In
the howling wind comes a stinging rain
See
it driving nails into the soul of the tree of pain
From
the firefly, a red orange glow
See
the face of fear running scared in the valley below
(...)
No
vento uivante vem uma chuva punjente
Veja-a
correr as unhas sobre a alma da árvore da dor
Do
fogo que voa, um brilho laranja vermelho
Veja
a face de medo dos que correm assustados pelo vale abaixo
(...)
(“Bullet
the Blue Sky” – U2 – Álbum “The Joshua Tree”)
Entre
o amargo em seus lábiossecos
e finos, ela tentava inutilmente, débilmente, antecipar a doçura
de uma vingança.. Aaaahhh, soldados incompetentes e superticiosos!
Nenhum queria aventurar-se pelos bosques negros e pantanosos, com suas
nuvens de mosquitos famintos e monstros em forma de troncos de árvores,
alí, naquele maldito lugar em que a aberração se escondera.
Não se faziam mais soldados como antigamente; não havia mais
neles, nem em seus espadachins ou até mesmo em seu capitão
da guarda um mínimo da fibra de seus antigos generais. Não
confiaria nunca em nenhum deles, como um dia confiara em seu capitão
da guarda. Mas até ele.. Até ele teve seu momento de fraqueza,
até mesmo ele, se conselheiro de guerra...
Além
dos campos escurecidos, trêmulos do fim da tempestade que tremera
os céus naquela noite, que via além da sacada de sua fortaleza
negra, lustrosa, a imensa construção biomecânica arquitetada
por Genkai em seus últimos momentos de sanidade, Mukuro via as ruínas
daquele templo, agora, não mais que pedras enegrecidas e estacas
chamuscadas, apontando para um céu de tormenta. Quanto tempo, ela
se perguntou. Há quanto tempo que ela não passeava pelos
corredores de sua própria fortaleza sem medo de ser assassinada?
Sete meses. Sete longuíssimos meses sem seu melhor assassino, o
dono de todos os segredos de cada detalhe mais sórdido de seu sistema
de governo. Sete meses sem seu capitão da guarda, aquele que poderia
ter morrido por suas mãos, e ele ousara, ele se atrevera a ...
Os
dentes de Mukuro rangiam, seu único olho faiscava de ódio,
enquanto o outro ajustava-se a distância, com um chiado baixo de
máquina. Ela havia sido tão dona de soldado tão leal
que não admitia que sua morte fosse por qualquer outra forma que
não a ordenada e executada por ela mesma. E no entanto... nem haveria
agora como vingar-se dele.
Mas
haveria de achar um modo de se vingar daquela aberração vermelha.
No
entanto, seu capitão... Ele agora estava confortavelmente morto.
A sete palmos de terra. Haviam sete meses.
E
ainda haveria de vingar-se de quem a fazia recordar-se disso tudo...!!
__________
Seus
olhos estavam fechados e seu rosto era firmemente seguro entre mãos
largas e quentes. As mãos multiplicavam-se, esfriavam, e quando
abria seus olhos, via os corpos de todos a quem matara, espalhados as seu
redor, sobre ele, junto a ele, enrroscando-se como serpentes frias e fétidas,
aquela carne de rigidez incomum, dedos de esqueletos de ossos limpos e
branquíssimos puxando-o pelos cabelos. Mas não havia assassinado
aquelas pessoas, nunca as havia visto. Quanto horror via ao seu redor,
e seu nome, sussurrado muitas vezes no meio de guinchos terríveis,
chamando-o de volta para um misterioso lugar do qual jamais deveria ter
saído, arrancando-o de um outro no qual nunca deveria ter estado,
e mais uma vez, alto como nunca, e em suas mãos, novamente aquela
mão viva, de dedos quentes e reconfortantes enlaçava-se aos
seus, e então, chamava seu nome de novo, mais alto, tão alto
que sentia seu peito vibrar de alegria e de todas as coisas boas que nunca
sentira, e aquela cortina sedosa de cabelos sobre seus olhos, fazendo com
que os fechasse novamente, quando imaginou que estivesse a salvo, unhas
poderosas rasgaram sua carne, abriam caminho aos rasgos por seu peito adentro,
e ele via, seu coração, vermelho, pulsando em silêncio
absoluto, total e esmagador, sobre a palma daquela mão antes tão
acalentadora, cujo dono agora perdia-se na escuridão...
Ergueu-se
do chão de uma única vez, contendo aquele grito com ambas
as mãos, os olhos muito arregalados mas sem enxergar bem aonde estava.
Estava tudo claro ao seu redor, entre as fendas daquela rocha, mas ainda
as sombras, quaisquer sombras o assustaram. Qualquer farfalhar de folhas
tinha a capacidade de assustá-lo agora. Tudo o apavorava após
aquele pesadelo e nem sequer se sentia capaz de reagir a nada, e tampouco
deixar de sentir medo até de se encontrar sozinho. E onde estava
o menino de lábios pequenos, onde ele estava que não percebia
na palpitação de vida da mata ao redor? Kurama tremia tanto
que não sabia se poderia ficar em pé, abraçou-se com
força, dizendo-se que estava tudo bem, que não havia o que
temer, que era somente um sonho de plantas, que era somente um sonho de
uma vida que não lhe pertencia.
Estava
todo frio, a frieza de sua pele o incomodava, ainda era dia, e sabia que
não estava mais tão longe de casa, e nada disso conseguia
tranquilizá-lo, começava a afligí-lo todo tipo de
pensamento angustiante, todo tipo de mau pressentimento criado nada mais
do que por sua própria mente inquieta e confusa. A floresta estava
ficando mais escura, o sol sumira e não adiantaria tentar se aquecer
sob ele. E Hiei? Sim, o nome era esse... Ele sumira do seu lado, e havia
pedido tanto que ele não se afastasse, havia prometido tantas vezes
que cuidaria dele, e que ele ficasse somente alí, ao seu lado, enquanto
ele dormia um pouco, e jurava mais uma vez que não tocaria-lhe um
dedo...
“Hiei!!...”
– Chamou, baixo, com medo até de por seus pés descalços
sobre a terra úmida e escura, cheia de folhas secas misturadas aos
tufos de capim que brotavam ao redor daquelas rochas.
Não
houve resposta. Kurama também não escutava o canto de pássaro
algum, movimentação alguma, a não ser um fraco farfalhar
de árvores, e nem via as borboletas.
“Hieeeeeiii!!!”
– Kurama tornou, um pouco mais alto agora, seus maus pensamentos agora
tendo como protagonista Hiei. Imaginava-o no mínimo morto, e esse
temor o fêz esquecer dos outros e colocar-se de pé. A mata
fechada estava mesmo mais escura, a chuva voltaria a cair em breve? Era
difícil dizer, o céu raramente estava limpo, a não
ser pela manhã, era sempre assim, escuro, tempestuoso... Mas algo
lhe dizia que devia se preocupar, sim, com Hiei, ele poderia precisar de
ajuda, ele talvez houvesse ido embora, poderia se machucar, poderia morrer,
poderia... deixá-lo sozinho.
Caminhou
hesitante para entre as árvores, sua aflição lentamente
tornando-se maior e mais palpável, e isso o fêz contrair seu
youki o mais que poderia,e silenciar
seus passos o mais que conseguia, tentando não fazer as folhas estalarem
tão alto, mas qualquer mínimo ruído parecia que ecoava
por todo o bosque, e não mais chamava pelo nome de Hiei. Ele era
tão real agora, sua querida flor de fogo era real, não era
um sonho e nem era um delírio seu, havia beijado aqueles lábios
pequenos, havia abraçado-o como se ele fizesse parte de sua alma,
e não queria perder isso, por nada de nenhum dos três mundos.
__________
Como
eu pude esperar que ela me ajudasse? Ela é louca!! Meu Deus, eu
não quero acreditar que teria sido melhor deixá-la naquela
prisão... Mas Genkai era a única que conhecia o projeto além
de mim e de Yomi. E quando eu espero ajuda, o que eu descubro? Que ela
conseguiu fazer algo tão terrível quanto eu mesma fiz! Aquela
coisa, aquele menino... negro, completamente negro... tanta raiva... aqueles
olhos tão vermelhos... Quando eu o vi pensei no que eu mesma fiz,
na semente que eu também plantei. Ela está certa, eu plantei
a semente de um demônio. Eu jamais deveria ter aceitado quando Yomi
veio naquela noite. Eu jamais deveria ter aceito quando ele trouxe aquela
rosa...Aquele menino... Não consigo parar de pensar nele... Tanto
ódio por Genkai.... Kurama também deve me odiar pelo que
eu lhe fiz, ele tem de me odiar se parar para pensar nisso por um instante
sequer. Eu não deveria ter feito isso a ele, nenhuma de nós
deveria ter feito isso a estas crianças! Eu matei o meu filho, a
minha primeira rosa a desabrochar! Eu matei esta flor também! Eu
sinto o frio de mais uma chuva se aproximando. Essa chuva é que
vai lavar o sangue do meu filho que está sobre o chão desta
floresta? Essa chuva vai lavar a minha culpa? Essa chuva vai lavar as nossas
lágrimas, Kurama?
“Onde
pensa que vai, nigen?” – Genkai surgiu de repente a sua frente, pondo-se
entre Shiori e a floresta fechada, onde se via nos troncos das árvores
e pelo chão revolvido, uma trilha de madeira e folhas queimadas,
como se os passos que foram dados naquele chão fossem de puro fogo.
A
mulher segurava algo entre as mãos. Numa delas, saindo de entre
seus dedos, Shiori via que era terra, somente terra, escura e úmida,
e na outra, não podia saber, seu punhos estavam cerrados junto ao
peito. Ela sorria de um modo estranho, seus dentes brancos pareciam subitamente
ameaçadores, seus olhos muito abertos, muito atentos a cada movimento
dela.
“Saia
do meu caminho. Kurama tinha razão, eu não preciso de uma
louca como você. Nunca me ajudou. Não saberia me ajudar.”
– Ela estava intimamente desesperada, não sabia o que iria fazer
agora, mas só sabia que não queria ficar perto daquela mulher
louca. Poderia fazer qualquer coisa neste momento: poderia matar com as
mãos nuas, poderia achar o caminho de volta para fora da floresta,
sozinha, e enfrentar toda uma tropa de soldados, poderia desafiar pessoalmente
a vontade do Rei Yomi, poderia fazer tudo isso, somente por uma única
coisa: seu filho, e por ele, Shiori vasculharia toda aquela floresta, para
acha-lo, vivo, e se o achasse morto, o vingaria. Sim, vingaria-se mesmo
que morresse por isso. Agora, ela era uma mulher sem absolutamente nada
a perder.
“Não
vou sair do seu caminho, eu estou nele desde quando você cruzou a
fronteira deste mundo, Shiori. Não me subestime.” – Aquele riso
estranho mais uma vez. Quando Genkai fazia aquilo, aquele ranger de dentes,
Shiori sabia que algo de terrível poderia acontecer.
“Não
estou subestimando. É a verdade: você mal sabe lidar com o
que criou! Você criou um monstro!” – Sua voz se elevou, ela inteira
parecia ter se elevado, se houvera alguém que o fizera, fora Genkai
mesma, que subestimara o amor de Shiori por sua criação.
“E
você??? Veja o que você fez! Negue que também não
treme só consigo quando ele olha nos seus olhos! Negue que não
teme pelo que ele pode se tornar! Pelo que ele é!!”
“Ele
é meu filho!” – Sua voz, tão firme e inquestionável
fez calar Genkai, que recuou um passo, mas não saiu da frente dela.
Um
instante de silêncio. Tensão. Não havia sinal de que
a chuva viesse realmente. Não havia sinal d que houvesse algo de
errado acontecendo ali, mas havia e Shiori melhor do que ninguém
sentia sua culpa por aquilo tudo. O orgulho do que fizera estava completamente
morto desde que vira a criatura que Genkai criara, empunhando aquela espada,
sua pele escurecendo em todas aquelas finas espirais, como se ela houvesse
visto óleo se misturando à água, aquele menino, preso
contra a vontade a uma prisão que era aquela existência. Não
afastava de si a idéia de que seu filho também se sentia
assim. Ele não pedira para viver, talvez sua raiva fosse até
maior...
“Eu
também chamava assim para aquela coisa que nos perseguiu quando
me tiraram das masmorras de Mukuro.” – Ele riu, numa gargalhada alta de
deboche, seu cabelo desgrenhado flutuando ao redor do rosto transtornado.
O
estômago de Shiori se contorceu dolorosamente, e ela teria vomitado
ao escutar aquilo, se não estivesse com o estômago vazio.
Revoltante. Repugnante. Odioso. Da mesma forma era tudo o que já
vira que fora feito por Genkai; odioso como ela própria.
Shiori
a empurrou para o lado, usando toda a sua força e quase derrubando
a cientista renegada.
“Eu
mandei sair do meu caminho!!” – Disse entredentes, sem crer que Genkai
havia comparado aquela besta a Kurama. Não acreditava que um dia
arriscara seu pescoço para salva-la...
Já
ia pela mata adentro, mal havia dado os primeiros passos para procurar
seu filho quando escutou seu nome ser chamado, num arfar de fim de riso,
nervoso e tenso. Ela se voltou por um instante, mas o choque do que viu
foi tão grande que não conseguiu desviar o olhar e tampouco
continuar a andar. Era algo tão repugnante quanto as piores baixezas
que poderia cometer contras as leis da natureza, e era exatamente disso
que se tratava:
“Diga
para a sua querida aberração vermelha que em ele terá
companhia para brincar...”
Em
que disse isso, ela jogava no chão aquele inexplicável punhado
de terra, que quase se misturava ao chão da frente da casa. E com
a outra mão, aquela que cerrava mantendo o que havia nela em segredo,
atirou sobre aquela terra um punhado de sementes negras, que Shiori reconheceu
por não serem muito diferentes das que um dia estudara, antes de
escolher as rosas para seus projetos. Eram sementes de espinheiro. O que
ela pretendia?? Fazer espinheiros crescerem ao redor daquela cabana? E
quando ela achava que era tudo mais uma loucura de Genkai, a verdade, a
depravação do que ela pretendia surgia na forma de um pequeno
rato do mato que Genkai tirou do bolso de seu quimono, vivo, pequeno que
cabia na palma de sua mão, manso como são os filhotes...
E então? Então a louca Genkai simplesmente torceu o pescoço
do animalzinho, de tal modo que a carne se arrebentava, em uma golfada
de sangue que manchou seu quimono com um respingo escuro. Ele não
teve tempo de guinchar, de fazer absolutamente som algum, o único
som que cortou o silêncio entre elas foi o da carne se rasgando.
E
aquela cientista que antes Shiori tanto admirou enlouquecia definitivamente,
ou estaria afinal lúcida e consciente que havia errado mais do que
em qualquer outro momento trazendo aquele menino de olhos vermelhos de
volta a uma existência maldita? Não importava, nada importava
mais frente a mais esta heresia que ela cometia, derramando o resto do
sangue do rato dobre a terra e as sementes, fazendo tudo isto, todos aqueles
gestos macabros sem deixar de sorrir vitoriosa. E ainda deixou cair sobre
aqueles elementos tão simples, que agora tornavam-se aterrorizantes
pelo que significavam, tendo Shiori por única e quisera Genkai a
última testemunha, a carcaça do animal, o corpo separado
da cabeça.
Shiori
engoliu em seco tentando controlar o pavor que crescia junto a certeza
de que iria presenciar a cena que esperava nunca ver em toda a sua vida.
Foi o gesto mais simples que Genkai fez agora, e por sua simplicidade,
ele quis sozinho, dizer mais do que qualquer explicação.
Qualquer explicação seria amena para descrever o que Shiori
viu...
__________
Um
cheiro crescente de sangue se fazia ao redor dele, não sabia por
que pensava nisso. Tudo, todos os ambientes em que estava parecia-lhe que
cheiravam a sangue. Tudo estava inquieto, o ar estava elétrico.
O cheiro de sangue que o perseguia parecia um negro prenúncio do
inevitável. Por que adiar aquele confronto? Se era o inevitável,
que então, nem que ainda fosse somente o que ele pudesse fazer,
adiantaria aquele instante... Tudo o que haviam das margens do bosque eram
rumores, nenhum soldado de suas tropas ou das tropas de Mukuro queria entrar
naquela floresta, e os generais eram coniventes com esta vontade. Estava
farto de gente com sangue de barata ao seu redor... (Pensou em Mukuro e
no mostro que devorou-lhe a perna, quase rindo por causa disso de novo...)
“Chamem
os mercenários!!” – Ele gritou de repente, entrando de uma única
vez, esvoaçando suas negras túnicas, pela sala de reuniões
adentro. Aquela sala não se encontrara mais um único instante
desocupada desde que todas aquelas coisas haviam acontecido. Todos estavam
tensos, e não havia ninguém ali capaz de tomar uma decisão
além do próprio Yomi.
Quando
os generais que estavam a sua espera assimilaram aquelas palavras decisivas,
ditas com uma autoridade muito maior do que quaisquer outras, tentaram
argumentar-lhe de que não era uma decisão segura, uma decisão
a ser tomada daquela forma tão precipitada, e por um motivo que
não era claro.
“Não
interessa a nenhum de vocês os meus motivos! Chamem pois os mercenários!
Eu quero aquela floresta vasculhada até a última folha! Queime-a
se for preciso!”
“Queimar?
Mas... ela está em uma área de fronteira!” – O mais velho
dos conselheiros de guerra tentou argumentar.
“Ainda
que seja além da fronteira, eu o farei. Por todos os deuses, mexam-se,
ou eu o farei e então teremos uma guerra de verdade se for isso
o que falta para tirarem suas carcaças imundas da minha frente!!”
– Yomi voltou a esbravejar, esmurrando a mesa tão fortemente que
a madeira partiu-se numa rachadura fina que atravessou o mármore
polido de uma ponta a outra. Imediatamente, seus subordinados saíram
dali, dizendo uns aos outros que o Rei estava louco, e perguntando-se se
valia a pena arriscar tanto somente para ter a nigen e aquele monstro vermelho
de volta.
“Não
se iludam! Eu estou louco mesmo! Louco!! Espalhem esta notícia!!
Façam Gandara inteira saber que minha loucura ainda a destruirá!”
– Ele disse ainda, escutando os burburinhos se afastando, tentando imaginar,
de sua maneira particular, como seriam as faces apavoradas daqueles homens,
como seriam as faces preocupadas dos mercenários, no instante que
eles descessem vale abaixo...
Estava
aflito em si mesmo, não sabia como, mas o momento pelo qual mais
esperava estava perto, iminente. Yomi sentia-se posto de frente a seu destino,
como sentiu-se posto de frente a toda sua raiva, quando provou do beijo
de Kurama, o Youko, quando descobriu que o que ele achava já ter
se transformado em ódio ainda era o antigo amor, mais forte ainda,
mais louco do que ele ameaçava tornar-se para consuma-lo no corpo
daquela rosa.
Espalmou
suas mãos sobre a pedra da mesa. Imaginava se a sala estava escura
ou clara, imaginava de que cor fossem as roupas que vestia, imaginava de
que cor seriam os olhos de sua rosa.Tudo
o que ele via era uma densa treva, cortada pela visão sobrenatural
dos olhos de Kurama, o Youko, da última vez que o vira, ali, bem
ali, perto dele e tão longe, entregando-se a prazeres nos braços
de todos, menos nos dele...
“Foi
uma excelente idéia, Yomi... Eu mesma ainda não havia pensado
nisso.”
“Mukuro...
O que você está fazendo aqui? Sua visita não foi anunciada...!”
– Ele não se moveu, continuou no mesmo lugar,sentindo o frio da
pedra debaixo de suas palmas.
“Em
tempos de guerra não se pode ter tantas formalidades... E nós
temos um inimigo em comum.”
Os
ruídos das peças de metal que compunham sua nova perna deslizavam
com um chiado baixo, um rangido, quando ela andava, e ela andava ao redor
da mesa, enquanto falava, tendo como resposta somente um silêncio
de desconfiança. Se bem o conhecia, e estava enganada pensando deste
modo, ele aceitaria cada vírgula que ela dissesse.
“Por
que resolveu tomar tantas decisões assim, Yomi?... Não é
do seu feitio decidir coisas assim sem antes de convocar um conselho. Até
onde eu saiba, não foi você quem perdeu uma perna opor culpa
daquela... daquele....Bom, você sabe de quem eu estou falando.”
“Ele
tem um nome.”
“Sim,
eu sei, um nome que me enoja. Mas não me respondeu; convocar mercenários
para fazer o trabalho de nossos soldados foi uma escolha um tanto...”
“Impensada?
Sim, talvez... Eu não perdi nada com o que Shiori, a nigen fez e
tampouco com o que Kurama fez a você... “ – Ele sorriu, afinal, devolvendo
o veneno que lhe era destilado, sorrindo por cima do ombro, sentindo pela
vibração do youki que Mukuro estava agora na sacada que deitava-se
para a cidade de Gandara, que se estendia até quase o horizonte,
negra e cheia de torres e telhados pontiagudos, de pedra e aço.
Mesmo durante o dia tudo era soturno e escurecido ali. – “Mas eu sinto
que talvez venha a perder...”
“Sente?
Isto também não é do seu feitio... O Yomi de que me
recordo sempre agia pela razão, por certezas, e nunca por sensações,
pressentimentos... Não seria hora de pensar com a razão mais
uma vez? Vamos, Yomi! Esqueça os mercenários! Queime a floresta!
Ainda que chova, ainda que um oceano inteiro caia sobre ela, você
sabe que tenho magos em meu reino com poder de faze-la queimar até
as cinzas!...”
“Não.”
“Mas
você disse...”
“Não
ainda. Eu mesmo irei ao lado dos mercenários procurar pelo que me
pertence. Retire seus soldados dali, se quiser, mate-os, não sei,
mas não tente se adiantar a mim, Mukuro, ou teremos guerra, uma
guerra como nunca viu antes.”
“E
que você nunca mais poderá ver.”
“Mas
poderei comemorar a vitória. Não brinque comigo, Mukuro,
ninguém tira de mim o que eu quero. Não ouse se adiantar
a mim na busca a Kurama e Shiori.”
Mukuro
engoliu em seco, antes de voltar para dentro da sala, de repente, escutar
aquelas palavras a fêz temer por si e por seu reino. Ela dera um
passo em falso, esperava encontrar Yomi desarmado e vulnerável,
contara com a sorte em demasia. O que poderia esperar, concluiu, mais receosa
ainda de ter cometido um erro fatal, cobiçando um território
cujo rei era em ex-mercenário e assassino? Yomi poderia ser tudo,
mas ainda era o Rei de Gandara, aquele que matara Kurama, o Youko, sem
demonstrar o mínimo remorso por ter assassinado aquele que um dia
fora seu chefe. Por aquela ousadia de sua parte, ele poderia bem executar
Mukuro ali mesmo, e tomar posse de tudo o que era dela, pelas leis do Makai...
“Aliás,
você também deveria ter com o que se preocupar... Genkai está
com eles, se ela ainda quiser se vingar de você,talvez
seja esta a chance pela qual esperava. Ela nunca se conformou de ter sido
sua a ordem deexecução,
quando ela foi presa, seria no mínimo espantoso ela saber que não
foi por generosidade que você não a matou.” – Yomi fez um
gesto longo e preguiçoso, mostrando o quanto não se deixaria
afetar por meia dúzia de tentativas de coação, ele
espalhou os seus longos cabelos escuros e tão negros quanto suas
vestes sobre seus ombros poderosos.–
“Você deveria ter sido mais dura com aquele seu capitão da
guarda. Se ele não fosse tão...” – Ele riu, abertamente,
suave, perverso como nem ele sabia que poderia ser. – “... dono de seu
próprio nariz, talvez houvesse deixado o carrasco descer o machado.
Que vergonha, Mukuro... Na frente de todos os seus convidados, ele impediu
uma ordem dada por você?...”
“Saiba
que se eu ainda tivesse soldados como aquele, aquela floresta já
teria vindo abaixo, e a sua rosa, a sua demoníaca rosa... estaria
morta. Se ele ainda estivesse ao meu lado eu...”
“...Não
estaria se sentindo tão mal amada, não é?”
“Como
ousa?...”
Yomi
sentou-se, respirando fundo e percebendo que estava conseguindo o que queria,
palavra a palavra, e que o jogo que Mukuro queria jogar... Ora, as regras
daquele jogo, ele as havia quebrado todas, havia muito tempo, e não
à toa agora ele era rei.
“Sim,
eu ouso. Não sou eu quem lamenta como viúva quando deveria
lamentar como líder militar.”
“Como
ousa????!!” – Ela gritou, desembainhando a espada e apontando-a para a
garganta de Yomi, tudo em um só gesto, desfeita de ódio de
ser desafiada daquela forma, seu único olho humano faiscando.
O
que ela não daria para ter tido coragem de mata-lo de uma vez? Ela
teria dado tudo, ouvir aquilo, dito naquele momento, daquela forma... Fora
demais para seu orgulho ferido tantas vezes, sendo que uma já de
certa forma por culpa dele.
“Sim,
Mukuro... Rainha Mukuro... Eu ouso. E digo mais: é uma pena que
os mortos não voltem, Mukuro. Se Hiei estivesse aqui, eu garanto
que você se esqueceria de mim e de todas as suas ambições
de rainha para tentar ser apenas uma mulher. Mas resta uma pergunta, ainda
que os mortos voltassem... Será que ele seria capaz de amar uma
pessoa feita de aço... literalmente?”
“Seu
cego desgraçado!!...” – Ela rosnou, humilhada, cheia de ódio
por estar escutando palavras tão cruéis e tão verdadeiras,
desvendando seu maior segredo, jogando suas derrotas na sua cara sem temor
algum, seu coração sendo despedaçado por um estranho.
Mesmo sendo rei, era um estranho. Ela não deixaria mais alguém
pisar em seu orgulho, e quando forçou o peso da espada para varar
a garganta de Yomi, cega de raiva, descontando naquele gesto de desespero
todos os seus ódios e ressentimentos, tudo o que encontrou foi apenas
a maciez do encosto da cadeira em que ele estava, cedendo fácil,
cortada pela lâmina.
Olhou
para o lado, então, vendo-o em pé, como se não estivesse
acontecendo nada, ainda com o final daquele último sorriso em seus
lábios, e seu rosto voltou a ficar sério, do mesmo modo que
estava quando ela adentrou aquela sala para tentar persuadi-lo, e certa
de que o conseguiria, e acabara por ter sido mais uma vez humilhada e definitivamente
desmoralizada, e exatamente neste momento, Mukuro teve somente tempo de
sentir algo em volta dele, aquecendo o ar, inflamando, azul a princípio,
mas realmente quente, quase tão quente quanto a energia que sentia
quando Hiei usava o Dragão Negro, aquele golpe que despedaçava
o céu, mas aquela energia precisava ser conduzida com o metal de
sua espada, enquanto que o youki de Yomi... Este se conduzia somente por
sua vontade, e vinha como se de todos os lados, esmagando-a, fazendo suas
costelas se trincarem, o metal de seus membros biônicos quase derreter,
entortando suas ferragens, fervendo seu sangue a ponto de saírem
por seu olho feito lágrimas.
Yomi
não estava usando tudo o que sabia, estava usando inclusive, o próprio
youki que Mukuro tentava invocar para ataca-lo quando percebeu o que a
atingia, mas era inútil, ele poderia mata-la.
As
paredes de todo o palácio tremeram, vibraram com aquela manifestação
de poder, tudo o que era de metal sacudia-se como se fosse vivo, os seus
generais ainda tentaram seguir o caminho de onde sentiam que aquela energia
poderosa que se manifestava vinha, mas não conseguiam nem manter-se
de pé nas escadarias, e somente tapavam seus ouvidos, quando um
som de vento encanado, uivando numa altura insuportável ecoava por
Gandara inteira, arrebentando os vidros das janelas do castelo, e atingindo
uma intensidade tão grande que raios surgiam de entre as nuvens,
castigando as torres pontiagudas.
Todo
este espetáculo de horror afinal culminou em um silêncio total.
Somente quem já havia visto Yomi lutar, e eram muito poucos os que
estavam vivos para contarem de tal, poderiam dizer o que estava por vir.
E o que veio foi uma explosão que arrebentou as paredes da sala
de reuniões para o lado de fora, fazendo os vergalhões que
sustentavam a construção entortarem-se como espirais, para
fora também, suas extremidades vermelhas e incandescentes, os pedaços
de pedra e ferro voando ainda, caindo ainda, das beiradas quebradas, uma
nuvem de pó e vapor insistindo em não querer se desfazer,
apesar do vento fortíssimo que entrava agora, dada a altura em que
estavam. Foi isso o que seus generais e os soldados que acompanharam Mukuro
até o castelo do rei de Gandara encontraram quando conseguiram subir
até lá.
“Majestade?!...”
– O conselheiro de guerra chamou, crendo que seu rei estava morto, e secretamente
satisfeito por isso...
O
castelo todo, o chão, pareciam ainda reverberar pelo golpe de Yomi,
ou talvez fosse apenas a impressão que eles tinham. Essa impressão
também se devia ao uivo do vento, que repetia o uivo da energia
se concentrando, e eles, aqueles youkais que nunca temeram a batalha, agora
temiam por suas vidas. Yomi fazia agora coisas que nunca fizera antes,
estava em seu limite, e um homem em seu limite desafiaria os deuses para
conseguir o que queria... Era assim a forma que o viam, quando a nuvem
era dissipada pelo vento, e um atroz cheiro de sangue invadia o ar, Mukuro,
caída no chão, tentando fazer um último esforço
de levantar-se de concentrar-se em um golpe antes de desmaiar, ainda balbuciando
entre golfadas de sangue o nome de Yomi, amaldiçoando-o mais uma
vez.
“Sim,
me amaldiçoe. Mil vezes, eternamente se quiser. Eu me condenei,
a mim mesmo, quando eu matei um youko. Eu escolhi este caminho, e vou segui-lo
até as últimas conseqüências...”
“Nunca
terá sua rosa, Yomi, eu não permitirei!...”
“...
seja em busca da morte... Ou atrás do destino.” – Ele continuou,
mais para si, mais para qualquer um que quisesse escutar do que exatamente
para ela, como se não pudesse mais escutá-la, feito as palavras
de Mukuro só fizessem sentido para ela mesma.
“Nunca!”
– Disse antes de desmaiar, as extremidades de suas costelas quebradas assomando
através da pele chamuscada, exposta pelos farrapos queimados de
suas roupas.
“Eu
disse para que não ficasse no meu caminho”
Ele
deu as costas então, para a rainha caída no meio dos escombros,
e ficou de frente para os generais e para os soldados dela, como se o mesmo
que ele lhe acabara de dizer se atribuísse a eles também.
Todavia, não parecia-lhes que aquele fosse o Yomi de antes, nunca
haviam aqueles guerreiros o visto de tal forma impressionante e terrível.
Sua
energia ainda aflorava meio inquieta e descontrolada, que seus cabelos
serpenteavam sozinhos, a despeito de tudo, como cobras negras cortando
o ar, seus olhos abertos, completamente azuis como agora eram, eternamente
cegos, cegos para tudo... Para contemplar a beleza de seu reino, para contemplar
sua rosa, que nunca vira, mas já amava pelo que era... Mas não
eram cegos para entrever a desgraça daquele amor perdido. Suas vestes,
a túnica de seda preta esvoaçava no vento. Sua expressão
era tão determinada, dizia tudo em tal silêncio, que os soldados
que haveriam de ter chamado os mercenários imediatamente foram faze-lo,
e mais: pessoalmente. Restaram na sala, para recolher Mukuro e leva-la
as pressas de volta a sua fortaleza, somente seus homens, subitamente tímidos,
acuados debaixo do olhar cego de Yomi, que parecia segui-los, percebendo
os movimentos, até os que não tinham som algum, movendo a
cabeça naquela direção.
Quando
encontrou-se mais uma vez a sós na sala destruída, uma das
serviçais timidamente perguntou da porta, se ele desejava alguma
coisa.
Yomi
voltou-se para aquele rumo, e espreguiçando-se longamente, disse:
“Sim.
Prepare meu traje de batalha.”
“Mas...”
“Não
vai ser difícil de acha-lo. Foi com ele que eu cheguei a Gandara,
antes de ser rei.”
_________
No
mesmo instante que Gandara era sacudida pelo poder de Yomi, toda aquela
onda de choque parecia cortar a uma distância muito longe, e tal
não poupou nem a floresta que dizia-se maldita pelos soldados. Quando
aquele singelo rumor, feito um fim de trovão vibrou ali, no exato
lugar onde estava, Kurama estremeceu e parou, olhando para todos os lados,
em busca, com um arrepio de volúpia atravessando seu corpo contra
sua vontade, fazendo-o gemer longamente, reconhecendo aquilo de algum momento
que não recordava-se, mas que o fez dizer, maravilhado, enternecido...
“Yomi!”
Quando
o disse, uma urgência apoderou-se de seu ser por inteiro, como se
aquela explosão de youki fosse equivalente a uma explosão
de prazer, e já saltava para um galho, em uma daquelas árvores
altíssimas, tomando impulso de ir, deixar-se levar pelo vento e
por aquela excitação, para o rumo de Yomi, sem lembrar-se
de mais nada.
Seus
olhos arregalaram-se entre suas faixas azul-violeta, quando um relâmpago
o ofuscou, quase perdeu o equilíbrio, e segurou-se firme, quando
uma lufada de vento trouxe-lhe o cheiro de morte mais uma vez, e um temor
antigo ressurgia, como se não houvesse ficado apenas no passado.
Ao longe, entre as árvores, via que não estava longe da cabana
de Genkai agora, e que também não estava longe de ver o que
ela acabara de criar, nutrido desta vez com seu próprio youki, crescendo,
negro e lustroso como uma víscera, nascido como mais um fruto de
sua loucura, estendendo seus longos braços, que terminavam em garras
de animal, porém sem pêlos, somente brilhosos como se estivessem
em carne viva, avermelhados da cor de carne viva, tomando da terra e das
árvores ao redor mais energia para subir por entre as árvores,
levantando do chão, no rumo em que Kurama estava, seu corpo esguio,
também liso e escorregadio de animal esfolado, o caminho de suas
veias e músculos todo exposto como se ele não tivesse pele,
mas sim, um caminho de espinhos negros e pontiagudos adornando suas formas
de animal,seus três metros
de altura parecendo muito mais do que ameaçadores, sua boca cheia
de presas longas abrindo-se num ronco alto, como se estivesse chamando,
e a única resposta que Kurama escutava, não sabia como, talvez
a mata fizesse eco aquelas palavras e as trouxessem até ele posto
que ele era parte da floresta por também ser um planta, era justamente
a voz de Genkai:
“Vamos,
criança, levante-se!! Corrija o meu erro! Corrija o erro de Shiori!
Vá brincar com seus irmãozinhos!...”
E
como se ela soubesse que era ouvida por Kurama, dizia ainda, num tom de
desdém, sabia ele aos berros, que o irava, fazia sua palidez avermelhar
num tom excitado de escarlate, fazendo-o ter tanta raiva que pôs–se
em pé no galho:
“Veja,
rosa dos infernos! Este é o meu filho mais querido! Ele está
indo matar o filho mais querido de Shiori! A nigen não teve mais
sucesso em suas crias do que eu tive!”
Quê
fazer agora? Estava longe demais para poder faze-la calar debaixo do aperto
da laçada de seu chicote, estava perto demais para ficar esperando
aquela fera que estava cada vêz maior vir em sua direção.
O monstro já estava dois metros mais alto, as costas inteiras, e
todo seu dorso estavam cobertos de espinhos agora, da palma de suas patas
vinham tentáculos finos, que envolviam os troncos das árvores
por onde ele passava e elas secavam completamente, em pé mesmo,
sua seiva nutrindo aquele parasita abominável. Era chocante para
Kurama ver como ele esticava as costas agora, num gesto distorcido, um
arremedo de formas humanas começava a mostrar-se, e a palavra que
encontrava para saber o que aquilo era era a mesma que um dia usaram para
dizer-lhe o que ele era: híbrido.
A
fera soltou mais um ronco, do fundo de sua garganta, mais agudo desta vez,
e avançava cada vez mais. Desta vez, ela arrebentava com os punhos
os troncos seculares, fazendo com que tombassem sob sua busca. Os pássaros
cortavam o céu em todas as direções, fugindo, e passava
ao lado de Kurama, ele sentia as extremidades de suas asas roçando
sua túnica verde escura, que, meio aberta, um tanto querendo abandona-lo
sob o jugo do vento que castigava a floresta então, o deixavam como
uma imagem de mito, seus cabelos em chamas, tão vermelhos quanto
sua pele estava agora, atirados para trás, quando ele saltou, de
volta ao chão, agora sendo sua a vez de estar sedento de sangue.
Novamente
no chão, todo seu corpo tornou-se tenso, inflamando seu youki, mas
não o manifestando, e sim o estendendo, para que a nova criação
de Genkai se guiasse por ele e viesse logo a seu encontro. Não sabia
o que ia fazer, era claro, e ele sabia, que aquele híbrido estava
sendo capaz de tornar-se forte demais e muito rápido para enfrentá-lo
facilmente. Kurama dizia a si mesmo que não iria morre assim, que
morresse quando desabrochasse, que morresse no fio da espada de Hiei, que
morresse nos braços de Yomi, mas não pela insanidade de Genkai.
Não morreria ainda, não assim...
Melhor
do que esperar a ameaça que estava vindo, e já escutava os
galhos se partindo muito mais perto do que ainda havia pouco e sentia um
terrível cheiro de podridão em que sabia que era quando o
monstro absorvia a vida das árvores, Kurama escolheu ir naquela
direção também. Não precisava ter pressa
e tinha consciência disso. No fundo dos abismos de seus olhos, um
algo que de modo algum fazia parte de sua natureza queria aflorar, surgir,
mas ele não sentia. Não sentia além de um eco, uma
dormência por sua pele, e mesmo não percebia o chão
que pisava, sobre o qual estava correndo, não percebia os galhos
rasgando mais ainda sua túnica, arranhando sua pele em vergões
que sangravam em fios dolorosos.
A
única coisa que sentiu quando encontrou o que não esperava
foi o chão, cedendo sob seu peso, a lama das margens do rio escorregando,
levando-o a perder o equilíbrio, e a cada tentativa, mais afundavam
suas pernas na lama escura, até o ponto que seus pés encontraram
a firmeza das raízes que se trançavam alí, e deu-se
conta que mais uma vez estava agindo da mesma forma que qualquer uma das
criações de Genkai.
Aquilo
o envergonhou, pensou-se impotente contra aquele instinto, temendo pelo
que se tornaria quando afinal, deixasse de ser uma rosa em botão.
Dizia-lhe o murmúrio de nunca se calava dentro dele que fora para
ser assim que Yomi ordenara a sua mãe que o fizesse, que pelo instinto
vivesse, se guiasse, e quase, tão cheio de confusão, deixou-se
ficar no mesmo lugar.
Apoiou
as mãos mas raízes mais altas, no entanto não teve
forças para se levantar. Kurama abriu o mais que pôde seus
olhos que eram vales profundos e eternos de verde inquieto, na penumbra
de entre as árvores das margens do rio, ignorando o som da ameaça,
da mesma forma que ele ignorava este mesmo som...
Hiei
estava, no meio das folhagens, em meio aos galhos finos e escuros daquela
vegetação, imóvel como se também fosse um,
impassível. Tão quieto e silencioso quanto uma daquelas árvores,
sentado sobre seus calcanhares, o corpo jogado para o lado, solto, o obi
negro, sujo e parecendo rasgado, e seus olhos...Seus olhos... Abertos sem
nada enxergar. E seus lábios, pequenos, úmidos, entreabertos,
deixando deslizar por seu queixo um fio irisado de saliva. Seu rosto, voltado
para cima. Parecia estar em transe, parecia não perceber nada a
sua volta...
Continua.