Coisas para se Lembrar


                                                                Akemi-chan

                Muito tempo já havia se passado desde o torneio das trevas no Makai, Kurama estava
    mais feliz do que nunca, pois dividia um apartamento com nada mais nada menos que Hiei.
    Infelizmente, não estava sendo fácil para o pequeno demônio. Ele já tivera dez meses para se
    habituar ao Ningenkai, porém, a tarefa de viver entre e como os humanos parecia impossível.

                - Vamos ver se você se lembra de tudo que você tem que fazer. – comandou a raposa
    pacientemente.

          - Deixe-me ver... Primeiro eu vou até a casa daquela vizinha estúpida... – disse Hiei
    desinteressado.

          - Hiei... não fale assim dela! – repreendeu Kurama.

          - Desculpe... então, vamos ver... eu vou na casa de nossa simpática vizinha... – disse
    ele com um ar extremamente sarcástico.

          - Muito bem... continue.

          - E pergunto a ela o preço do frango, daí eu peço 4 quilos! – disse Hiei abrindo um
    sorriso de satisfação.

          - Não Hiei, isso você tem que perguntar ao açougueiro e é meio quilo de frango! Prá
    vizinha você tem que... – Kurama tentou explicar, quando foi interrompido bruscamente.

          - Pare Kurama, pare. Você acha que eu não sou capaz de me lembrar de tudo? Pois
    saiba que posso sim! Quer ver? Eu tenho que ir até a vizinha e perguntar porquê as cartas estão
    chegando atrasadas! – falou Hiei orgulhoso.

          - Não. Também não é isso...

          - Como não? – a indignação tomou conta de Hiei.

          - Preste atenção. Para a vizinha você pergunta se ela pode tomar conta do apartamento,
    porquê nós vamos viajar, lembra? Depois, quando o  carteiro chegar, você pergunta porquê as
    cartas estão chegando atrasadas! À tarde, você vai até o açougue, pergunta o preço do frango e
    compra meio quilo!

                      - Ah! Entendi!!!

          -  Ótimo. E das tarefas de casa, você se lembra?

          - Dessas sim! Eu tenho que lavar a louça com... como é que é mesmo? Ah! Com a pasta
    de dente e...

          - Não! Não! Não! Olha Hiei, você não precisa fazer nada tá? Pode deixar que no fim de
    semana eu faço tudo isso.

          - Sabe o quê eu mais invejo em você?

                      - Não... o que é? – perguntou Kurama curioso.

                      - Você consegue fazer com que eu me sinta um inútil tão facilmente...

          - Ah, Hiei. Você não é inútil... No fim de semana eu deixo você me ajudar, mas agora
    eu preciso ir.

          - Tá. Ah, não precisa se preocupar com o jantar, eu faço!

          - Não! É melhor não. – disse Kurama  lembrando-se do episódio em que seu amado
    demônio quase incendiou o prédio inteiro ao tentar fazer um simples almoço. - Olha, porquê
    você não aproveita o dia para assistir TV? – sugeriu Kurama.

          - De novo? Eu já assisti ontem, prá quê vou querer assistir duas vezes a mesma coisa? –
    argumentou.

          - Não, Hiei. Não se preocupe que vai passar algo de diferente... Vai lá, já deve estar
    passando Sailor Moon ou Pocket Monster.

          - Ah, não. – disse Hiei batendo os pés no chão como uma criança.

          - Vamos Hiei. Vai ser divertido. – disse a raposa sorrindo, na tentativa de convencê-lo a
    ficar longe da cozinha. .

          - Tá legal. – respondeu Hiei desanimado.

          - Não fique chateado, vou fazer o possível para voltar mais cedo, mas agora eu tenho
    que ir, senão chego atrasado ao trabalho. Tchau. – Kurama fez o que fazia todas as manhãs:
    tomou sua indispensável xícara de suco de laranja,  deu um beijo de despedida em Hiei (que
    naquele dia estava mais emburrado do que nunca) e foi embora.

          Assim que Kurama saiu, Hiei foi para a frente do aparelho, ligou-o, mas nem sequer
    prestou atenção nas meninas disparando golpes e gritando coisas do tipo: “Pelo poder do
    prisma lunar”. Ele estava se sentindo tão inútil, um “peso” para Kurama. Começou a odiar a si
    mesmo quando ouviu um estranho comercial:

          - No programa de hoje veremos alguns exercícios recomendados por especialistas para
    aqueles que tem problemas para se lembrar das coisas. Se você é uma dessas pessoas, não
    perca o programa de hoje. Voltamos após os comerciais.

          Perfeito. Só faltava o nome de Hiei estar ali como exemplo!

          - Estamos de volta com o programa “Melhore sua vida”. Se você tem problemas para se
    lembrar das coisas, não se preocupe, você não é o único. Hoje daremos dicas de alguns
    exercícios para sua memória ficar mais precisa do que nunca! Você vai precisar de: Lista
    telefônica, livro de receitas, papel , caneta e algumas latinhas de diferentes cores.

          Hiei correu imediatamente para pegar o material. Sentia-se mais “feliz”, agora ele tinha a
    solução para seu problema!

    - Vamos lá, prontos para o primeiro exercício? – perguntou a jovem apresentadora.

          - Sim! Pronto! – respondeu Hiei, pois Kurama dissera que não é educado deixar uma
    pessoa sem reposta.

          - Peguem o papel e a caneta e escrevam o nome de duas pessoas.

          - Duas pessoas? Kurama e Yukina. – disse Hiei para si mesmo.

          - Agora escrevam um número qualquer ao lado de cada nome.

          - Kurama 4, Yukina 9.

          - Muito bem. Agora repitam alto cada  nome e  número mais ou menos 5 vezes.

          - Kurama 4. Yukina 9. Kurama 4. Yukina 9. Kurama 4. Yukina 9. Kurama 4. Yukina 9.
    Kurama 4. Yukina 9.

          - Agora, repitam os nomes e números 2  vezes, mas sem “colar” do papel!

          - “Colar”? – Hiei não entendera o significado – colar com quê?

                      - Vamos lá, sem olhar! – disse novamente a apresentadora.

          - Ah, tá! Kurama 4. Yukina 9. – disse Hiei com os olhos fechados para não “colar” do
    papel.

    - Conseguiram? Sim? Então vamos passar para um estágio mais difícil. Escrevam mais três
    nomes na lista e mais três números, da mesma forma. E faça o mesmo procedimento. Enquanto
    isso, vamos aos comerciais.

          - Três nomes... Hiei 6... Mukuro 11... Kuwabara 7. – Esses foram os nomes que lhe
    vieram a cabeça naquele instante. Com o nome de Kuwabara ele queria colocar um adjetivo
    como idiota, imbecil, mas talvez isso fizesse parte do segundo estágio do exercício. “Melhor ir
    estágio por estágio” pensou – Muito bem, vamos tentar: Kurama 4, Yukina 5,  Mukuro 8, Hiei 10
    e Kuwabara... 3. Isso mesmo. – Ele ia anotando os nomes que falava num outro papel para que
    depois pudesse conferir. – Ah, não!

    - Estamos de volta com o programa “Melhore sua vida”. Distribuímos papéis e canetas para a
    platéia, vamos ver os resultados...

          - É um prazer estar aqui no seu programa. – disse a entrevistada.

          - Hn. Aposto que ela não acertou nenhuma! – disse Hiei.

          - Eu acertei 4! E eu tenho uma péssima memória, aposto que se continuar assim, vou
    acertar os 5 na próxima! – disse a entrevistada.

          - Aposto que sim. Viram como funciona? E você aí em casa? Quantos acertou? 3? 4? –
    perguntou a apresentadora.

          - Porquê você quer saber, humana estúpida? Só acertei um, e daí? Ah!!! Até a humana
    se saiu melhor do que eu!!!

          - Se conseguiu , meus parabéns! Continue nos assistindo e você se sairá cada vez
    melhor. Se não... continue a assistir o programa de qualquer maneira! Vamos ao próximo
    exercício, este não precisa de material nenhum, apenas fique olhando para o desenho que vai
    aparecer na tela da sua TV.

                - Esse deve ser mais fácil! Vamos ver... Uma casa, um cavalo branco, uma menina
    brincando com uma boneca, três árvores, grama verde como os olhos de Kurama...

    - Vou dar mais alguns minutos para vocês analisarem a figura e então vou fazer perguntas! – a
    voz da mulher ecoou pela sala, terrivelmente ameaçadora para Hiei.

                -  Rosas como as de Kurama... janelas com cortinas cor-de-rosa...

                - Muito bem, agora a figura vai desaparecer... Vamos às perguntas: Que tipo de flores
    estavam nos canteiros? – a imagem da mulher voltou à tela da TV.

                - Rosas vermelhas! – respondeu de imediato.

          - Se você respondeu: rosas vermelhas, acertou! Meus parabéns!

          - Sim! Sim eu disse! Eu acertei! – a raiva deu lugar à alegria.

                - Próxima pergunta: De que cor eram as cortinas das janelas?

                - Hm... Deixe-me ver... Use a cabeça para algo, Hiei! Já sei! Já sei! Brancas, todas as
    cortinas são brancas!

                - Se você respondeu: cor-de-rosa, acertou!!!

                - Claro! Era o que eu ia dizer!

                As perguntas continuaram, mas Hiei não conseguia responder a nenhuma delas. Isso
    estava deixando-o cada vez mais irritado. Os exercícios seguintes foram um perfeito desastre.
    Quando o programa acabou, as latinhas de refrigerante, estavam esmagadas e espalhadas pelo
    chão, a lista telefônica estava irreconhecível: as folhas estavam picadas, trituradas de tal maneira
    que pareciam confetes! Os vizinhos  devem ter estranhado, e muito o fato de uma caneta ter
    simplesmente saído voando pela janela. O livro de receitas fora um presente da mãe de Kurama,
    Shiori, portanto, escapou do massacre.

                - Não adianta eu não consigo!!! Até os humanos conseguem! Por que eu não consigo?
    – Hiei estava a ponto de arrancar cada fio de cabelo sobre sua cabeça.

                Uma idéia lhe veio a cabeça. Pegou a costumeira capa preta e simplesmente saiu da
    casa, pela janela (eles moravam no primeiro andar do prédio, mais um motivo para ele sair pela
    janela) obviamente, afinal pela porta daria muito trabalho: pegar a chave, abrir a porta, sair,
    fechar a porta e levar a chave. Evitar o olhar dos curiosos durante sua “escapada” pela janela
    era fácil devido à sua rapidez.

                Já estava tarde quando Kurama chegou em casa.:

                - Cheguei! Oi... Hiei? Você está aí? – perguntou como sempre.

                - Aqui na sala! – respondeu.

                - Ah, aí está você... Hiei! O que houve? Você por acaso fez uma festa? – perguntou
    Kurama olhando para o que antes era a sala.

                - Festa? Claro que não! Por que você está pensando que eu... Ah, você tá falando da
    bagunça! Não, não fiz festa nenhuma. Fiz a bagunça sozinho, mas prometo que arrumo.

                - Como...? Mas a sala! Olhe só para isso! – disse Kurama alterando seu tom de voz.

                - Depois eu te explico. Ah, eu usei o seu dinheiro de plástico, tá?

                - O que...  você... comprou? – perguntou, preparando-se para o pior

          - Isto! – disse ele balançando um objeto no ar.

                - Um gravador? Prá que você comprou isto? – ele começara a ficar  visivelmente
    irritado.

    - Oras, prá eu não esquecer das coisas! É só eu falar o que eu tenho que fazer e esta máquina
    grava. – explicou Hiei abrindo um sorriso “especial” que ele usava toda vez que seu amado
    ficava bravo, esta tática sempre funcionava.

    - Ah, tá. – disse a raposa tentando se controlar. -  Mas, Hiei, não era mais fácil escrever num
    papel?

                - Hm... é mesmo... – disse ele pensativo, enquanto olhava para o objeto que comprara.

                - Não fique chateado. Olha, eu achei uma ótima idéia.

    - O vendedor disse que também serve para gravar mensagens... Eu já gravei uma:

          “Aishiteru, kitsune”

          A mensagem se repetiu várias e várias vezes como um disco riscado, mas aquilo soava
    como a mais bela das melodias para Kurama. Sem palavras, a raposa abraçou seu amado, e
    assim permaneceram por alguns instantes mágicos.

          Dias depois...

          - Kurama, já está tarde... Posso desligar?

                - Porquê?

                - Eu já entendi que você gostou da mensagem que eu gravei, mas você precisa ficar
    ouvindo isso o tempo todo? Vamos dormir!

                - Só mais um pouquinho, Hiei...

                A voz de Hiei ficou ecoando pelo quarto durante toda a noite, pois o pequeno youkai
    não teve coragem de retirar o gravador das mãos de Kurama, que adormecera com ele ligado.
 
 

        Fim


Por Akemi-chan paula_akemi@uol.com.br
Novembro de 2001