Era um anel de noivado, com um brilhante enorme, que ele não parava de admirar. Estava muito feliz, pois faltava pouco para o Torneio do Makai, e finalmente para que Rei Yomi desse ao seu tchutchuco a permissão para que se casassem. Ia ser maravilhoso quando todos ali fossem uma única família.
Seu pai Kurama e papa Yomi ainda não se davam muito bem. Na verdade eles se encontravam muito pouco, e sempre que Shura vinha visitá-lo, ficava um clima muito estranho... Kinno tentara de tudo para aproximar seu pai e o de Shura, mas nada adiantava.
Eles tinham de ser amigos novamente! Afinal, como ia ser quando fossem uma só família? Não ia querer brigas e discussões... Isso ia ser muito feio...
Sempre pensava numa forma de unir Kurama e Yomi, e manter todos juntos. Queria muito fazer com que todos confraternizassem e gostassem um dos outros.
O youko louro achegou-se a seu pai com um grande sorriso, e um jeitinho maroto, que sempre usava quando queria pedir alguma coisa. Suas tranças enfeitadas balançaram suavemente quando ele inclinou a cabeça num gesto coquete, e piscou um olho para o pai.
"Paizinho. Deixa eu dar uma festa?"
Kurama não falou nada. Deixou Kinno onde estava, de pé a sua frente, e apenas se recostou mais ao tronco da macieira onde se abrigava do sol. Estava tudo tão sosssegado... As crianças brincavam de pique-esconde lá embaixo, e mesmo seus alaridos não perturbavam muito a calma da tarde. O youko respirou fundo, querendo dormir; tinha de guardar muita energia para a noite - para Hiei.
Falando no youkai, o único gesto de Kurama foi olhar de esguelha para o galho acima da sua cabeça, onde Hiei cochilava.
Era a rotina da maioria das tardes. As crianças brincavam ou tomavam banho no rio, Hiei dormia, e Kinno vinha encher seu saco com suas idéias estapafúrdias.
"Prá quê?" Kurama resmungou de volta, enquanto tapava a claridade de seus olhos com um braço. Bocejou longamente. "Qual é a ocasião especial?"
Kinno era todo sorrisos. Ele se agachou na frente do pai, e estendeu as mãos para afagá-lo. Gostava de tocar e brincar com aquele cabelo prateado dele; era tão bonito!
Kurama deixou; não recusava o carinho de Kinno com a mesma intensidade de antes. Já estava acostumado com os gestos tão afáveis do filho. Ele gostava de pegar, acariciar, alisar...
"Vamos ser uma família... Eu vou casar com Shura, e queria que todos se dessem bem e fossem amigos... Eu queria fazer uma festa onde todo mundo estivesse junto; você, papa Yomi, tio Hiei...
Kurama nem se alterou.
"Hum... Sei..."
Kinno logo notou que sua idéia não entusiasmara o pai nem um pouco. Olhou para cima, sabendo que seu tiozinho Hiei a essas alturas já estava bem acordado.
"Eu só queria ter uma família grande e feliz como eu nunca tive. Queria que todos fossem muito amigos..."
Kurama suspirou.
"O guri têm razão, Kurama." Hiei declarou do alto de seu galho de árvore, com a voz firme. "Ele é um órfão, e não sabe o que é uma família até que viesse viver conosco. Você pode ser um youko orgulhoso e cabeça dura que gosta de solidão, mas seu filho é diferente. Ele tem todo o direito de querer uma família."
Kurama bocejou. Era sempre a mesma coisa...
"Vou pensar..." o youko prateado respondeu, sem a menor animação.
"Então eu posso dar uma festa, paizinho? Posso? Posso?"
Kurama nem se deu ao trabalho de falar alguma coisa. Para quê? Já sabia como aquilo ia terminar...
Sorriu, e esperou o inevitável.
"Lógico que pode, Kinno. Seu pai não tem nada contra você dar uma festa." Hiei declarou, tomando a frente do youko, como sempre fazia toda vez que Kinno insistia em alguma bobagem.
Kinno riu alto. Pulou e bateu palmas, transtornado de tanta alegria. Se lançou para a frente e agarrou Kurama, beijando seus lábios - Uma beijoca estalada que pegou o youko prateado de surpresa.
"Obrigado, paizinho!" Kinno fitou o tio amorosamente. "Obrigado, tio! Vai ser uma festa muito legal! Obrigado mesmo! Eu posso convidar meu amigo Hikaru também? Ele vai ser meu padrinho de casamento, né?"
Kurama resmungou alguma coisa mal humorada; num bem baixo, de propósito - Não queria que Hiei ouvisse. Ia acabar acusando-o de ser mau e não compreender Kinno...
Hiei era tão parcial que ás vezes até lhe dava ciúme...
"Pode..." Concordou, meio de contragosto. Odiava o tal Gambá; Kinno não poderia ter amigo pior..."Vai ser uma festa de quê?" O youko prateado indagou.
Kinno pareceu confuso. Ele olhou para Hiei, para Kurama, e para Hiei de novo, sem saber bem o quê dizer.
"Como assim, paizinho?"
"Toda festa tem de ter um motivo para acontecer. Não pode ser Festa de Noivado porque voce e Shura já estão noivos há muito tempo. E não pode ser festa de casamento, porque vocês ainda não se casaram." Kurama suspirou de novo. Sabia que de alguma forma aquilo ia acabar sobrando para ele. "Tem festa de aniversário, festa de Natal, festa de Halloween..."
"Não sei paizinho. O que você sugere?"
Kurama pensou. Seu olhar dourado pousou sobre as crianças. Seria bom que fosse uma festa divertida para os pequeninos também; e com muitos doces! Ikki e Hyoko adorariam isso! Não sabia como aquele youkinho não ficava gordinho igual a uma bola... E também, tinha de ser uma festa que até Takeshi e Eiko gostassem.
Pensou no Nigenkai. Há muito tempo não pensava em seu velho lar... Estavam na primavera, e ele imediatamente se lembrou de uma festa muito comum, e que servia justamente para comemorar o renascimento da Natureza...
"Que tal uma festa de Páscoa?"
Kinno piscou os olhos, confuso mas interessado. Achegou-se mais ao seu pai, sentando-se bem na frente dele, de pernas cruzadas. Olhou para cima, e viu que tio Hiei se debruçava sobre eles, para ouvir mais de perto. Também devia estar curioso. Tio Hiei não gostava de demonstrar, mas ele com certeza adorava uma festa!
"Como é isso, paizinho? Nunca ouvi falar... Páscoa?"
Kurama se endireitou. Não ia conseguir dormir mais mesmo. Aliás, parece que lá se ia o sossego pelo resto da semana.
"E uma festa do Ningenkai. Uma festa que se comemora entre a família. É religiosa, mas na verdade tem raízes muito antigas. É quando se comemora o renascimento da Natureza após o Inverno. Chega a primavera, as flores nascem, as crias nascem, e tudo se torna lindo e festivo..."
Kinno estava encantado. Segurou as mãos contra o peito, e sorriu, num gesto maravilhado.
"Ah, paizinho! Que lindo! Que romântico!"
Kurama balançou a cabeça, desalentado. O estrago já fôra feito - Kinno ia ficar fixado naquilo até o dia da festa! Acabara-se a paz! Oh, Inari... A vida de pai ás vezes era ingrata...Olhou para Hiei lá em cima, e percebeu que o youkai estava rindo, de um jeito meio irônico. Ele adorava mesmo metê-lo em encrenca e depois ficar de fora, só observando.
Kurama respirou fundo.
"As famílias se reúnem, comem uma boa refeiçao, e trocam presentes e ovos de páscoa."
Kinno ficou boquiaberto com a revelaçao.
"Ovos? Porque, paizinho?"
"Os ovos são o símbolo do renascimento da Natureza. A vida sempre surge dos ovos. Eles significam a propria vida. Representam a fertilidade."
Kinno assentiu.
"Hmmmmmm... Estou compreendendo agora, papi. Mas como é que eles trocam de ovos? E o que fazem com eles depois?"
Kurama podia ver no olhar do filho que ele estava pensando alguma besteira. Tratou de explicar.
"São ovos de chocolate, Kinno. Não são os ovos de verdade."
Kinno abriu um sorriso enorme e maravilhado. A alegria de finalmente ter entendido tudo iluminou seu rosto.
"Ah!!! Eu já entendi Papi! Ovos de chocolate! Só para representar a Fertilidade, né?"
Kurama assentiu.
"E como se fazem esses ovos?"
O youko começou a explicar, bem devagar, ou Kinno era capaz de se atrapalhar. Ele tinha boa intençao mas sua cabeça as vezes não ajudava...
"Você usa um molde, e despeja o chocolate. Espera secar e embrulha em papel enfeitado, com laços de fitas. E você pode rechear os ovos. Pode recheá-los com balas, bombons..."
"Os ovos são bem recheados porque são símbolo de fertilidade, né paizinho?"
O youko concordou com um movimento leve de cabeça.
"E até meninas podem receber esses ovos?"
"Lógico que sim, Kinno. Não há problema algum."
O youko se ergueu. Seu sorriso era radiante como um sol. Ele fitou Hiei, e então Kurama.
"Já vou começar a preparar tudo! Quero que seja uma festa linda! A melhor! E os ovos de Pascoa que eu vou fazer vão ser os mais perfeitos! E vão ser bem recheadinhos!"
O youkai e o youko concordaram...
"Vá contar a seus irmãos sobre a festa, Kinno. Quem sabe eles podem até te ajudar..."
Kurama respirou aliviado com a sugestão de Hiei ao lourinho. Iam ter sossego novamente! Graças!
Kinno apenas saltitou mais um pouco, muito animado com a sua futura festa, e concordou. Tinha certeza que as crianças iam adorar.
"Vai ser uma festa muito melhor que a do Ningenkai, paizinho! Você vai ver só! Você vai se orgulhar de mim!"
Ele saiu dali então, correndo para as crianças, já gritando a novidade sobre a festa.
Hiei respirou fundo.
"Você não acha que ele é capaz de fazer algo errado?"
Kurama não ligou. Voltou a se recostar na sua árvore, aproveitando aquela sombra gostosa, e fechou os olhos.
"Bah! Que nada! São só ovos de Páscoa...
Nada pode sair errado dessa vez; nem mesmo Kinno é tão burro..."
**************
Kurama até ficara surpreso com a dedicação de Kinno durante aquelas semanas. Todo dia, toda hora, esperara que o seu filho adorável mas burrinho viesse perturbá-lo com pedidos por ajuda. Entretanto Kinno não pedira absolutamente nada além da permissão para colher muitas flores e frutas para enfeitar a mesa com o almoço da Páscoa.
Logo o dia da Festa chegou e o youko prateado não tivera de levantar nem um dedo para fazer absolutamente nada. Kinno fizera o peixe assado, o bolo, a salada de frutas, os doces, os pães de mel, as frutas cristalizadas... E isso sem contar as suspresas de chocolate que ele preparava em segredo.
A festa realmente era surpresa. Kinno escondera os detalhes da festa até do seu queridinho, Shura. Kurama tentara convencer Hiei a espionar o filho com seu Jagan, mas seu companheiro negara-se. Chateado, Kurama quase fizera greve de sexo para convencer seu amante - o problema é que fôra ele próprio quem furara a greve...
O youko prateado acabara se resignando. Passou a véspera da Páscoa se preparando psicologicamente para aturar os convidados do filho. Não bastava daquela vez ter de aturar a peste mimada, o princípezinho da soberba - Shura. Ainda teria de suportar não só a presença daquele tarado do Yomi, mas também a do Gambá.
O tempo todo em que Kinno trabalhara e se esforçara como nunca antes, Kurama só ficara deitado na sombra, cochilando e guardando-se para as noites de amor com Hiei - ou como ele mesmo dizia, supervisionando de longe.
Não podia negar que ficara meio frustrado. O tempo todo esperara por uma brecha para criticar Kinno, mas este não lhe dera chance. Até aquele momento tudo estivera impecável.
Mas também, Kinno contara com bastante ajuda...
Fôra graças ao crédito ilimitado de Shura em Gandara que Kinno conseguira comprar tudo o que precisava para a festa. E Yomi mandara importar do Ningenkai o chocolate e tudo mais que não existia no Makai. Até o tal do Gambá ajudara fornecendo o gesso para Kinno fabricar o molde para os ovos. As crianças ajudaram em alguma coisa também, colhendo morangos ou cerejas para fazer o recheio dos chocolates, ou ajudando a cortar as fitas e papéis coloridos para os embrulhos. Mesmo assim, eles não sabiam bem o que ia acontecer.
O youko louro acordara cedo aquele dia para finalizar os últimos detalhes da sua festa. Até as crianças já estavam de banho tomado e arrumadas, esperando o desfecho festivo. E Kurama estava quase roendo as unhas de tanto suspense - Kinno sempre o deixava com a sensaçao de que alguma catástrofe ia acontecer de um instante para o outro.
Quando Kinno apareceu, já vestido para a festa, Kurama teve a certeza - O filho era a catástrofe em pessoa!
Kinno estava todo de branco. Vestia um short de cintura baixa pequenininho; sua barriga e suas coxas ficavam bem a mostra. E para completar, um top também minúsculo - Tudo forrado de pelúcia branca. Ele conseguira orelhas de coelho falsas presas numa tiara, que pôs na cabeça, de um jeito que escondia um pouco suas orelhas de raposa. Só não pode esconder o rabo longo e felpudo; mas não fazia mal - Shura adorava seu rabinho de raposa; em todos os sentidos...
Cristais cintilantes haviam sido entrelaçados no seu cabelo, que estava bem solto e esvoaçante. O youko aproveitou até o cesto que usava para vender pepinos - enfeitara-o com fitas coloridas e papeis de seda. Então colocou alguns dos ovos e frutas dentro. Trouxe o cesto no braço então, e chegou saltitante.
"Feliz Páscoa, paizinho!"
Em choque, Kurama recuou, e teve de se apoiar no tronco da árvore mais próxima, para não cair. Kinno parecia um enorme pompom gay!
"Inari! Me perdoe por colocar um filhote desse no mundo!" Comentou, erguendo as mãos e os olhos para o céu.
As crianças rodearam o irmão mais velho, sempre cutucando e puxando seu rabo, querendo uma prova, uma balinha, um bombom, qualquer coisinha... Mas Kinno tinha guardado tudo para o momento da em que daria a todos seus ovos de páscoa - nao queria estragar nada da sua surpresa.
Hyoko se abraçou aos joelhos de Kinno, querendo brincar e assaltar a cestinha. Ele foi o único que ganhou uma prova - Kinno se curvou e despejou um monte de frutas cristalizadas as mãozinhas gordinhas dele.
"Feliz Páscoa, maninho!", o youko louro exclamou, dando uma beijoca estalada no rosto do irmão.
Hyoko encheu a boca, mastigando os doces com prazer. Mesmo assim sacudiu a cabeça.
"Não! Não! Eu quero chocolate! Me dá chocolate!"
Ikki se juntou ao irmão. Estava curioso com aquele doce novo chamado chocolate, que não existia no Makai. Agarrou a pelúcia do short de Kinno, puxando com insistencia.
"Eu também quero chocolate, Kinno! A gente ajudou com as frutas e os embrulhos! Dá chocolate prá gente!"
Eiko se acercou de Kinno devagar, por trás, e esgueirou uma mão para dentro do cesto, tentando pegar alguma coisa...
"Pega ela! Pega a ladra de chocolate!"Takeshi berrou. alertando Kinno, que escapou do ataque silencioso da irmã.
"Ei, que coisa feia! Vocês têm de esperar!" Kinno reclamou.
Hyoko começou berrar. num choro alto de pura manha, e Eiko deu um olhar longo e magoado para Kinno. Ikki também fez cara feia.
"Vocês têm de se comportar! Takeshi está se comportando muito bem! Ele sabe esperar pela surpresa! Vocês têm de ser igual a ele!" Kinno reclamou, pondo uma das mãos no quadril, fingindo zanga.
Ikki, o pequeno youkai que parecia tanto com Hiei, fêz uma cara amuada.
"Isso não é justo! Takeshi está quieto porque já comeu muito chocolate no Ningenkai! Nós não! Queremos uma prova agora!" Ikki reclamou.
Eiko se adiantou.
"Nós ajudamos, e queremos uma provinha! Takeshi ficou o tempo todo falando de como chocolate é bom! Nós queremos experimentar!"
Os três pequenos demônios começaram um coro de "Queremos chocolate! Queremos chocolate! Queremos chocolate!" que era ensurdecedor apesar deles serem apenas três. Só Takeshi é que permaneceu quieto, rindo e zombando dos irmãos, se gabando de que já comera chocolate até se fartar quando vivia no Ningenkai...
Kinno não sabia o que fazer. O tumulto só sossegou quando Hiei apareceu. Bastou uma olhada de esguelha para os pequenos, e eles se calaram e deixaram o irmão sossegar.
"Surpresa é surpresa, garotos. Vocês só vão comer chocolate depois do almoço." Hiei decretou. E contra Hiei os pequenos sabiam que não havia negociaçao possível. Porisso se calaram, a contragosto. "Tratem de se comportar. Os convidados já estão chegando."
Kurama se aproximou e passou um braço possessivamente em torno dos ombros de seu demonio de fogo. Encarou as crianças, uma a uma.
"Não quero que dêem muita conversa nem praYomi nem para o tal Hikaru Gambá! O Gambá é um esquisitão, e o Yomi é um tarado! Tomem cuidado!"
Hiei deu um muxôxo. Como sempre Kurama estava exagerando... Ia fazer um aparte quando Kinno seu uma voltinha, mostrando sua roupa.
"Estou bonito, tio Hiei?"
Hiei ajuntou os pequenos perto de si com afagos. Sorriu para Kinno.
"Você está muito bonito, Kinno! Seu pai com certeza está orgulhoso de você, e da festa que você preparou!"
Kinno saltitou de alegria e Kurama corou de vergonha. Orgulhoso? Ele estava é embarassadíssimo! Ainda bem que nenhum youko além do tal Gambá viria - caso vissem um filho do infame Youko Kurama vestido de coelhinho de Páscoa, sua reputaçao ficaria muito mais abalada do que já estava....
Foi quando Hikaru apontou no alto da colina. As crianças acenaram, e Hyoko correu afoito na direçao do youko cinzento, que ficou paralisado por um instante, surpreso com a roupa inesperada que o amigo Kinno vestia.
Ele foi atacado por Hyoko, que se jogou e abraçou suas coxas.
"Tio Hikaru! Diz pro Kinno me dar chocolate!" O youkinho albino exigia, se pendurando no cabelo trançado de Hikaru.
Eiko e Ikki se juntaram ao irmão mais novo em seus pedidos.
"Quero chocolate!"
"Quero bombom!"
"Diz pro Kinno dar o chocolate prá gente!"
"Estamos com fome! Queremos chocolate!"
O youko listrado ficou atordoado por um instante, sem saber a quem dar atençao, ou o quê fazer. Hikaru apenas sorriu para cada um deles, e afagou a cabeça de Hyoko, arrancando a ponta de sua longa trança das mãos dele.
"São um bando de bebês-chorões! Fazem esse escândalo por causa de chocolate! Bah!" Takeshi reclamou, criticando os irmãos, e por isso mesmo, tratando de se manter a distancia deles - Hyoko mordia forte quando estava zangado!
Hikaru tratou de acalmá-los, dizendo para esperar so um pouco, e que ia tentar fazer o possivel para ajudá-los. E ao dizer isso, não conseguia desviar o olhar de Kinno, que correu saltitante até o amigo.
"Oi Hikaru! Feliz Pascoa!" Kinno anunciou, muito feliz, atirando um punhado de petalas de flores sobre o amigo. "Tome! Eu que fiz tudo! Está muito gostoso!" Continuou, agora despejando frutas cristalizadas na mão que Hikaru lhe estendeu num cumprimento.
O youko de olhos azuis entreolhou os pequenos, muito confuso. Nem teve tempo de comer os doces, porque Hyoko roubou-os dele.
"O quê está acontecendo? Você está fantasiado de quê, Kinno?"
Kinno era todo sorrisos. Deu uma outra voltinha, e sacudiu a longa cauda de raposa afetuosamente.
"Eu sou o Coelhinho de Páscoa, Hikaru! Não está lindo? Você acha que Shurinha vai gostar?"
O amigo de Kinno respirou fundo; mesmo conhecendo o youko louro há tanto tempo, ainda não se acostumara as loucuras que ele fazia de vez em quando... Mas a verdade é que estava mesmo engraçado! E considerando que Shura gostava de tudo que Kinno fazia...
"Você está uma gracinha. Tenho certeza que seu noivo vai adorar a surpresa!"
Hikaru recebeu uma beijoca no rosto em retribuiçao ao elogio. E Kinno ainda deu ao amigo em pão de mel confeitado, que tirou do seu cesto de guloseimas.
"Vem ver a decoraçao, Hikaru! As crianças me ajudaram! Quero saber o que achou!" Kinno convidou, trazendo o amigo consigo para a clareira florida e enfeitada que ficava entre as casas de árvores deles.
Hikaru assentiu, e caminhou junto do amigo, se detendo apenas um instante ao passar por Hiei e Kurama.
Hiei acenou. Kurama é que mal olhou para Hikaru; apenas deu um leve gesto de cabeça, e tratou de se afastar, trazendo Hiei consigo.
O youkai de fogo não podia perder uma chance tão boa para sacanear um pouco Kurama. O youko estava mesmo nervoso!
"Vocês não se cruzam mesmo, não é?"
"O quê?"
"Você e o amigo de Kinno."
Kurama apertou os dedos em torno do ombro de Hiei, num reflexo.
"Não vou com a cara dele. E não gosto das crianças perto dele. Tenho certeza que esse tipinho é má influencia!"
Hiei riu entre dentes. Ora ora... Era o rôto falando do esfarrapado... Até parece que Kurama havia tido um passado e uma reputaçao íntegras...
Resolveu irritar seu companheiro um pouquinho mais. Sabia que havia algo entre Hikaru e Kurama - Só não conseguira ainda descobrir o que era. Com um pouco de provocaçao, quem sabe...
"Ele é um youko muito bonito."
Kurama estacou, e fuzilou Hiei com um olhar enfurecido. Os pêlos de sua cauda se crisparam e ele chegou até a ranger os dentes.
Hiei olhando para o Gambá? Seria possível?
"O quê foi que você disse?"
Hiei se fêz de sonso.
"Ele tem olhos lindos. E é elegante e educado. Não é um criador de casos escandaloso como certos youkos por aí..."
Kurama rosnou... Já estava prestes a se virar e invocar uma planta venenosa para engolir o tal Gambá vivo, quando Hiei gargalhou.
"Você é ciumento mesmo, hem? Omoshiroi! Não se preocupe! Eu pensei é em Yomi! Quem sabe assim o chifrudo não largava do seu pé?"
Kurama ficou atônito por um instante, se refazendo da onda de raiva e ciúme que o atingira. Hiei cutucou-o e apontou o caminho da colina.
"É só falar no diabo e ele aparece! Vá lá recepcionar o seu fã numero Um, Kurama! E leve um babador! Dá pra ver daqui que Yomi já está babando por você!"
Kurama olhou para onde Hiei apontara. Eram realmente Yomi, o tarado chifrudo, e seu filho de chocadeira.
Ah... Ia ser um longo Domingo de Páscoa...
**************
Kurama achou que até parecia uma cena de filme romântico barato - O jeito como Shura e Kinno se abraçaram e se beijaram, fazia qualquer um acreditar que não viam-se há anos... Mas apenas se passara uma semana...
Agarraram-se e se beijaram com o ímpeto quase selvagem da paixão. Kinno se largou por inteiro nos barços do seu príncipe, ofegando enquanto era acariciado e beijado.
"Você está lindo, Kinno! Você é sempre lindo! Adorei te ver fantasiado de coelhinho!"
Kinno sorriu, enrubescendo de satisfaçao pelo elogio. Mordiscou a ponta da orelha de Shura, e beijou sua bochecha.
"Obrigado meu tchutchuco... Eu fiz tudo pensando em você..." Comentou, num sussurro insinuante.
O jovem príncipe de Gandara sorriu, passando um braço pela cintura de seu coelhinho louro. Ia beija-lo novamente, porém Yomi se adiantou para tomar Kinno do filho e abraça-lo afetuosamente.
"Não seja egoísta, filho! Me deixe falar com seu lindo noivinho!" Yomi anunciou, afastando o filho, enquanto beijava os labios do youko dourado, sem a menor cerimônia. "Kinno! Você está mesmo uma graça!"
Kinno riu. Papa Yomi era sempre tão gentil! Deixou o enorme youkai abraça-lo, e se retorceu de satisfaçao contra seu peito.
"Papa Yomi! Você é sempre tão bonzinho comigo! Espero que goste do almoço e dos doces que eu preparei!"
"Vou comer tudo que você me der, Kinno; com todo o prazer..."
Kinno deu uma risadinha divertida, adorando o jeito quente que Yomi acariciava sua cintura...
"Você vai adorar as surpresas de chocolate, papa Yomi! Eu fiz tudo especialmente para comemorar a Páscoa! São símbolos de Fertilidade!"
Yomi sorriu, contagiado pelo entusiasmo inocente de Kinno.
"Chocolate? Que ótimo! Eu ouvi falar que chocolate é afrodisíaco."
Yomi e Kinno riram juntos. Shura olhou de esguelha para o jeito insinuante com que as mãos enormes do pai acariciavam o corpo nu de seu noivo. Não estava gostando nada daquilo...
"Espero que você ache tudo muito gostoso... Eu fiz tudo sozinho!" O youko louro continuou.
"Vou achar sim, Kinno... Seus doces devem ser tão gostosos quanto você e..."
Shura se acotovelou entre o pai e o noivo, puxando Kinno para o seu lado. Era um pesadelo! Seu pai sempre se engraçava com Kinno. Shura chegava a suar frio e ter náuseas de tanto ciúme!
Os noivos se abraçaram e se dirigiram para o centro da clareira, onde as crianças já se reuniam em torno da mesa, brincando e beliscando alguns quitutes e frutas. Hikaru tentava mantê-las um pouco sob controle, evitando que devorassem todos os doces antes do almoço começar, mas não estava tendo muito sucesso. Yomi foi deixado sozinho. Foi quando o rei de Gandara sentiu o you-ki familiar perto, e virou-se para cumprimentar seu ex-chefe e ex-amante.
"Kurama! Que saudade! É sempre bom visitá-lo!" Exclamou, sorrindo para o lindo youko prateado.
Kurama olhou Yomi de alto a baixo, e tratou de puxar Hiei mais para si, passando o braço em torno do seu ombro.
"Saudade? Não tenho saudade de nada, Yomi. Eu me esforço muito para esquecer os maus momentos da minha vida..."
Hiei mordeu os lábios para não rir. De certa forma aquele jeito com que Yomi rastejava diante de Kurama era até cômico! Mas entendia - O youko realmente deixava coraçoes despedaçados por onde passava.
Yomi curvou a cabeça ligeiramente diante de Hiei, num cumprimento breve mas respeitoso. E sorria ainda para Kurama, sem conseguir ocultar a felicidade e a fascinação em estar perto de seu antigo chefe.
"Você continua perverso, não é Kurama?" E Yomi dirigiu uma expressão zombeteira para Hiei. "Ele ainda gosta de brincar de chefe, Hiei?"
Kurama arregalou os olhos, atônito com o comentário disparatado de Yomi. Era só o que faltava, aquele chifrudo arrombado querer se meter na vida particular dele e de Hiei! Ia retrucar de um jeito bem mau-educado e exigir que Yomi se calasse, mas Hiei foi mais rápido.
"Gosta sim, Yomi! Mas comigo não! Eu sei uns bons truques para domesticar youkos mandões!"
Os dois youkais riram então, e Kurama corou.
"Uma pena que você não se vestiu de coelhinho da Páscoa também, Kurama! Ia ficar lindo!" O rei de Gandara comentou.
Hiei assentiu. Estava adorando ver o youko melindrado por Yomi.
"Está me estranhando, Yomi? Vê se toma jeito!" Kurama exclamou, aborrecido de se ver na berlinda diante dos dois youkais.
"Ei, Yomi... Porque você não me conta um pouco de como era Kurama há 1000 anos atrás?" Hiei sugeriu, sabendo que o assunto enfureceria seu companheiro.
Yomi sorriu com ironia antes de responder.
"Muito mandão! Muito orgulhoso! E não gostava que nada nem ninguém o contrariasse!"
Hiei deu um meio sorriso para Kurama.
"Mesmo? Mas então ele não mudou nada!"
Kurama estava nervoso. Franziu a testa e encarou Hiei firme, exigindo que parasse com aquela brincadeira tola. Mas não adiantou.
"Temos muito a conversar, Yomi. Agora que vamos ser uma família como casamento de Kinno e Shura, devemos nos conhecer melhor."
Yomi concordou de bom grado.
"Vamos beber um pouco de sidra e conversar sobre youkos. Tenho certeza que temos muita informaçao interessante para trocar..." E dizendo isto, Hiei entreolhou Kurama desafiadoramente, esperando uma reaçao.
O youko prateado respirou fundo, se recusando a aceitar a provocaçao.
"Eu vou é ficar com as crianças! Vocês estão parecendo dois bobos! Vão procurar outro youko de quem curtir com a cara!"
Kurama largou Hiei, e tratou de sair dali. Não lhe agradava deixar Hiei e Yomi sozinhos, mas lhe agradava menos ainda ficar ali e servir de alvo de comentários de seu ex-amante e de seu amante atual...
Mas ia logo dar um jeito naquilo... O chifrudo ia ver só...
"Crianças! Venham cá! Yomi quer brincar com vocês!"
Nenhum dos garotos esperou um segundo convite para correr até Kurama, curiosamente. Chegaram com as bocas ainda cheias, mastigando doces, bolos e biscoitos, e com as mãos e bolsos das roupas cheios. Animados, circundaram o pai youko, querendo farra.
Kurama não pode evitar uma risadinha maldosa quando apontou Yomi para as crianças e exclamou, bem alto.
"Lá! Yomi disse que quer brincar com vocês! Vão lá!" Gritou, para as crianças e para Yomi.
Hiei recuou ao ver as crianças correndo feito loucas para Yomi. O youkai quase caiu no chão quando os pequenos se atiraram contra ele. Hyoko foi o primeiro a se jogar contra Yomi, agarrando-se na barra de seu casaco. Ikki e Takeshi também circundaram Yomi, puxando-o por cada uma das mãos, cada um para um canto, enquanto Eiko já abriu seu livro de Magia, querendo que o rei de Gandara fosse sua cobaia para um novo feitiço para transformar youkais em minhocas...
Mesmo no meio do tumulto, a voz de Kurama foi ouvida bem alta e zombeteira.
"Crianças! Ele quer brincar de Cabra-cega!"
Gritos de alegria das crianças abafaram os protestos de Yomi. Hiei tratou de se afastar daquele tumulto, se juntando ao youko prateado, que mostrava um riso bem satisfeito e sarcástico nos lábios...
Hiei encarou os olhos dourados de seu companheiro.
"Cabra-cega? Você é mesmo mau, não é Kurama?"
Kurama riu entredentes, e deu uma palmadinha de leve no bumbum de Hiei.
"Não reclama... Eu sei que você gosta..."
**************
A mesa era farta, e com a boca cheia de comida e doces, Hikaru, Yomi e Kurama não tiveram muita chance de discutir. Até foi uma refeição tranquila, apesar da algazarra dos guris, e das cenas de sexo quase-explícito que Shura e Kinno demonstravam, enquanto davam comida e beijinhos um na boca do outro.
Havia muito assunto, mas o principal era o futuro casamento entre Kinno e Shura. O grande dia estava chegando. Aproveitavam para tratar alguns detalhes e trocar sugestões.
"Torço para que nossos filhos se casem logo. Meu filho fica ansioso demais quando está longe dele..." Yomi declarou. Bebeu um pouco mais da sidra que Hiei lhe servira. "Meu reino fica muito mais alegre com a presença de Kinno."
Kurama sorriu.
"Pode levar! Foi você que fêz questão de esperar até o Torneio do Makai, Yomi! Por mim Kinno pode se casar agora e ir morar logo em Gandara!"
Yomi fêz um gesto de recusa.
"Não; Ainda não... Quando Kinno está em Gandara meu filho fica esgotado e com a cabeça nas nuvens. Prefiro que Shura se dedique um pouco mais aos treinos."
Kinno se estendeu para o lado, para abraçar a cintura de Yomi. Agarrou os dois youkais, pai e filho, e deu um beijo na bochecha de cada um.
"Papa Yomi é um amor! Ele me trata muito bem quando estou em Gandara! Eu adoro os dois! Pai e Filho! Os dois são muito gostosinhos!"
Kurama desviou o olhar. Quem diria que um dia ia ver um filho seu agarrado não só a Yomi, mas ao filho deste? Era mesmo o fim do mundo!
Kurama notou uma mãozinha puxando sua túnica.
"Prá quê eles vão casar? Shura pode ter bebês? Kinno pode ter bebês?"
Era Hyoko, que já engolira sua porçao de bolo. O demoniozinho-raposa era muito curioso; era típico de sua idade. E foi Kinno quem respondeu, sempre sorrindo - estava adorando cada minuto daquela reunião em família..
"Maninho! Eu e Shura vamos casar porque a festa vai ser linda!"
Yomi não conteve seu comentário.
"Bem... Se quiserem ter bebês é possível... Afinal de contas eu não tive Shura? Posso fazer os cientistas de Gandara juntar os genes de vocês dois e..."
Kurama chegou a perder a cor das faces. fez um gesto desesperado a Yomi para que se calasse.
"Pelo amor de todos os Deuses e Demonios! Não fale uma coisa dessas! Não dê idéia a eles!"
Hiei riu. Até o sóbrio Hikaru sorriu, concordando com Kurama. Takeshi gritou um alto e sonoro "Não! Isso não!" Ao qual Eiko logo se juntou, exclamando que "Tudo menos isso!", com qual Ikki assentiu, sem falar por estar com a boca cheia.
Kurama fez um gesto apaziguador a Yomi.
"A Natureza é sábia, Yomi. Há uma razão para que dois machos não possam ter filhos. Já pensou?"
Mas Kinno já se entusiasmara com a idéia. Aplaudiu as palavras do seu futuro sogro, e agarrou Shura com força e carinho.
"Mas ia ser lindo! Já pensou um youko louro com chifrinhos e olhos cor de rosa?"
Shura sorriu e assentiu. E beijou os lábios de Kinno em resposta, concordando com a sua proposta.
"Vai ser lindo, Kinno! Temos mesmo de ter um herdeiro para Gandara!"
Os dois se abraçaram com ímpeto, e Yomi mostrava um riso satisfeito. e antes que o rei de Gandara começasse a falar mais e os fizesse pensar numa tal catástrofe a sério, Kurama com sua peculiar astúcia, o fêz achar um jeito de interromper aquela proposta insana.
"Kinno! Está na hora de distribuir os chocolates de Páscoa!"
O youko louro sorriu e levantou de um salto, batendo palmas.
"Ah! Que alegria! Eu vou trazer os chocolates de Páscoa para vocês! Tenho certeza de que vão gostar muito! Eu fiz com todo o meu amor!"
O youko fez um gesto para que esperassem. Não conseguia ocultar o sorriso satisfeito. estava tão alegre de ter conseguido preparar aquela festa tão linda! E todos estavam se dando tão bem! Era mesmo como uma família!
Fungou, tentando não chorar. Estava comovido demais...
As crianças fizeram uma alegre balbúrdia, gritando e rindo, e pedindo chocolate num canto animado e agudo.
"Chocolate! Chocolate! Chocolate!"
Hikaru ria, e Shura acompanhou Kinno com olhos cheios de amor, enquanto o youko se afastava durante um instante com seu cesto florido, avisando que ia trazer os chocolates...
E o coro continuou pedindo:
"Chocolate! Chocolate! Chocolate!"
Duas vozes bem graves se juntaram à cantoria - Yomi e Hiei, que também batiam palmmas, acompanhando o ritmo das crianças.
Kurama olhou para o céu. Já era o meio da tarde, e logo o dia acabaria. Que bom que aquele almoço estava quase no fim... Até Hiei e Yomi estavam sendo contagiados pela loucura de Kinno? Isso era muito grave...
**************
Kinno chegou com o cesto atravancado de embrulhos brilhantes e enfeitados com fitas. As crianças gritavam seu nome, mal se aguentando no lugar de tanta vontade de receber logo os chocolates prometidos. Quase o agarraram, cada um de um lado, e arrancaram o cesto de suas mãos.
Foi Kurama quem interferiu, mandando que ficassem quietos.
E o próprio youko estava ansioso e nervoso; tanto que nem atentou para o fato de que os presentes que Kinno trazia em sua cesta não tinham em absoluto a forma de ovos de Páscoa...
Kinno sorriu a asentou-se novamente entre Shura e Yomi, abraçado a seu cesto enfeitado. Os dois noivos trocaram um rápido beijo, e foi para Shura que Kinno entregou o primeiro dos embrulhos enfeitados em fitas e papel de seda e laminado.
"Aqui está, fofucho! Espero que goste! Feliz Páscoa!"
Trocaram outro beijo. E dessa vez foi um alto, quase histérico grito de Hyoko, exigindo o chocolate, que os interrompeu. Kinno correu a distribuir as outras surpresas de Páscoa, sempre sorrindo, começando a explicar tudo o que seu pai Kurama lhe contara. Que era uma festa para comemorar a fertilidade, a primavera, o amor...
O som dos embrulhos sendo desfeitos era alto. Hyoko e Ikki se enrolaram nas muitas fitas, um pouco confusos para desfazer o embrulho do presente; Eiko começou a desfazer o papel e as fitas de seu presente bem devagar, sem querer rasgar ou estragar o belo papel colorido e Hikaru também abria o seu presente com toda a calma; Yomi apalpou os eu antes de começar a abrir, com um sorriso indefinível nos olhos; Shura apenas enlaçou o braço de Kinno, sussurrando algo em seu ouvido esquecido por um instante de seu presente de Páscoa; Hiei cheirou o pacote, e começou a desfazer a fita vermelha que atava o papel devagar; Takeshi começou a criticar; foi o único que reclamou que aquilo não tinha a forma de um ovo de Páscoa...
Kinno jogou o cabelo, e deu um risinho para o irmão.
"Não são só os ovos, maninho! Deu trabalho, mas eu tenho certeza que ficaram ótimos! Eu queria que minhas lembranças de Páscoa fossem melhores que as do Ningenkai!"
Kurama se alarmou com aquilo. O que Kinno queria dizer com não serem só os ovos? Foi aí que o youko prateado começou a estranhar a forma grossa e oblonga de cada um dos presentes... Rápido, rasgou o papel resistente e metálico com as próprias garras, sabendo que havia algo de muito errado ali...
Kinno observava todos, extasiado. Seus olhos dourados reluziam de alegria enquanto acompanhava tudo. Com as bochechas rosadas de excitação, agarrava firme o braço de Shura, muito feliz por ter podido organizar aquela festa tão linda, e ter todos ali juntos, tão em paz...
Mas o grito agudo, enraivecido de Kurama o arrancou de seu devaneio...
"O QUÊ DIABOS É ISSO?"
O grito foi agudo, raivoso, tão alto que até Hiei se assustou. o youkai ia reclamar quando reparou, horrorizado, no motivo da histeria do youko.
Kurama segurava nas mãos um enorme falo de chocolate.
Era enorme e ereto, cujos detalhes haviam sido habilmente moldados com chocolate. O saco, as veias, a glande... O chocolate brilhava, e sua cor escura contrastava com o colorido laminado do embrulho, formando um quadro ainda mais chocante. O youko chegara a empalidecer. Agarrava o artefato de chocolate tão firme que seus dedos deixavam marcas na superfície bem modelada da peça.
Todos os olhares seguiram de Kurama para Kinno. A raposa dourada não entendia porque o pai estava tão alterado.
"Não gostou, paizinho?"
Kurama estava tão perplexo, que nem sabia o que dizer. Hiei parou de desembrulhar o seu presente. Shura, envergonhado, fêz o mesmo, embora não tivesse o mesmo gesto de devolver o presente a cesta, como fizeram Eiko e Ikki e Takeshi.
"Argh! Eu nunca vou comer uma eca dessas!" O garoto humano reclamou, fazendo uma careta de asco.
Yomi acariciou o seu embrulho. Passou os dedos por cima do papel, certificando-se da forma que envolvia. Não haviam dúvidas; também era um enorme falo de chocolate...
"Que gentileza, Kinno! Adorei o presente!" O Rei de Gandara comentou, agradecido.
Kinno sorria ainda.
"Que bom que gostou, papa Yomi! O recheio de leite condensado escorre quando você morde!"
Yomi abriu um sorriso ainda maior.
"Deve estar muito gostoso! Vou levar para saborear em casa com calma!" falou, voltando a embrulhar o seu presente, e guardando-o de lado com cuidado.
Hikaru entreabriu o embrulho do seu presente delicadamente, esperando que o seu fosse um objeto diferente. Mas não era; Era a mesma coisa para todos - Um falo ereto de chocolate.
O youko cinzento empalideceu, e forçado pelo seu extremo senso de polidez, murmurou um agradecimento muito embaraçado. Só que tratou de deixar o seu embrulho de lado, convencido de que seria fácil esquecê-lo, convenientemente...
Mas Yomi mesmo cego percebeu seu gesto discreto, e correu a alcançar o presente que pusera de lado.
"Não quer o seu? Posso levar?"
Hikaru encarou Yomi com uma cara apalermada, sem acreditar naquilo. Nem pôde responder; antes disso, Yomi catou o falo de chocolate que Hikaru dispensara para si.
Shura corou ainda mais com a atitude afoita do pai.
"Pai... Dá um tempo..."
Kinno puxou Shura pelo braço.
"Deixa ele, Shura! Papa Yomi vai adorar o chocolate!"
Takeshi, Ikki e Eiko se entreolharam. Kinno ainda não entendera o tamanho da própria burrada... Elas recuaram um pouco, escorregando para longe da mesa e dos adultos.
"Hummm.. Chocolate é bom!"
Eles se voltaram para a vozinha fina de criança. O pequeno youko albino já desembrulhara o seu "falo de páscoa"; ele o enfiou na boca, num gesto faminto. Começou a chupar e mastigar o chocolate e...
Outro grito ainda mais histérico de Kurama assustou a todos.
"AAAAAAHHHH LARGA ISSO, HYOKO!!!"
O youko se levantou e avançou para seu filho caçula, arrancando o doce dele e atirando-o de volta na cesta de Kinno. O filhote abriu o berreiro na hora que o doce foi tomado de suas mãos e começou a espernear.
Hiei tapou os ouvidos sensíveis com as mãos. E Kurama tratou de, num gesto decidido, tomar o cesto das mãos de Kinno. E começou a recolher as tais surpresas de Páscoa, guardando-as de volta no cesto.
Kurama tentou recolher o "falo de Páscoa" de Yomi.
"Não! Eu quero o meu!" O Rei de Gandara reclamou, guardando o seu e o que pegara de Hikaru no bolso do casaco.
Kurama estava tão transtornado,que jogou o cesto inteiro, cheio, no colo de Yomi.
"Toma seu tarado! Pode levar todos!"
Yomi abraçou-se a cesta, satisfeito, e o youko prateado voltou sua atençao para Kinno.
"Você é um idiota, Kinno! Você é burro demais! O quê estava pensando?" Kurama reclamou. Só que Hyoko chorava tão alto que nem se ouvia.
Mas Kinno percebia bem que o pai estava furioso com ele. Escondeu o rosto atrás de uma mecha de cabelos que segurava contra a boca. Já estava chorando...
"O quê eu fiz? Eu só queria fazer uma festa bonita..." Kinno choramingou. Foi Shura quem o consolou, passando um braço por sua cintura e secando seu rosto das lágrimas com a ponta de seus dedos.
"O que você tem na cabeça, Kinno? Como é que você distribue essa indecencia para as crianças?"
Os olhos dourados de Kinno estavam cheios de lágrimas. Ele fungou, tentando prender o choro. Demorou até conseguir vencer os soluços e falar alguma coisa...
"Paizinho... Você disse que eram ovos de chocolate..."
"E daí? Isso aqui não é um ovo!"
"Mas era prá comemorar a fertilidade... " Kinno fungou mais um pouco, mas Kurama continuava com um olhar duro sobre ele, intimando-o a explicar sua atitude. Ele engoliu em seco, e continuou. "Eu queria fazer tudo direito... Queria fazer melhor do que no Ningenkai... Eu pensei: porque eu vou dar só os ovos? Aí eu fiz tudo - o sexo inteiro, bem grande e..."
Kurama interrompeu o filho com um brado enfurecido. Hikaru e Yomi recuaram.
"Droga, Kinno! Isso aqui era prá ser uma festa de páscoa, não uma orgia!" O youko esbravejou., apontando a cesta cheia de falos incriminadores, da qual Yomi não se separava. "Você só pensa em sexo! O quê há? Esse chifrudo em miniatura não te basta?" Kurama continuou, agora apontando para Shura.
O jovem se levantou de imediato, prestes a enfrentar seu futuro sogro.
"Já chega de ofensas! Peça desculpas a Kinno! Agora!"
"Abaixe a voz, guri! Você está na minha casa!"
Hyoko, esquecido no chão, continuava chorando, ainda mais alto. Hiei se levantou, e tratou de apartar Kurama e Shura, colocando-se entre eles.
Kinno também agarrou-se ao braço de Shura, buscando-o para si, pedindo, num tom choroso, que não brigasse.
"Não quero confusão por aqui!" Hiei pediu, determinadamente. E mostrou o pequeno youko albino para seu companheiro. "Faça ele parar de chorar, por favor!"
O youko se curvou para Hyoko, erguendo-o no colo. O youkinho berrava. Se agarrou ao cabelo de Kurama e puxou com toda a vontade, chutando a sua barriga.
"Chocolate! Quero o meu chocolate!"
Kurama encarou os outros filhos. Todos eles o encaravam com um olhar frustrado... Foi Takeshi quem ousou perguntar:
"Será que não tem outro chocolate por aí sem ser os ovos do Kinno?"
Um olhar furioso de Kurama deu a certeza a todos ali que tão cedo ele não queria mais ouvir falar em chocolate.
"A festa acabou!" Kurama declarou, gritando bem
alto para que sua voz fosse ouvida acima do choro do filho.
**************
Kinno saíra dali correndo, aos prantos. Não se despedira de ninguém. Achara que estava fazendo um bem, só que acabara tão envergonhado que nem conseguia encarar ninguém; fugiu até de Shura...
Chorou muito, bem escondido atrás de umas moitas e de uma árvore, bem na margem do rio. Estava muito chateado consigo mesmo. E aterrorizado, pensava no que aconteceria quando estivesse casado com Shura e morando em Gandara. E se cometesse uma gafe dessas na corte? E se desapontasse seu Shurinha, como fizera com seu pai? E se fizesse o Principe e o Rei de Gandara passar vergonha com as suas trapalhadas?
Talvez devesse esquecer seus sonhos e continuar no meio do mato, escondido... Nunca seria um par a altura do seu belo príncipe...
Kinno ficou de longe, chorando, soluçando e observando os seus convidados irem embora, e Kurama e as crianças desfazerem todos os enfeites e as flores que ele espalhara pelas árvores e pelo bosque. Sabia que tinha desapontado a todos... Hikaru, os pequenos, seu tio Hiei... Parece que só papa Yomi gostara dos seus presentes... Mas também, papa Yomi era sempre tão gentil e educado - não diria, mesmo se tivesse odiado cada momento passado ali...
Kinno não ficou muito tempo sozinho, no entanto. Shura logo veio se juntar a ele.
"Papa me deixou ficar com você até amanhã."
O youko piscou, e secou as lágrimas com as costas da mão. Fitou seu noivo com muito amor, e tentou sorrir.
"Obrigado, meu moranguinho..." murmurou, estendendo a mão num gesto para que Shura sentasse a seu lado. "Eu estou tão triste... Ninguém gostou da minha festa..."
Shura abraçou seu youko bem apertado. Começou a beijar seu rosto, sentindo o gosto salgado de suas lágrimas. Pobre lourinho... Era tão sensível... Tinha de ser muito bem protegido e receber muito carinho...
"Seu pai foi muito mau com você."
"Ele falou a verdade; eu sou mesmo um burro... Só causo problema..."
Shura sorriu. Beijou os lábios do noivo. Kinno não se furtou ao gesto, mas o retribuiu devagar, com tristeza.
"Ele vai acabar percebendo que você fêz tudo com a melhor das intenções; não deixe isso te abalar."
O youko assentiu devagar. E Shura teve certeza que Kinno precisava dele para se refazer daquele dia. Ele preparara tudo com tanto amor...
"Eu gostei muito da festa, meu douradinho... Obrigado... Eu adoro tudo que você faz prá mim..."
Kinno acariciou o corpo de Shura, sentindo o cheiro gostoso de seu cabelo negro. Deitou a cabeça na curva do pescoço dele enquanto se abraçavam mais, ficando bem juntinhos.
"Mas e se um dia eu fizer besteira? E se eu te envergonhar? Você é um príncipe... Ia ser um escândalo..."
"Não me importo... Tudo que eu quero é você ao meu lado... Mal posso esperar pelo dia de nosso casamento."
Shura acaricou o corpo dele por cima da pelúcia branca de seus trajes. Puxou as orelhas falsas, e jogou-as no chão, enquanto buscava os lábios de Kinno, com fome de muitos beijos. Trocaram carícias, e Kinno logo começou a sentir seu corpo se aquecer com a excitaçao que crescia em ambos. Gemeu, adorando sentir o gosto da boca de Shura na sua. As mãos de um afagavam o outro, tocando e acarinhando coxas, a barriga, o peito...
Separaram-se durante um momento para olharem um nos olhos do outro, de um jeito bobinho mas cheio de afeto. Sorriram juntos. Kinno baixou o lindo olhar dourado por um instante, enquanto segurava com amor as mãos de Shura nas suas.
"Meu coelhinho lindo... te amo..."
Kinno enrubesceu de tanto contentamento. Sentia um calor crescer por dentro de seu peito toda vez que ouvia Shura dizer que o amava...
"Pena que você não provou a surpresa de chocolate... Eu moldei eles todos pensando em você..."
O rapaz corou. Baixou os olhos também, e sentiu um arrepio de excitaçao correr pela sua espinha. A paixão que sentia por Kinno já palpitava em todo o seu corpo, crescendo mais em seu baixo-ventre...
O príncipe de Gandara sorriou para seu noivo.
"Porque vou me importar com uma cópia de chocolate se eu posso comemorar com o original?"
Eles se aninharam um nos braços do outro, e trocaram um beijo longo, apaixonado, enquanto se deitavam na relva...
**************
Shura e Kinno comemoraram muito, o resto do dia e da noite.
Yomi comeu tanto chocolate que teve uma indigestão.
Hikaru passou o resto do dia na companhia de várias garrafas de sakê; pretendia nunca mais ouvir falar em chocolate.
Ikki, Takeshi e Eiko combinaram de fazer uma invasão ao Ningenkai assim que seus pais fossem dormir, para roubar alguns ovos de Páscoa de verdade.
Hyoko só parou de reclamar e chorar querendo ovos de Páscoa quando os irmãos contaram a ele o plano, e prometeram que trariam muitos chocolates para ele.
Kurama e Hiei nem quiseram falar sobre a festa, ou sobre chocolate. O youko ficara muito contrariado, ainda mais porque Hiei, como sempre, defendia Kinno, achando que ele não fizera nada por mal. Os dois amantes quase brigaram... Só que acabaram fazendo as pazes logo, pois Kurama convidou Hiei, no meio da madrugada, para experimentar um pouco de sorvete - sorvete de youko prateado...
E assim foi a festa de Páscoa do Kinno.
FELIZ PÁSCOA PRÁ VOCÊ!!
Uma Fanart feita para a fic pela grande artista Jacilene! Obrigada!
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