submisso e obediente por umas migalhas de atenção.

- Moleque mimado...

- Julian? Ele é sim, e consegue tudo o que quer, mas a brincadeira dele acabou.

- Isso que esta me dizendo é verdade? Posso falar com Issac, que ele irá confirmar tudo?

- Pode. Uma coisa é certa, Camus. Eu não sou nem nunca fui um papa-anjos, sei das conseqüências jurídicas.

- Bom mesmo que saiba...já disse tudo?

- Creio que sim...Não quer me dar um beijo de despedida?

Segurou seu queixo, Camus soltou-se ainda nervoso.

- Vai para o inferno!

- Haha...como imaginei...Adeus!

-----------------------------------------*************************************----------------------------------

Como aquilo era pesado, tropeçava a toda hora, sem poder ver por onde andava com o enorme pacote que segurava. Apertou o botão do elevador depois de quatro tentativas frustradas, quando abriu, entrou por ultimo. As pessoas olharam em pânico para ele, o lugar já estava lotado, mas ele insistiu em entrar.

Teve de descer no andar acima, sendo expulso do elevador. Gritou inúmeros palavrões, chamando a tenção e horrorizando as pessoas que passavam por ali. Envergonhado, foi pedindo desculpas e saindo de fininho. O jeito era subir com aquele peso todo escada acima. Chegou no sétimo andar com a língua no chão, estava ficando velho.

Abriu a porta com um chute, já que tinha as mãos ocupadas. O paciente que lia tranqüilamente no conforto de sua cama, pulou de susto com aquela invasão brusca.

- Milo? Que é isso?

- Para você! Achei que a comida daqui deve ser horrível e resolvi comprar umas coisinhas...

- ...Você veio andando com esse trambolho até aqui?

- Foi sim, qual o problema?

- Nada...

Depositou o pacote no colchão, abrindo-o. Era uma cesta gigante, com inúmeras guloseimas dentro. Milo mostrava tudo animado, mas Camus não acompanhava aquela alegria toda, estava aborrecido. Só foi perceber quando ofereceu uma torrada com patê, e o outro fuzilou-o com o olhar.

- Que foi? Não gosta de patê de peru?

- Sumiu por três dias, e nem deu noticias para os meninos...

- Eu tive que resolver umas coisas, não fica bravo!

- Que coisas?

- Umas coisas...experimenta isso aqui.

Enfiou um brioches na sua boca, mas que homem, se esquiva de tudo! Enquanto recebia a comida que Milo oferecia, Camus puxou sua camisa, abrindo alguns botões dela e enfiando a mão por dentro. Descobriu um dos ombros, fitando e acariciando a cicatriz, placidamente. O outro ficou estático, percebendo que havia enfim recuperado a memória.

- Doeu muito? Nunca quis te machucar...

Afastou-se, cobrindo novamente seu ombro e guardando tudo de volta na cesta. Chegara a hora que temia, a da conversa franca. Balançou a cabeça, rindo.

- ...tapa de amor não dói...

- Amor?

- Mas de ódio sim...dói aqui...- apontou para o coração.- Sentir-se usado, nem que seja por um instante...

Não pôde evitar que as lágrimas surgissem, secava-as como podia, molhando ainda mais o rosto vermelho. Camus puxou-o para si, secando o rosto carinhosamente com o lençol, acariciou o peito moreno do outro, como se quisesse massagear e fazer passar a dor que causou a quem sempre quis bem.

- Você me ama, Milo?

- Mais do que a mim mesmo...Não quero perdê-lo de novo, prefiro morrer.

Ficou em silêncio, deixando Milo em expectativa. Porque não dizia? Alguma coisa pelo amor de Zeus! Qualquer! Que precisava dele, que não vivia sem ele, que...não, seria pedir demais. Que mania besta essa de achar que o companheiro retribuía tudo o que sentia, o que lhe dava já era muito.

Aquário abraçou-o mais forte, trazendo-o para um beijo gentil. Aceitou-o com toda a vontade, se pudesse tomar sua vida toda para si apenas por um simples beijo, ser seu, não apenas seu corpo, mas sua alma. Já havia entregado a sua há muito tempo.

- Você nunca me perdeu, Milo...Não se esqueça que foi você que me deu vida, ou algum sentido a ela.

- Como?

- Nada, não precisa entender.

Selou o último comentário com um longo beijo, sem dar trégua para que aquela conversa inútil continuasse. Os gestos falavam mais do que simples palavras ditas ao vento, e que podiam ferir com um descuido.

--------------------------------------***********************************-----------------------------------------

Estavam no hotel da capital, era ali que dormiam enquanto Camus ficava internado. Issac já havia voltado para o internato, as reformas foram feitas e as aulas reiniciaram. Hiyoga sabia que tinha deveres a cumprir, mas não queria se afastar até que o mestre ficasse fortalecido e saísse daquele lugar. Estranho era que Shun também quis ficar, disse que não tinha nada para fazer, então ia fazer-lhe companhia.

Mal paravam naquele quarto alugado, passavam a maior parte do tempo no hospital, vindo apenas de noite. Mas tão cansados, que nem conseguiam conversar tranqüilamente, Cisne agradeceu, se ficasse sozinho com ele, diante do que acontecera nos últimos meses, nem saberia do que falar, estava com tanta vergonha de si mesmo.

Iria receber alta no dia seguinte, Milo resolveu passar o dia com o mestre. Engraçado como alguns fatos trágicos podem unir e aproximar as pessoas, sua convivência com Milo nunca fora tão agradável e pacifica. Haviam feito as pazes, num gesto mútuo de solidariedade no momento delicado pelo qual que ambos passavam, tanto ele quanto Hiyoga amavam Camus, só que eram formas diferentes de amor.

Acordara tarde, ficara no hospital até tarde, Por causa das despedidas a Issac. Recebeu uma bronca daquelas, que saudades tinha delas. Sem Issac por perto, Milo havia saído logo cedo, sua mão parou a meio caminho da maçaneta. Estavam sozinhos?

A porta foi aberta, dando de cara com o animado Shun.

- Bom dia! Dormiu bem hoje, né?

- Ahn...bo-bom dia, Shun...

- Eu já pedi o café da manhã, vamos comer?

- Claro...

Foram para sala, uma mesa pequena toda enfeitada de flores instalada entre os sofás. Apostava que a idéia das flores era de Shun, mas para que tudo aquilo? Algum dia especial, talvez a recuperação de Camus?

- Que bom, olha que bonito, rosas...

- Gostou? Eu que decorei.

- Foi? Tem jeito para essas coisas, poderia decorar as inúmeras festas que a Saori dá, porque não pede para ela?

- Pode ser...

Sorriu, "pelo amor de Zeus, não faz isso...", sem graça, Hiyoga sentou-se em frente a mesa, enfiando uma torrada na boca. Pronto, agora tinha desculpas para não conversar. Shun postou-se do outro lado, de frente para ele, congelou na hora. A mesa era pequena demais, tanto que inevitavelmente os joelhos dos dois encostavam abaixo da tabua. Engasgou, o outro esticara as pernas, colocando uma entre as suas.

Conseguira engolir apenas uma torrada, perdendo a fome completamente. Encostou os cotovelos na mesa, observando Shun comer deliciando-se com as delicias oferecidas pelo hotel. Inconscientemente, o gesto infantil de lamber os dedos deu a Hiyoga uma imagem tão sensual quanto... "Quer parar com isso?". Esfregou o rosto e virou-o para a janela, repreendendo-se.

Mas voltou a olha-lo, intrigado. Suas feições eram mesmo parecidas com as de Ikki, normal, já que eram irmãos. Era a sua versão mais delicada e feminina, enquanto Ikki era totalmente abrutalhado. Sua recaída devia dever a isso, vira semelhanças entre os dois, e estava tão nervoso, que deve ter confundido tudo num gesto impensado.

June o havia alertado, Shun ficaria magoado porque o irmão se envolvera com um homem, ou porque sentia algo por ele? Aquela amazona sabia do que acontecia, vivera tantos anos com Andrômeda, via-se o grande carinho que sentia pelo único membro da sua família na Ilha.

Havia um modo de saber, só rezava para que Shun não o repelisse. Empurrou a mesa para o lado, o outro ficou confuso, com um biscoito ainda na mão.

- Mas eu ainda não terminei!

- Depois comemos, quero tratar de algo mais importante que comida.

- Nani?

Passou para o sofá oposto, agarrando a cintura de Shun, encostando sua boca na dele. Esperou um pouco, nada. Começou a mover a boca, enfiando a língua sem encontrar resistências. Shun não resistia, mas também não reagia. Movia-se insistentemente, acariciando o corpo abaixo do seu, até arrancar alguma resposta. Um gemido, pequeno, mas que o motivou a continuar.

Surpreendeu-se, Shun não só começou a corresponder ao beijo, também o abraçou, com os braços e as pernas. Tinha menos pudor do que imaginava, tirando sua camisa com pressa.

- Shun? Tem certeza?

- Toda. Faz tanto tempo...

- Ué! Pensei que estava mais preocupado com o seu mestre esse tempo todo.

- Que tem o Milo?

- Andava tão afoito em impressiona-lo, que esqueceu de todo o resto.

- Desculpe...Não faço mais isso.

Terminou de tirar a roupa de Hiyoga, que fez o mesmo com a sua e o deitou no sofá de três lugares, enchendo-o de beijos e lambidas.

Pararam tudo de repente, um cosmos se aproximava. Milo havia voltado! Recolheram as roupas do chão rapidamente, mas não tinham tempo para vesti-las. Hiyoga entrou no banheiro e Shun pegou um robe, só depois percebeu que não era seu, estava grande demais. Sentou-se em frente a mesa de novo.

- Comendo café da manhã a essa hora, Shun?

- É que eu acordei tarde hoje.

- Também, depois da algazarra de ontem...e Hiyoga?

- No banho! Não ia ficar hoje no hospital?

- Ah, sim. Vim só pegar as coisas de Camus, ele quer ir embora amanhã logo cedo. Tem uma listinha do que ele quer...

Procurava as coisas, Shun esperava impacientemente, ajudando-o a achar tudo. Fechou a porta aliviado, indo até o banheiro, ansioso. Cisne abriu a porta, puxando-o para dentro do box e ligando o chuveiro. Tinham que aproveitar aquele momento ao máximo.

----------------------------------------------*****************************------------------------------------------

Assobiando, levava a mala com os pertences de Camus. Olhou para o elevador, fazendo uma cara feia para os ocupantes, não ia com aqueles chatos novamente, preferia as escadas.

Ia receber alta, e iriam para casa, finalmente. Mal continha-se de felicidade, tudo acabara bem, afinal. Aquelas semanas estavam sendo boas, sem deveres a cumprir, sem a "chefe" ditando regras a todo momento, e via seu amado tantas vezes, coisa que não acontecia antes, poderem ficar juntos todo o tempo.

O sorriso que mantinha na cara tornou-se uma carranca, tinha uma mocréia inclinada sobre seu amante, dando um largo mostruário de peitos saltitantes pelo decote enorme. O pior é que ele sorria gentilmente para ela! O que isso significava?

- Posso saber o que essa mulher faz aqui?

- O que faz aqui? Ela é a enfermeira, Milo!

- Isso? Uma enfermeira? Esta parecendo mais uma...

- Milo!

- E cadê aquela senhora setentona que vive te chamando de filho?

- Ela aposentou-se ontem, - a moça respondeu.- eu sou sua substituta...

- Como assim? A substituta tem que ser uma senhora igualmente experiente, não uma iniciantezinha qualquer!

Camus encolhia-se cada vez mais para baixo do lençol, envergonhado, que papelão estava fazendo. Crise de ciúmes num lugar como aquele realmente não era apropriado. Viu a moça sair chorosa, tinha humilhado ela, subestimando a sua capacidade.

Ficou satisfeito com o resultado, se achando o tal do pedaço, até virar para Camus e receber um ar de repreensão vindo dele. Ta bom, havia exagerado na dose, mas aquela mulher tinha que andar em trajes mínimos feito aqueles? E se insinuar visivelmente para o Seu namorado?

- Mas que espetáculo tu fez, hein senhor Milo? Agora isso vai rodar o hospital inteiro, agradeça aos céus que eu vou ficar aqui só hoje, senão eu pulava no seu pescoço.

- Não é uma má idéia...

- Seria para arrancar o seu couro!

Virou o rosto, aborrecido. Escorpião suspirou impaciente, pronto, estava bravo com ele de novo. Foi até ele e o fez encara-lo, segurando seu queixo.

- Certo, eu admito que eu errei. Ok. Eu errei feio. - o outro olhou pateticamente. - Ta, ta! Eu fui o pior dos canastrões! Satisfeito agora?

Deu de ombros, virando de costas para ele na cama. "Não, não faça isso", não num dia tão especial como aquele, que planejara ser especial.

- Me perdoa...olha, eu trouxe tudo o que me pediu.

- Vem aqui.

Deu um espaço no colchão, convidando-o a sentar junto dele. Segurou seu rosto, dando-lhe um beijo, que foi se aprofundando pouco a pouco, numa dança ativa de línguas. Estava tão absorto nele, que Milo percebeu um pouco tarde que sua camisa era desabotoada. Sem interromper o beijo, tirava constantemente a mão do francês que insistia em invadir a calça.

- Pára com isso.

- Não.

- Pára.

- Não dá, eu te quero.

Escorpião interrompeu tudo, olhando-o assustado. Queria? Naquele exato instante, num quarto de hospital? Teria perdido o bom senso com a batida na cabeça? E a aula de moral que estava dando agora a pouco?

- Você está bem?

- Que foi? - deu uma risadinha - Pensei que para você quanto mais perigosa a situação, mais excitante seria.

- Alguém pode entrar, e eu sei que você vai querer morrer de vergonha.

- É só não deixarmos entrar ninguém...

Assim que o disse, Camus foi até a porta, com uma cadeira nas mãos. Colocou o encosto embaixo da maçaneta, não teriam perigo de serem pegos. Voltou com um sorriso maliciosos, deitando-se na cama e obrigando Milo fazer o mesmo.

- Pronto, se formos discretos e silenciosos, não tem problema.

Sem mais nenhuma reclamação, aceitou ser conduzido ao mundo de prazer que há tempos sentia falta. Aquela atitude partir de seu companheiro era muito estranho, mas não queria discutir, mas sim aproveitar.

--------------------------------************************************---------------------------------------------

Abriu os olhos cauteloso, observando o outro dormir pesadamente. Sorriu, estava bastante exausto. Com cuidado, tirou o braço que o envolvia, e desceu da cama. Indo até a mala que trouxera para ele, realmente estava tudo lá.

Pegou a roupa de dentro, trocando-se, sempre certificando-se de que Milo não iria acordar. Antes de sair, voltou para a cama, depositando um leve beijo nos lábios do belo adormecido. Fechou a porta silencioso.

Ninguém o parou no corredor, já que não o reconheciam como o paciente daquela ala. Chegou na rua triunfante, acenando para um táxi que acabava de deixar um passageiro ali. Dentro do carro, puxou o celular do bolso, discando enquanto dava a ordem para o motorista.

-------------------------------**************************************-------------------------------------------

Espreguiçou-se deliciosamente, procurando o corpo quente do seu lado com a mão. Vazio. Levantou-se subitamente, assustado. Onde ele estava?

Pegou suas roupas espalhadas pelo chão, vestindo-as desesperado. Vasculhou o hospital de cima a baixo, e nada. Voltou para o quarto na esperança de encontra-lo, mas quem encontrou fora os dois alunos cheio de perguntas.

- Cadê meu mestre, Milo?

- Rápido, Hiyoga. - pegou a mão do loiro, puxando-o para fora. - Antes que aquele homem suma de vez!

- O que?

-------------------------------***************************************-----------------------------------------

Sabia que o que estava prestes a fazer podia custar sua vida, e não gostava de despedidas. Por isso decidiu partir sem comunicar a ninguém aonde ia. Tinha de fazer isso, por seu pai, por aqueles que amava além de tudo.

Fitou o horizonte permeado de icebergs de gelo eterno. Desceu o olhar para o mar congelado por séculos e séculos, sem vida, já que nenhum ser vivo suportava aquele frio intenso. Com um soco, estraçalhou a superfície, abrindo um buraco.

Respirou fundo, elevando o cosmos, uma aura dourada o cercava. Mergulhou de uma vez nas águas gélidas, sentindo farpas penetrarem pelo seu corpo todo.

Tinha a localização exata do local, mas era fundo demais. Não importava o quanto nadasse, em extrema velocidade que era permitida ao limite do seu sétimo sentido, ainda estava muito longe. Seu pulmão não ia agüentar, a pressão sobre si era enorme. Antes de ser um cavaleiro de ouro, era um humano, e como tal não era imortal.

Estava quase perdendo os sentidos, "mais algumas braçadas...só mais algumas braçadas...". Mesmo com a visão embaçada, pôde avistar a carcaça do navio russo. Impulsionou o corpo para dentro, empurrando as paredes.

Aterrorizante. Aqueles corpos mortos vagando feito fantasmas, o terror em seus rostos permanecia, conservados pela água que chegava ao zero absoluto. Não sentia mais nada, tentava se movimentar a todo custo. Encontrou o que procurava, era uma imagem mais agradável comparada com o horror que havia encontrado naquele lugar.

Um anjo loiro dormia seu sono eterno, numa placidez única. Os longos fios dourados dançando em volta do rosto belíssimo. Sorriu encantado, as flores que Hiyoga trazia para ela ainda estavam lá, adornando o leito fúnebre.

Não havia tempo para contemplar tamanha beleza, apressou-se em carrega-la com cuidado. A uma altura de distância da superfície, quase desmaiou, afundando com a mulher entre os braços. Resistiu aos apelos de Morpheus, nadando obstinado para a luz.

Depositou o frágil corpo no gelo, recuperando todo o ar perdido. Sobrevivera, pela proteção de Athena, os deuses decidiram que deveria viver. Fez uma prece silenciosa, agradecendo à graça divina de sua deusa.

Com a mão em riste para o ser abaixo de si, concentrou toda a energia que lhe restara naquele momento, tecendo um túmulo de gelo eterno. Levantando a mão, ergueu o bloco, satisfeito.

As mãos unidas numa reza, os olhos velados e um leve sorriso que se insinuava nos lábios, a imagem da mãe que se sacrificara por seu filho confundia-se com a de uma santa. Uma mártir, como fora seu pai.

Ele errara ao ensinar-lhe que os sentimentos os deixava fracos e vulneráveis, infelizes e tolos eram aqueles que nunca tiveram alguém. Apenas agora percebia, quando viu que seu coração era humano, e não frio.

- Camus?

Virou-se em direção do chamado. Hiyoga elevou o olhar abobado, aquela era...

- Mamãe? - seus olhos se encheram de lágrimas - Mestre, você...

Visivelmente exausto, assentiu para o discípulo. Cisne correu até ele, abraçando-o e chorando deseperado.

- Obrigado.

- Ei vocês! Não dá para me dar uma mãozinha aqui?

Morro de neve abaixo, Milo, cheio de casacos, se atrapalhava todo em subir. O loiro riu, limpando os olhos e fungando, descendo até ele. Camus seguiu-o, pasmo, o que aquele doido estava fazendo naquele lugar?

- Eu falei para você esperar em casa, Milo. - Hiyoga o ajudava a se equilibrar.

- Brrrr! Pelo amor de Zeus, como alguém pode viver numa geladeira a céu aberto?

- É maluco...

O cavaleiro de Aquário o carregou nas costas, aturando-o se agitar e blasfemar a cada passo. Do seu lado, o aluno ria divertindo-se com a cena hilária.

Chegando no casebre, o pôs no sofá, e foi acender a lareira. Pegou varias mantas, tirando aquele monte de roupas que o escorpiano vestia.

- Dá para parar de resmungar feito uma velha rabugenta? Hiyoga, esquente uma bacia de água.

- Ok.

- Está um frio de matar, você quer que eu faça o que?

- Já já eu te esquento.

Alimentou um pouco mais o fogo, indo sentar-se ao lado de Milo. Colocou seus pés na água quente, cobrindo-o com as mantas e abraçando-o.

- Pronto...

Cisne trouxe uma caneca enorme de chá, entregando para o friorento. Sentou-se na poltrona vazia, observando-os por cima do vapor da bebida.

- Porque se arriscou a nadar naquela profundidade?

- Depois da minha perda de consciência, vieram-me lembranças que há muito tempo esqueci. Lembrei-me da minha única família, e vi que eu fui muito cruel. Tirei de você a única família que possuía...

Agarrado ao francês, Milo ergueu o rosto, vendo o perfil triste. Hiyoga baixou a cabeça, antes de colocar a caneca na mesa. Levantou-se hesitante, e abraçou os dois cavaleiros emocionado.

- Vocês são minha família...

Escorpião continuava surpreso, enquanto Camus puxava o menino para o meio do sofá, ficando entre os dois e cobrindo-o com o cobertor grande.

Da janela, quem os visse podia claramente imaginar que se tratava de uma pequena família, unida em frente ao fogo, iluminando a cena.

FIM

---------------------------------------*********************************-----------------------------------------

N.A.: desculpa, eu sei que ta muito ruim, corrido, mas eu não agüentava mais, tinha que terminar isso logo. Obrigada pela paciência e pelos loucos que tiveram coragem de acompanhar essa fics. Viajei na maionese, colocando um monte de personagens nada a ver, criando uma historinha viajante, mas fics é para isso, num é? Você pode fazer o que quiser com os personagens...