Como Morrer Bem

 



Por Umi no Kitsune



Capítulo 1


"Como uma idéia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer."

Essa frase (sim, a frase, não a música) me inspirou para finalmente começar a escrever a fic. Eu tinha que tirar essa idéia da minha cabeça, se é que você me entende.^_^

"Pois se eles querem meu sangue, terão o meu sangue só no fim. E se eles querem meu corpo, só se eu estiver morto, só assim!"

Essa frase (de novo a frase, e daí?) me inspirou para a idéia original da fic. Não se assuste com o título e com a frase, a fic é super light!^__^
 
 
 
 
 
 
 
 

Ainda de olhos fechados, Leonardo, com a mão esquerda, toca a própria testa, o meio do peito, o ombro esquerdo seguido do ombro direito e, por fim, beija a ponta dos dedos. Suspirando ele abre os grandes olhos e mira sem expressão o céu estrelado. Um vento forte o lembra de onde ele está. Então ele se joga.

Era sempre assim.

Antes de saltar ele ignora a tudo e a todos. Apenas Deus está com ele. Seus companheiros na ponte, o cenário cinematográfico a sua volta, os carros e caminhões que passam na estrada logo abaixo, os curiosos nas janelas... tudo some. Antes de saltar é Deus e ele.

Depois de saltar é ele e o mundo.

Mais ninguém. Leonardo aproveita cada miléssimo de segundo do momento. A pressão nas suas costas, o vento cortante, o grande zum nos seus ouvidos, a paisagem girando como em câmera lenta. Todos os seus sentidos ficam em alerta, captando as mais diferentes sensações. Com vinte e um anos ele quer apenas isso da vida: desafiar a morte.

A tira de elástico que prendia seus cabelos não suporta a força do vento, e uma cortina loira acobreada tampa a sua visão. Mas por pouco tempo. Agora, Leonardo já está olhando fixamente para o chão, nessa posição seu cabelo não incomoda mais. Um caminhão acaba de passar, agora uma pick-up. Está cada vez mais perto, mais perto...
 
 

*****


 
  O garoto contorna a mesa e se aproxima estendendo os braços. Saulo o pega no colo e ajeita-o de modo que ele possa continuar a digitar. O menino apenas acena com a cabeça. Saulo desliga o computador, fecha algumas pastas, separando umas na gaveta, outras na sua maleta. Ao terminar tudo o que pôde fazer sentado e com o menino no colo, ele levantou-se e desligou a luz.

Ele apertou o filho nos braços, vendo emocionado o momento exato quando o menino dormiu. Apesar de tudo, seu atraso na saída do trabalho compensou com esse presente. Ainda muito pequeno Guilherme mantinha as mãozinhas fechadas enquanto enlaçava o pescoço do pai. Isso deixava Saulo orgulhoso de ser pai. Mesmo ele sendo um pai que não conseguiu dar ao filho uma boa mãe. É muito bom ser amado.
 
 
 
 

Depois de deixar Guilherme na cama, Saulo dirigiu-se até seu próprio quarto, pensando em tomar um banho.

Tranqüila. Assim podia definir a sua vida. Desde pequeno trabalhava na empresa do pai. Agora assumia a vice-presidência e dentro de pouco tempo passaria para a presidência. Estabilidade também seria uma ótima definição. Mas apenas nos últimos anos. Natália, sua ex-esposa, deixou um grande pedaço da sua vida conturbada. Além de um bebê com um ano e meio de vida.

Como, trabalhando do jeito que trabalhava, iria educar uma criança de um ano e meio? De novo o planejamento que sempre teve na vida, o salvou de ter de deixar seu filho nas mãos de estranhos. E dependendo dele, esse planejamento iria continuar ainda por muito tempo.

Saulo entra no chuveiro, já pensando nas coisas que precisaria fazer para amanhã. Levar o Guilherme na escola, visitar clientes, tinha duas reuniões de tarde antes de pegar o filho na escola e voltar para o trabalho... De repente, quase no final do banho, ainda com sabão pelo corpo, Saulo se surpreende pela queda de luz. O reator do prédio é automaticamente ligado, antes mesmo que a água no chuveiro pudesse ficar fria. Mas a luz cai de novo...
 
 


*****


 
 

Leonardo sente um corpo se mexendo bem próximo ao dele, mas nem presta muita atenção e resolve voltar ao maravilhoso sonho que estava tendo. Depois de em período de tempo que lhe pareceu muito curto para sonhar, ele acorda assustado com um gritinho feminino e algo pesado o apertando no pescoço.

Leonardo arregala os olhos com a lógica que se formou em sua mente. Silvia tentava lembrar o nome de uma mulher... o corpo que ele sentiu logo cedo... O loiro olhou para si mesmo e constatou o óbvio: estava nu. Não exatamente nu, coberto pelo lençol, mas debaixo dele... nu. Com um empurrão, ele se solta do abraço e amarra o lençol na cintura. O queixo de Leonardo cai. Ele percebe que faltaria pouco para perder a paciência com Silvia. Leonardo começa chamando-a pelo nome, coisa que só faz quando está realmente bravo com ela. Leonardo a encara por um momento e decide que já está na hora de voltar a ser o tio bacana. A menina concorda com a cabeça e se vira saindo do quarto. Quando ela sai, Leonardo se deixa cair de costas na cama, com um longo suspiro. Depois de um longo período de silêncio... Quando teve certeza que estava sozinho em casa, Leonardo desabafou:

Silvia era uma boa menina. Leonardo não conseguia colocá-la em nenhum grupinho típico da maioria das adolescentes, bem... talvez conseguisse, mas o fato é que eles se dão muito bem, diferentemente do seu relacionamento com outras adolescentes. É como se a garota tivesse sido enviada para ocupar o vazio que o irmão de Leonardo deixou quando se casou. E ele precisava disso: uma companheira, amiga... ainda mais com a vida que levava.

Quando Sil nasceu a família ficou em estado de graça: finalmente uma neta! Foi quase impossível não resistir aquelas bochechas rosadas e aqueles olhos enormes. Silvia era a cara da mãe, cabelos escuros, olhos cor de mel. Mas tinha a personalidade do pai. Curiosa, mas tímida; levada, mas não mal-educada; inexperiente, mas não inocente. Essa era a Sil.

Mas por mais que ela fosse incrível... Silvia algumas vezes não conseguia acompanhar as ambições e os pensamentos de Leonardo. Era nessas horas que ele se sentia sozinho. Só e sem vontade de mudar essa solidão.
 
 

*****


 
  Guilherme faz aquela cara de criança impaciente e inspira tomando fôlego: O menino cruza os braços na altura do peito e faz uma cara de reprovação. Saulo imagina essa não é a mesma expressão que ele faz quando a situação é inversa.

Uma rápida passada no chuveiro, uns cinco minutos no closet e já estava pronto para mais um dia... para um excepcional meio dia de trabalho.


 
 

"Meu filho é movido a pilha de longa duração!", Saulo pensou enquanto via o filho se afastar com os colegas de escola tagarelando sobre como ele acordara o pai. Apesar de terem passado a maior parte da tarde e a noite inteira juntos, Guilherme ainda achou assunto para falar durante o caminho para a escola. Era qualquer coisinha na rua que o interessava e o menino já começava a discutir sobre aquilo. Saulo nem se incomodava. Adorava escutar o filho e ver a cara de satisfação dele quando concordava com algum pensamento dito. Realmente a melhor forma de começar o dia.
 
 

Seja lá quando o dia comece. Totalmente atípico, surpreendentemente incomum, absolutamente anormal. Eram esses os tipos de comentário que Saulo julgava ouvir enquanto entrava no prédio de sua empresa. Olhares e burburinhos sempre acompanharam sua pessoa, ainda mais agora, que estava três horas atrasado! Suposições mil sobre o motivo de seu atraso dariam lingüiça para encher um romance. Não, uma série feudal. Ou, como muitos preferem, dar algumas voltas em torno do mundo se as palavras fossem postas uma ao lado da outra.

O que não daria por alguns dias como um simples... bancário, por exemplo?

Saulo parou no meio do caminho. Belle só o chamava de senhor quando estava brava com ele ou com alguém que falou mal dele. Mas sabia que, dessa vez, a culpa era sua.

Mais um ponto. Saulo girou os calcanhares e entrou na sua sala.


 



Continua...