CAPÍTULO 3
Fazia um mês que trabalhava ali. Firmara amizade com Suichi facilmente, andavam muitas vezes juntos. Ficavam falando horas sobre a faculdade, o que era muito engraçado. Ela fazia engenharia mecânica e ele botânica, nenhum entendia nada do que o outro falava.
Também percebera que aquele youkai, do primeiro dia, freqüentemente aparecia do outro lado da rua, escondido nas árvores, após o expediente. Ficara curiosa, mas achou melhor deixá-lo em paz, não fazia parte de seu plano...mas isso durou pouco tempo. Um fato que presenciou a fez mudar de idéia, talvez ele ajuda-se.
Geralmente era um dos primeiros a sair do trabalho, para chegar cedo na pensão e evitar o mau humor da dona. Mas um dia fora obrigada a ficar mais uma hora, para terminar uma planta.
Quando terminou, achava que fosse a única pessoa que sobrara no prédio. Não era.
Suichi também saía naquele instante, não a percebera ali. Ia chamá-lo, mas desistiu ao vê-lo se aproximar das árvores em atitude muito suspeita, olhando para os lados. Decidiu se esconder e descobrir o que acontecia.
Viu o pequeno youkai descer da árvore onde costumava ficar. Suichi sorriu-lhe e se inclinou, depositando um rápido beijo na boca do outro, que recebeu de bom grado.
"Ora, ora. O youkai é amiguinho do ruivo,
que lindo! Você é bem inocente, não é Suichi?".Esperou
um pouco e seguiu seu próprio caminho, divertindo-se com a recém-descoberta.
"As meninas não tem chance, mesmo. Coitadinhas!", pensou ao lembrar-se
das inúmeras meninas que davam em cima dele. "Isso pode ser útil...".
Lá estava ele de novo, esperando a raposa sair do seu empreguinho de ningen. Não entendia esses hábitos estúpidos. Ficar confinado a um terno e a quatro paredes o dia inteiro, para poder sobreviver no Ningenkai.
Para falar a verdade, nem deveria estar ali. Tinha de trabalhar na fronteira, tirou alguns dias de folga, mas acabou abusando. Não conseguia ficar longe de Kurama por muito tempo.
Franziu a testa, aquele ningen loiro, de novo. Era sempre o primeiro a sair. Pudera observa-lo melhor, e o resultado foi além da primeira impressão. Seus cabelos tinham uma cor que nunca vira antes, pareciam fios de ouro, era um belo espécime de humano. Divertia-se olhando-o, talvez por achar que não havia ninguém por perto, cantava, falava sozinho, brincava com uma pedra, etc.
Hiei desviara um pouco o olhar do ningen, atraído por um pássaro que pousara ao seu lado. Quando voltou para o seu foco de atenção, ele havia desaparecido."Não é possível, foi só um instante, onde ele está?", olhava para todos os lados, procurando-o.
- O seu amigo vai demorar hoje, hora extra.- Yuri surgiu do nada e sentou-se ao eu lado.
Hiei olhava atônito, não acreditando no que via.
- Quê foi? Ei!- agitava a mão na sua frente- Tá vivo?
- Você...eu...você estava lá...agora tá aqui...e...
- É. Qual o problema?
- Qual o problema?- gritou- Foi em questão de segundos!
- E daí? Isso prova que eu não sou só um ningen engraçadinho.
- Como?-olhava-a incrédulo.
- Relaxa. Resolvi te fazer companhia, não se importa? Afinal o lugar é público.
- Faça o que quiser- deu de ombros.
- Beleza!
Ficaram um bom tempo em silêncio. Com um suspiro, Yuri tirou um pote da mochila. Começou comer , sendo discretamente observada por Hiei.
-Quer?- falou de repente, dando outro susto em Hiei. Mais uma dessas e ele morre do coração!
- Que é isso?- cheirou o conteúdo do pote.
- Trufas, são feitas de chocolate, uma delícia. Uma amiga minha e de Suichi as fez, só que tem muitas. Comi bastante, pode comer tudo se quiser.
Desconfiado, Hiei deu uma mordidinha. Logo estava devorando tudo.
- Calma, é gostoso, mas não exagera. Come devagar. Qual o seu nome?
-Não interessa.- falou de boca cheia.
O silêncio caiu de novo entre os dois, mas foi quebrado por Hiei, assim que terminou de devorar os doces.
-Há quanto tempo me descobriu?
-Desde o meu primeiro dia que vim aqui.- lambeu o dedo e limpou os cantos da boca de Hiei, que tentou se desviar- Deixa eu limpar, ta sujo de chocolate!
-Não é possível, nunca notei nada.- parou de se mexer.
-Ora, isso não quer dizer nada.
Hiei se levantou, puxando a espada da bainha, apontando-a para Yuri.
-Quem é você afinal?
-Não sou inimigo- falou calma- Opa, tenho de ir, seu amigo vem aí.-pulou da árvore com uma destreza incomum.
-Espera!
-Nos vemos outro dia!- acenou de longe.
Kurama estranhou ao ver Hiei de pé na árvore com a espada na mão, olhando para o outro lado. Não havia nada lá, o que acontecia?
- Hiei?
- Hã?
- O que foi?
- Nada.
- Nada? Então porque a espada?
- Esquece.
Inclinou-se para beijar seu koibito. Franziu a testa, voltou a beija-lo.
- Quê?- perguntou Hiei ao vê-lo passar a língua nos lábios.
- Senti um gosto de chocolate.
- Peguei um na sua casa e comi agora a pouco- mentiu.
- Ah!Tem chocolate em casa?
Voltara muitas vezes para "conversar" com o koorime. Parecia uma criança emburrada, sabia lidar com esse tipo. Não havia conseguido nada, nem o seu nome. Mas pelo menos quebrara a sua indiferença, com ajuda, é claro, dos doces que Ami, uma colega do escritório, trazia toda semana.
Já com Suichi ia bem, talvez fosse fácil conseguir o que queria, a despeito do que Charlie havia dito. Charlie era um youko com que havia feito amizade, há dois anos atrás. Era meio trapalhão, mas tinha sido útil ultimamente. Graças a ele, começara essa procura. Claro que aquele nome fora ela que lhe dera, o verdadeiro era muito complicado!
O negócio era conquistar a confiança de Suichi, ainda mais se ela for mesmo o perigoso e lendário youko.
- Yuri, olha o que eu lhe trouxe hoje!
- Oi, Ami!- pegou o pote que lhe era oferecido.
- Você diz que adora tanto os meus doces que eu resolvi trazer torta de maçã dessa vez!- disse toda entusiasmada.
- Jura? Eu adoro maçã!
- Experimenta para ver se eu acertei na canela.
- Uma delícia! É uma ótima cozinheira, aposto que daria uma esposa perfeita.
- Que é isso...- encabulada, sentiu as faces queimarem diante do elogio.
Kurama se aproximou assim que a moça saiu, apressada. Colocou a mão no ombro de Yuri.
- Cheirinho bom, o que ela te deu?
- Torta de maçã, quer?- ofereceu-lhe.
- Um pedacinho. É, realmente, ela cozinha bem.
- Tem bom coração também, merece alguém que lhe faça feliz.
- Você se candidata?
- Eu? Olha para mim. A não ser que ela mude de preferência sexual.- disse num tom zombeteiro.
- Não seja cruel.- esquecia sempre de quem
Yuri era.
Encontrara Hiei, já no apartamento onde morava sozinho. Atirado no sofá, em frente à tv. Foi só se aproximar, e o koibito levantou a cabeça para receber o costumeiro beijo da raposa.
Kurama encerrou o beijo de forma brusca e olhava-o raivoso, retorcendo os lábios. A ficha caíra.
- Que foi?
- Pode dormir no sofá mesmo ou ir embora.
- Como é?- Hiei o seguiu até o quarto, mas a única resposta foi o bater da porta.
Kurama se sentia duplamente traído.
Quando chegou no escritório, no dia seguinte, Yuri já trabalhava em frente ao computador, com os fones do rádio no ouvido. Caminhou decidido até ela, postando-se atrás da cadeira.
Yuri não sentiu a sua presença, até que lhe tiraram os fones. Olhou para cima e encontro Kurama, com uma cara de poucos amigos.
- Oi, Suichi! Chegou cedo.
Kurama girou sua cadeira com tanta força, que teve de se segurar para não cair. Ele abaixou-se até ficar com os narizes quase encostados. Nunca vira aqueles olhos tão assustadores, parecia conter um ódio a todo custo.
- Sabe, Hiei tem o péssimo hábito de não escovar os dentes depois de comer. Assim deu para perceber que ele comeu uma certa torta de maçã, ontem. Não é uma coincidência agradável?- lançava faíscas pelos olhos.
- H-Hiei?-encolheu-se.- Oh-oh!- exclamou percebendo de quem se tratava.
Pelo canto dos olhos, Kurama viu que havia entrado mais pessoas no escritório, que os olhavam intrigados. Recompondo-se, olhou-a de soslaio.
- Me espere depois do expediente, tenho um assunto importante a tratar com você.- e foi-se para sua escrivaninha.
Yuri continuava do mesmo jeito que a deixara. Depois de alguns segundos, percebeu, com embaraço, que a olhavam.
- Que foi? Nunca viram? Não vão trabalhar, não?
- Parece que a noite vai ser loonga! He,he!- quem fez o comentário era o gozador do escritório, sempre tinha um.
Yuri praticamente voou para cima dele, agarrando-o pelo colarinho.
- Repete se for homem!
- Pêra aí! Você é esquentadinha, hein! Sabe, cheguei a pensar que jogava no outro time, os dois! Mas não é o que parece...
- Ora seu...- apertou-o ainda mais na parede e fechou o punho.
- Vai em frente!
Levantou o punho, mas logo o abaixou. Esquecera
das pessoas em volta deles, um bando de curiosos. O soltou, ruborizada
de raiva.
Incrível! Estava obedecendo às ordens de alguém, nem Koenma conseguira isso dela. Podia ter ignorado completamente e ido embora, mas se sentia na obrigação de dar uma explicação a Suichi. Mesmo estando brava como estava.
Ocupava-se brincando com uma bolinha de borracha, enquanto esperava, na penumbra da sala. Assim que o lugar esvaziou, Kurama puxou uma cadeira, sentando-se à sua frente. Continuou a brincar com a bolinha, sem encará-lo.
- Pode começar a falar, não se dê ao trabalho de negar ou mentir.
- ...
Kurama esperou uma eternidade pela resposta, mas ela continuava ignorando-o. Até que perdeu a paciência( coisa que raramente acontecia, mesmo com Hiei).
- Pára! Está ma irritando!- ela parou instantaneamente, mas ainda estava muda e sem encara-lo.- Porquê não responde?
- Você me constrangeu na frente de todos, não tinha o direito de fazer isso.
- Não tinha? Eu...eu me sinto traído!
- Não por mim! Já lhe passou pela cabeça que eu soubesse de alguma relação entre vocês dois?- tremia de raiva.
- Na verdade, não.- estava confuso.
- Ótimo! E chega aqui me atacando, me fazendo passar vergonha! Era o seu colarinho que eu deveria estar agarrando!
Kurama relaxou, sentindo-se aliviado.
- Então não sabia nada sobre nós?- disse com a voz suave.
- Para falar a verdade, sabia sim.
- Quê??????
- Não seja precipitado, Suichi! Ouça primeiro que eu tenho a dizer, depois pode até me bater se quiser.
Contou-lhe o que houve entre os dois, menos, é claro, de seus verdadeiros interesses. Era tudo tão inocente, que Kurama acabou se convencendo que era paranóia sua.
- Achei que ele havia lhe contado. Como eu vi que era seu "amigo", achei que pudesse fazer amizade. Adora tanto doce que eu resolvi trazer os da Ami, fiz mal? Não deveria me meter, né?
- Não, sem problemas. É bom fazer amigos, você deve estar se sentindo só nessa cidade...
- É...- na verdade estava acostumada a ser sozinha, mas era uma desculpa boa para a situação.
- Tem algo que não se encaixa nessa história.
- O quê?- riu nervosa.
- Uma pessoa normal nunca perceberia Hiei ali, você sabe o que ele realmente é, um youkai.
Em resposta, Yuri estendeu um cartão. Seria melhor que soubesse, antes que sua vida se complicasse de vez.
- Uma carteira de identidade? Ei, eu tenho uma igual! "Detetive Espiritual, Classe A".
- Se duvidar da autenticidade, pergunta para Koenma, ele vai confirmar.
- Sabia também que eu era um detetive...
- É fácil reconhecer um, pelo menos para mim.
- Porque não disse antes?
- Para quê? Eu não sou encarregada dessa região, não achei necessário me identificar.
- Tive uma idéia! Vou ter uma reunião amanhã com o meu grupo, vem comigo. Pra se enturmar, eles são divertidos.- voltou a sorrir-lhe como de costume.
- Não sei, vou incomodar.
- Não vai, não. Eu insisto.
- Certo, obrigada.
- Ai, não!
- Que foi?
- Eu briguei com Hiei ontem, ele deve estar bravo comigo! O que eu vou fazer para resolver esse mal-entendido com ele? É um cabeça dura!
- Deixe que eu resolva, é o mínimo que eu posso fazer.
- Sério? Ele também vai amanhã, tenta falar com ele.
- Não vai ser tão drástico assim.
- É porque não o conhece direito. Então está combinado, nos encontramos aqui, te levo de carro.
Partiam cada um para o seu lado, quando Kurama a chamou.
- Ah, Koenma vai estar lá! Tchau!
- Quê???- "Eu tô frita!"
CONTINUA