Descobertas
 
 
Por Astásia
 
 

Capítulo 5 - Sonhos de Raposas   



 

"Baka!!" - O rosnado duro de Hiei me desperta. Está me segurando firme, mas cuidadoso, e sua expressão é meio de desprezo, mas há ironia, e é ela quem me diz que está tudo bem conosco. Onde estamos? Olho ao redor e vejo que é num parque, uma praça vazia, perto de onde desmaiei. - "Essa sua mania de não comer direito..."

Preocupado comigo? Sua mão pequena corre, molhada, por meu rosto. Ele me segura, sentados na beirada do chafariz, e tenta me animar com esse gesto.

"Estava chorando de novo? Vai ser mais um segredo seu?" - Ciúmes de novo. Ele se incomoda quando não digo o que me entristece, mas ele me entristece mais quando tenta arrancar a verdade de mim. E Hiei nunca fala nada sobre si!!...

"Você estava me seguindo, ora essa." - Claro que quero matá-lo por estar andando atrás de mim, seguindo meus passos, mas também sou grato por ter me tirado do meio da rua. Tento não descontar minhas iras sobre meu pequeno youkai de fogo. Ele é doce, quando quer, amável, e mesmo quando é cruel comigo... É mais um motivo de que eu o ame. Ë ele quem me faz esquecer da loucura que minha vida se transformou. E foi por sua causa, Hiei, se eu não houvesse tido o pensamento de vasculhar aquelas prateleiras, isso jamais estaria acontecendo.

Ele não responde. Continua reclamando, e comenta que há dois dias que não como nada, que não sou mais um Youko, que tenho necessidades como as dos ningens idiotas, etc. Soa como uma tia velha. Meus olhos ardem. Deixo sua mão passar sobre eles, molhada, de novo. Alívio. Em seu abraço, conforto.

"Ninguém o conhecia realmente."

Era o que eu pensava. Ninguém conheceu Shuichi Minamino realmente, e o mesmo se passa agora, comigo. Ninguém nos conhece de fato, e pela mais desgraçada das coincidências, até o mesmo nome, nós dividimos...

"Você descobriu o que queria?"

"Hiei..."

"Descobriu?"

"Eu... Hiei, um fantasma já falou com você? Você é um demônio, eu também. Mas... isso acontece com você?"

Há uma surpresa sincera em seus olhos vermelhos, agora arregalados. Ele pensa, gira os olhos para cima, me afasto dele para olhá-lo de frente.

"Aconteceu com você, no cemitério, não?"

"Aconteceu." - Confesso. Meu rosto cora, mas não deixo de encará-lo.

"Eu esperava que me contasse, mas eu percebi."

Hiei me abraça. Forte, muito. Sufoco com prazer em seu beijo. Quero voltar para casa. Ele me leva, sem falar mais nada.
 

__________

 

Raiva. Tenho raiva da minha fraqueza. Hiei me forçou a comer, e isso me faz sentir mais forte, mas a raiva... Ela também está mais forte. Ele me olha, frio como pedra, quando ando pela cozinha, sentado na beirada da mesa, balançando os pés em suas velhas botas (Juro, Hiei, se este pesadelo acabar, você vai ganhar botas novas! E eu vou lhe dar umas palmadas se não as usar...!!).

Ilumine meu caminho.

Quem disse isso?

Eu ouvi isso. Ouvi em um pesadelo de Youko, que sempre achei que fosse resultado da bebedeira daquela noite, a noite em que comemorei alguma coisa, eu ainda tinha Kuroune, mas dormia sozinho, cansado de sua presença, eu sempre o expulsava com muito pouca gentileza da minha cama. Corro para longe de Hiei, literalmente. Ele não se move. Ele sabe o que está havendo comigo, talvez não entenda, mas sabe. Não deu a mínima opinião sobre o que fui fazer no cemitério nem na casa de meu avô. Quê importa? Era só um sonho de raposas...

Entro no quarto de minha mãe, de novo. Subo em uma cadeira, e torno a investigar o armário. Mais pó.

Ninguém nunca o conheceu. Mas eu, sim. Seus olhos tão verdes e tão tristes... E o que ele me pediu. Não posso insistir no mesmo erro mais uma vez!!!

Acho a caixa, um pouca mais acessível que da última vez. Uma força palpita nela como palpitava no quarto dele, viva demais, presente demais. É verdade, ninguém o conhece. Vou com ela para o meu e tranco a porta por dentro, tirando a conclusão absurda de que isso impediria Hiei de arrancá-la da moldura, se ele sismasse de achar ter algo errado comigo. Mas é importante para mim. Vai fazer a diferença entre a minha culpa e o meu alívio.

Derramo tudo sobre a colcha. Eu me vejo mais uma vez, um retrato mórbido do que serei. Se eu viver tanto para isso... Seguro a em que Suichi mais se parece comigo. Ele se parece comigo, mas não se parece com mais nada nesse mundo, mas se parece com algo que conheço de outro. Um calafrio por minha espinha. Não, de novo não!! Se eu fingir que nada acontece, sei que tudo vai ficar ainda pior, e a culpa, pior que qualquer demônio, vai me fazer enlouquecer, se é que já não enlouqueci, tirando as conclusões sem pé nem cabeça que estou tirando, e me percebendo não mais sozinho como estou me sentindo. Ele, seu fantasma coberto de sangue que desliza em linhas por seu rosto calmo, está alí, quando ergo o rosto, percebendo o vulto que surge do nada na minha frente.

Hiei me chama . Estou aqui há muito tempo. Olhei por muito tempo para a mesma fotografia, buscando semelhanças que, se pensasse melhor, eram loucas demais para serem encontradas. Não é possível!! O que estou fazendo?! O QUE ESTOU FAZENDO?! O QUE ESTOU PENSANDO???

E Shuichi estende sua mão para mim. De novo!! Estou indo em sua direção, mais uma vez, mas ele não desaparece no ar, nem me deixa. Não consigo nunca me aproximar mais dele, até abracá-lo, até tocá-lo, sentir que ele talvez esteja vivo, e que finalmente tenho uma família de verdade, que minha mãe não vai mais chorar quando ouvir aquela música que embalou a primeira dança dos dois, que eu não tive só um pesadelo quando ouvi aquele pedido desesperado, no Makai. E que esse fantasma seja a primeira boa recordação daquela vida que ainda seja real...

"Kurama..."- Ele diz meu nome e olha para a minha cabeça. Sinto uma mão imaterial em meu cabelo. - "... Já descobriu quem eu sou?"

"Shuichi, eu... Pai..." - Sua mão pousa de leve, irreal sobre meus lábios. Numa branda censura, ele sorri, entre a atrocidade de sua visão. No corredor, a voz de Hiei me chama com mais urgência. Me sinto um filhote, e essa sensação é tão familiar, perto dele... Familiar e logo depois, amarga como fel. Sim, eu descobri, mas não acredito. Só falta uma certeza para que eu me alegre!!

"Não, Kurama. Eu já lhe ensinei o meu nome..."

"Não, não me ensinou." - Suas palavras me assustam, mas ele não é mais assustador como antes.

"Ensinei quando você voltou, quando sua mãe o trouxe para mim e ela fêz aquilo com você..." - O verde dos seus olhos é tão ausente... Do que ele está falando?!!!

"Mas..."

"... Eu pedi a sua ajuda quando eu precisei, e eu estive alí, quando você precisou de mim. Você só tem de fazer de novo, filho!... Sabe o que tem de fazer. Eu não posso dizer...!!" - Diz isso e seus lábios quase não se movem. São palavras que entram em minha carne, e a recordação, agora eu sei, esse reconhecimento, é maior que esta existência nigen, e a surpresa que tenho quando descubro que sei do que ele está falando é tremenda, como é tremendo meu medo de tentar adivinhar a resposta...

"Seu nome..."

"Diga, filho. Vai se lembrar da música... Kurama..."

"...Sendai..." - Um sonho de raposas, minha mente grita. De uma raposa idiota como eu, agora, fraca e sonhadora.

"...Ilumine meu caminho."
 

__________

 

Um chute de Hiei escancara a porta, me arrancando de tudo. Estou parado olhando para o vazio, e depois, eu me volto para olhar para ele, não sei se feliz, não sei se triste. Mas agora, há uma sensação de que está tudo por ser acabado. Acabado por mim, o que foi começado por ele.

Ninguém pode me ajudar.

Eu não sei a resposta, mas sei que tenho que acreditar nela, seja qual for.

Hiei está hilariante, parado, com o punho enfaixado em riste, como se o dragão fosse mostrar seu fogo à qualquer instante. Guardo minhas risadas para depois. Acho que vou ter de apertar os parafusos das dobradiças da porta, depois dessa invasão. Ele me olha como se estivesse decepcionado em não achar nenhum youkai pervertido no meu quarto, tentando rasgar minhas roupas com os dentes. Conserta a postura, passando as mãos pelos lados da roupa, esticando o tecido, olhando em torno.

"Você não está precisando de mim, pelo visto." - Desdém em cada palavra, o mais mal-fingido desprezo de que ele é capaz...

"..."

"Você descobriu algo que deve ter te magoado muito, não? Foi naquela noite? Eu sinto muito por você, Raposa. Eu queria ficar, mas..."

"..."

"Eu tenho que voltar para o Makai, agora. Eu...saí de lá deixando a Mukuro falando só."

Finalmente uma boa notícia. A cadela, desprezada... !! Me atiro em seus braços, e ele me recebe sem se queixar. Mando que ele vá, que tem suas obrigações e que não é obrigado a tolerar nenhuma loucura minha. Juro que vou ficar bem, e esperá-lo na cama, logo mais à noite, que vou me comportar e comer o jantar todo (E quando digo isso, incluo os legumes em meu juramento).

Com aquele olhar desconfiado, ele vai para a janela, sentar-se na beirada, mas calo sua última pergunta com outro beijo.

Ele vai, e me diz sem palavras, como fêz antes, que tudo vai acabar bem, que minha dor, embora ele não a entenda, vai passar.

E eu acredito.
 
 

 
CONTINUA....