Kurama sentia-se meio desconfortável naquela manhã, no trabalho. Sentia-se observado a maior parte do tempo. Não que isso pudesse ser uma novidade; acostumara-se com os olhares das colegas do escritório e de de outras moças que passavam por ele, suspirando esperançosas por uma atenção, por menor que fosse.
Mas esse não era o caso, sentia-se incomodado, acuado como na época do Makai.Quem quer que fosse, possuía um ki estranhamente familiar e poderoso, ainda que tenta-se esconde-lo. Não podendo mais agüentar, parou e olhou ao seu redor, procurando o motivo de seu desconforto.
Seus olhos passearam pelo local, até que cruzaram com um par de safiras que o olhavam intensamente. Esses arregalaram de surpresa, que foi rapidamente desfeita com um arquear de uma sombrancelha e um sorriso zombeteiro, antes de virar a cabeça para seu outro foco de atenção.
Kurama nunca vira aquela pessoa por ali, parecia um rapaz, muito bonito por sinal. Ele conversava com a secretária de seu padrasto. Sorriam como se estivessem flertando. Com uma ruga na testa, Kurama observava a figura à sua frente. Parecia ser tão alto quanto ele, tinha cabelos loiros e curtos com a franja jogada para o lado. Os olhos eram de um azul profundo, escuro, os cantos levemente puxados. A boca era pequena e rosada, e formava covinhas nas bochechas quando sorria, mostrando pequenos dentes brancos.
Vestia-se de forma muito informal, o que não era comum num ambiente daquele.
Usava roupas típicas de garotos, camiseta preta e larga, calças também largas e um tênis gasto de tanto uso. Percebera um brinco numa das orelhas. Possuía um corpo esguio e tinha uma postura desleixada, com as mãos no bolso, dando-lhe um ar juvenil.
Enquanto avaliava mentalmente, inclinara a cabeça e levantara um dos cantos da boca, num meio sorriso. Seus olhos percorreram o corpo partindo dos pés, lentamente. Ao chegar na cabeça, encontrou novamente as duas safiras. Levantou a cabeça de supetão, ficando extremamente ruborizado, como se tivesse acordado de um sonho.
Virou-se rapidamente, rezando para que ninguém percebesse seu embaraço.
"Como um estranho pode me desconcertar daquela maneira? E aquele ki? Com certeza se trata de um paranormal..."Kurama pensava distraído de tudo, mordendo uma caneta. Não conseguia se concentrar no computador. Vozes femininas eufóricas lhe tiraram dos pensamentos. Uma delas era a da tal secretária, a Kaoru. As outras lhe faziam várias perguntas ao mesmo tempo:
- Calma, calma, uma de cada vez...
- Não acredito que você passou a manhã inteirinha com aquele gato!
Ao descobrir de que a conversa das comadres se tratava, Kurama inclinou a cadeira para ouvir melhor, com os ouvidos atentos.
- Bem, ele vem trabalhar aqui a partir de amanhã. É um estagiário, e me pareceu muito inteligente, tanto que tem uma bolsa numa das melhores faculdades da cidade. O chefe não hesitou em contrata-lo. Me pediu para mostrar tudo e explicar o trabalho...muito simpático!
- E muito bonito...Ai, ai, que olhos! Que sorriso!
- Viu que faz covinhas quando ele sorri?Que sonho!
"Mulheres!", pensava a raposa, revirando os olhos.
- Ah, mas nem tudo é perfeito...
- Como assim?
- Seria o homem ideal, se não fosse por um detalhe...
- Ah, não! Ele é gay? Diga que não!
- Só me faltava essa!
Kurama inclinava mais a cadeira...
- Não, não é isso! Pelo menos acho que não...se bem que...
- Então o que pode estragar aquilo?
- Ë que não se trata de um homem, e sim de uma mulher. O nome dela é Yuri.
- AAAAAHHHH- "TUM!"
- Suichi? O que aconteceu, você está bem?
- Ai, acho que sim...
Caíra da cadeira, batendo a cabeça com tudo no chão, no momento em que Kaoru disse "mulher". Agora segurava a cabeça entre os joelhos, com todas aquelas mulheres à sua volta, solícitas.
- Oh, tadinho...não machucou?
Queria enfiar a cabeça num buraco...que vergonha!
Yuri saía de seu novo emprego pensativa, com as mãos no bolso, andava de cabeça baixa.
- Suichi Minamino- o nome mal saia de seus lábios- Hmpf!
"Será que estou na pista certa? Sua aparência é tão frágil que não deve ser capaz de agredir uma formiga sequer! Parece até uma moçoila!'
- Droga!- chutou uma pedra no caminho, jogando-a longe.
"Mas é melhor não me precipitar, percebi um ki forte. Provavelmente é detetive sobrenatural que Koenma chama de Kurama...Ele pode ser apenas isso ou aquela raposa maldita!" Soltou um suspiro de frustração. "Youko Kurama...qual a sua importância na minha vida? Porque tenho lembranças que não fazem sentido? Porque você está nelas?"
- O que eu vou fazer?- parara de andar.
"Já que eu comecei isso, tenho de terminar."
- Hã?- "um youki!"
Yuri passou a procurar a fonte daquela energia, fechou os olhos, e quando os abriu olhou direto para o conjunto de árvores. Lá havia youkai vestido de preto com um lenço branco no pescoço com uma faixa na testa. Olhava-a com os olhos estreitos, parecia não ter percebido que o havia descoberto.
"Ora, ora, um youkai. Não parece oferecer nenhuma ameaça, melhor deixa-lo em paz...e cuidar da minha vida."
Yuri retomou seu caminho, voltando a ficar imersa
em suas preocupações.
CONTINUA