Meu Querido Amante...
Isso não é cabível a uma
raposa como ele! Não é justo! Não é certo!
Nunca permitiu que fizessem isso com ele, não vai ser agora que
vai acontecer!
-
Você só pode estar brincando!- Kurama
praticamente berrou de indignação
-
Não estou. E se fosse você ficaria mais
calmo, afinal...
-
Você está brincando!- Kurama interrompe
Hiei pela enésima vez naquele dia.
Hiei voltara do Makai de manhã e enquanto
Kurama fazia papel de Shuuichi indo a faculdade e depois ao trabalho do
pai, ele ficou esperando, dormindo na cerejeira. Ao entardecer, quando
Kurama chegou, notou a presença do koorime, ainda dormindo, e estranhou
que ele não tivesse feito nenhum contato durante o dia. Na verdade,
ficou um pouco triste por ele não ter avisado que chegou, mas a
felicidade de tê-lo de volta era maior.
Aquecimento:
-
...-Hiei abriu um olho, meio sonolento.
-
Posso te fazer uma proposta indecente?-a raposa perguntou
com malícia
-
Poder pode.- Hiei pôs um pé no parapeito
da janela de Kurama e, sem abaixar o rosto, olhava-o de cima, com ar de
superioridade- Só não garanto que irei aceitar...
-
Eu garanto que não vai recusar...- Kurama
estendeu os braços recebendo Hiei e afagando seu cabelo espetado.-
Não disse?
-
Você é uma raposa muito metida...- Hiei
ia continuar mas parou confuso com a careta que Kurama fez ao se afastar
dele- O que foi?
-
Posso ser metido mas não cheiro a carne de
youkai cremada!- Kurama falava com a mão tapando o nariz- O que
a Mukuro fez com você dessa vez? Pelo cheiro, alguns lagartos serviram
de fogueira, né?
-
Hn.- Hiei fez que ficou bravo. "Esse maldito focinho
de youko!"- Bom, nós exterminamos algumas guerrilhas e a última
foi justamente de youkais lagartos...
-
Eu sabia!- Kurama puxou o cachecol branco de Hiei-
E você pra acabar logo com tudo, já providenciou a janta do
exército da madame Mukuro, assando alguns pobres lagartinhos...
-
Você tira toda a graça a história!-
Hiei levantou os braços permitindo a Kurama puxar a sua capa- Eles
eram uns miseráveis, iriam morrer de um jeito ou de outro, eu apenas
apressei as coisas.- Hiei sentou no chão e tirou as botas.
-
Notei...- ainda com uma mão no nariz, Kurama
puxa as calças de Hiei com a mão livre- Vamos, apesar de
não estar no mesmo estado que você, também vou tomar
banho...
-
Sei...- Hiei foi tirando a cueca enquanto se dirigia
para o banheiro- Tomar banho... juntos?
-
Qual o problema?- Kurama perguntou enquanto jogava
as roupas de Hiei no corredor e fechava a porta, destampando o nariz- Ahhhh...ar
fresco!
-
Qual foi a vez em que "tomamos banho" juntos?- Hiei
perguntou já dentro do banheiro- Não acho que o que fizemos
possa ser classificado de "banho"...
-
Tem razão.- Kurama apareceu no banheiro com
a cueca que Hiei deixou ainda no quarto- Mas também sempre saímos
limpinhos...
Depois do primeiro banho, no sentido mais real da
palavra ( Hiei estava realmente mal cheiroso!), Kurama, vestindo um roupão
branco, levou a roupa suja para a área de serviço enquanto
Hiei, vestindo apenas a parte de cima de um moletom preto, fuçava
a geladeira na cozinha.
-
Não tem nada pra se comer aqui?
-
Claro que tem!- Kurama retirou da geladeira um monte
de comida que dispôs em cima da mesa- Sente-se, eu faço algo
rápido!
-
Não é exatamente isso que eu quero...-
Hiei fez uma careta ao pegar um maço de verduras- Não tem
nada mais doce? Eu estava pensando em...
-
Não mesmo!- Kurama se pôs entre a geladeira
e Hiei- Você vem dessas missões muito mal alimentado, todo
magrinho... e volta pra comer besteiras enlatadas? Assim você vai
ficar doente!
-
Hn.- Hiei bufou um palavrão entre os dentes-
Você parece uma ama-seca, Kurama! Primeiro meu cheiro, agora minha
comida! Eu como o que eu quero no mundo que eu quero!- Hiei segurou os
braços de Kurama com a intenção de tirá-lo
do caminho, mas...- E agora eu quero comer algo bem doce!
O koorime tomou os lábios de Kurama calando-o
e, num movimento ágil, colocou-o sentado sobre a mesa, afastando
a comida que foi posta pela raposa.
-
Não vai mais reclamar, kitsune?- Hiei abria
o roupão branco explorando o peito de Kurama
-
Não... você tem toda a razão.-
Kurama levantou o moletom de Hiei- Que saudade! Se eu ficasse mais um dia
sem você...
Hiei parou com os beijos e com a cabeça
baixa, apenas abraçava a cintura de Kurama.
-
Eu... só vou ficar essa noite...- nervoso,
Hiei brincava com as pontas ruivas mais longas que caiam nas costas de
Kurama- ...tenho uma outra missão já amanhã à
tarde.
-
...quanto tempo vai durar isso?
-
Mais uns dois meses, provavelmente, ela não
me deu certez...
-
Não foi isso que eu perguntei! Quanto tempo
vai durar isso?- Kurama segurou o rosto de Hiei entre suas mãos-
Quando você vai dar um basta nessa palhaçada toda?
-
Você acha palhaçada o que eu faço?-
Hiei afasta-se de Kurama com um movimento nervoso
-
Eu acho palhaçada o que ela faz!- Kurama parou
e pensou- E o que você faz também! Acha que te "treina"? Você
sempre diz a mesma coisa quando chega: "Eram uns miseráveis..."!-
Kurama aponta um dedo no nariz de Hiei- Você não deve ter
melhorado nada nessas missões tolas, você mata "baratas",
não fez nada que te exigisse muito!
-
É porque eu esno...- Hiei parou meio envergonhado
-
...é. Mas você está errado!-
Hiei ajeitou o moletom puxando-o um pouco para baixo- Ela mesma me pediu
desculpas hoje de manhã pela falta de cuidados que tem tido com
meu treinamento!
-
Ah, claro! E você quer que eu espere pra ver
quais serão os futuros maiores cuidados que ela terá?- Kurama
fechou o roupão com força.
-
Se sinto ciúmes é por uma boa razão!
-
Você nunca considerou a Mukuro uma boa razão.
-
...- Hiei abaixou o rosto desconcertado-...isso...
é bom...
Kurama deu uma leve risada e abraçou Hiei,
fitando-o nos olhos.
-
Não vá, você não precisa...
-
Eu preciso, Kurama. Eu vou...
-
Você só pode estar brincando!
-
Não estou. E se fosse você ficaria mais
calmo, afinal...
-
Hn.- Hiei tentou esconder um sorriso
-
Mas... o que... você está rindo?
-
Eu vou ver a Mukuro. Tenho que dizer a ela que há
algo mais importante que a segurança do reino e os treinamentos.
-
Há! Agora que tomei a decisão você
vai ficar confuso?
-
Eu estava apenas pensando em mim...
-
E quem disse que eu estava pensando em você?
Estava pensando em mim mesmo!- Hiei admirou uma expressão carente
tomar forma no rosto de Kurama- ... Também.
E foi assim que Hiei voltou ao Makai para terminar
com seu "treinamento" e voltar... no mesmo dia? Passaram-se dois dias,
três, quatro, uma semana, duas semanas... um mês. Nesse "meio
tempo"...
1º round:
-
Kurama?- Yusuke bateu mais algumas vezes na porta
e falou num tom mais alto- Kurama, você está aí?
O detetive apoiou-se na porta cansado. A porta
se abriu e...
-
Ai... essa droga tava aberta!- Yusuke ainda deitado
no chão chutou a porta- Kurama!!!
Yusuke começou a vasculhar a casa. Como sempre,
tudo no seu devido lugar, limpo e com cheiro de youko. Cheiro de... Youko?
Yusuke entrou na cozinha e deparou-se com a cena mais inédita de
sua vida. Kurama na forma youko, sob a mesa se agarrando fortemente aos
pés da mesma.
-
Ku-Kurama?- Yusuke esforçou-se para segurar
o riso- Que inferno! Cê me deixou superpreocupado cara...
-
Saia daqui...- o comando saiu num sussurro
-
... Kurama?- só agora o detetive percebeu
que Kurama tremia nervosamente e suava como um touro- O que você
tem?- disse abaixando-se para ver melhor o amigo.
-
Vá embora!- Kurama gritou empurrando Yusuke
com uma força descomunal, fazendo as cadeiras em volta da mesa caírem.
-
Ai... Kurama, o que deu em você?!? Ficou maluco?
O Youko mudou a expressão vendo que machucara
Yusuke e movimentando-se como uma raposa, foi de quatro até o amigo.
-
Desculpe...- Kurama fitava o fino fio de sangue que
escorria pela testa de Yusuke
-
Não foi nada...- Yusuke ficou mudo diante
da reação de Kurama. Ele estava sendo lambido pela raposa!-
...só uma... queda... batida!- Yusuke se levantou abruptamente-
Só uma batida!
-
...-Yusuke fitou desconcertado o olhar sedutor de
Kurama-... você... não precisa de mim.
-
Preciso sim.- Kurama se levantou e abraçou
Yusuke contra a parede- Não sabe o quanto fez falta, maldito!
-
Falta? Quando eu estive... "presente"???- Yusuke
tentou se desvencilhar do abraço em vão, recebendo em troca
um beijo furioso tirando-lhe o ar.
-
Hiei...- Kurama murmurou enquanto passeava com as
mãos por debaixo da camisa de Yusuke-... por que demorou tanto,
itoshii?
-
... Kurama... eu... eu não...- Yusuke tentava
falar mas era sempre interrompido pelos lábios famintos de Kurama
"O que está acontecendo? Não pare agora!
Não o impeça! Ele não está pensando em você.
Não é justo com ele! Não é você quem
ele quer! Não é você..."
-
KURAMA!- Yusuke gritou ao mesmo tempo em que sua
mão subiu e encontrou com força o rosto do Youko
-
Seu... sabe que eu não gosto disso!!!- agora
foi Kurama quem gritou
-
Não... você não...- Kurama agarrou
Yusuke pelos ombros levantando-o até a sua altura e pressionou sua
boca na dele com mais força ainda.
Yusuke não sabia o que fazer. Estava ficando
sem ar, estava sendo castigado e estava gostando! Mas não podia.
Não devia... Ah! Mas como queria! De repente o beijo foi ficando
mais suave, Yusuke voltara a respirar e já estava com os pés
encostando o chão. O detetive abriu os olhos e observou espantado
o que acontecia. O Youko perdia sua forma grande e imponente para uma mais
pequena e delicada. Shuuichi apareceu completo então, dando-lhe
pequenos e preguiçosos beijos no rosto e pescoço para depois
cair quase inconsciente nos braços de Yusuke.
-
Kurama! Kurama, você... está bem?- Yusuke
estava cansado de fazer sempre a mesma pergunta
-
Hiei... Me perdoe, itoshii... kudasai... Hiei...-
Kurama caiu em um sono profundo, mas mesmo assim, mantinha a expressão
triste de culpa que acompanhou suas últimas palavras.
-
O que aconteceu?- Yusuke abraçou Kurama- O
que poderia ter acontecido? O que eu ia fazer?
***********
Kurama tremeu ao sentir a brisa fria insistindo
em arrepiar-lhe os braços. Abriu um olho devagar, já estava
escuro, era como se uma ressaca tivesse tomado conta de seu corpo, a pálpebra
pesava algumas toneladas... Levantou um pouco o rosto tentando identificar
com mais precisão onde estava. No seu quarto. Olhou pra si mesmo,
estava descoberto dos lençóis, por isso o frio... Não.
Estendeu o olhar até encontrar a janela. Aberta. Vazia. "Por isso
o frio...", pensou enquanto observava o movimento lento e desigual que
a brisa provocava nas cortinas.
Uma cena veio à sua mente, tomando-o de
assalto. "Inari! Que pensamento horrível!", Kurama tampou os olhos
com a mão tentando, assim, fazer a cena desaparecer. Levantou-se
meio cambaleante e foi alcançar o armário. Pegou uma camisa
de mangas compridas, mas no mero esforço de vestir-se, perdeu o
equilíbrio batendo o corpo sobre uma das portas de madeira.
Enquanto tentava achar suas mãos dentro
da roupa, alguém abriu abruptamente a porta de seu quarto fazendo
entrar uma claridade que o cegou. Automaticamente, Kurama escondeu o rosto
com os braços, gemendo desconfortável com a luz.
-
Kurama, o que foi isso???- Yusuke foi até
a raposa- Você caiu? O que tentava fazer?
-
Yusuke???- Kurama cerrou os olhos para tentar ver
o detetive- O que... o que você está fazendo aqui?
-
Eu liguei pra cá essas semanas todas e ninguém
atendia. Vim ver se você estava bem e...
-
Você está bem!-Yusuke ficou vermelho-
Quer dizer... não muito bem. Você desmaiou quando... quando...
eu... eu cheguei!
-
Eu não me lembro nem de ter acordado hoje.-
Kurama ajeitou as mangas da camisa e passava a mão no próprio
cabelo- Não me lembro de nada...
-
É... você estava mal.- disse o detetive
enquanto ajudava Kurama a levantar-se
-
O que aconteceu antes?- Kurama pôs um braço
envolta do pescoço de Yusuke, apoiando-se
-
Você estava delirando...- Kurama olhou fixo
em Yusuke- ...na forma de youko.
-
Na forma de youko???- Kurama olhou espantado para
o amigo extremamente encabulado
-
...- "Provavelmente ele deve ter uma leve idéia
do que fez... infelizmente.", pensou Yusuke triste.
-
Yusuke... eu, bom eu... Desculpe-me pelo o que eu
possa ter feito com você!!!- Kurama inclinou-se numa reverência
-
Kurama olhe... você não tem culpa.-
Yusuke fez a raposa levantar-se- Não aconteceu nada de mais, eu
juro. Você não fez nada de...
-
Eu não consegui me controlar!!!- lágrimas
começaram a turvar a visão de Kurama- Eu... não agüento
mais!!!
Kurama sentou-se na cama cobrindo o rosto com as
mãos e desatando a chorar. Yusuke pensou em confortá-lo,
mas ele apenas ficou parado com as mãos estendidas em torno de Kurama,
sem tocá-lo.
-
Ele não volta...- Kurama disse entre soluços
descompassados- Eu tenho medo... não quero... não quero procurá-lo
para encontrá-lo com... com...
-
Ele vai voltar! Tenho certeza disso, Kurama!- Yusuke
sentou-se ao lado da raposa, passando um braço envolta dos ombros
trêmulos
-
Por que precisa demorar tanto?- Kurama virou-se para
Yusuke, seus olhos querendo a todo o custo uma resposta
-
Não sei...- Yusuke se aproximou- Não
entendo porque...
-
...- Yusuke tocou de leve os lábios de Kurama-...não...
eu não posso.- mais lágrimas caiam molhando-lhe toda a face-
Desculpe... eu não quero.
Kurama saiu correndo do quarto, deixando Yusuke com
os lábios formigando pelo leve toque e com a mente repedindo uma
única frase: "Não quero..." Ele caiu em uma ilusão,
uma ilusão deliciosa e... Yusuke lambeu devagar os próprios
lábios sentindo o gosto doce de Kurama. Com um sorriso tímido,
o detetive se levantou e seguiu para fora do quarto.
Chegando na sala, deparou-se com Kurama em pé,
olhando para a janela de braços cruzados e ainda com lágrimas
nos olhos. Um pequeno soluço escapou-lhe e ele levou uma mão
à boca tentando conter os futuros. Yusuke se aproximou e puxando
delicadamente um braço de Kurama o trouxe para sentar-se no sofá.
-
Yusuke, eu não quero que pense que eu... que
eu estou brincando com você.- Kurama não conseguia encarar
o amigo. Uma lágrima começou a escorrer pela sua face, mas
foi rapidamente retirada como se ele quisesse mostrar que aquela não
era a hora de chorar- Não vamos deixar de ser amigos, não
é? Digo... não que isso não tenha importância
pra mim...- Kurama brincava com os dedos nervosamente-... mas eu... eu
não queria mudar nada.
-
Não posso simplesmente apagar da minha mente
o que aconteceu...- Kurama lhe dirigiu um olhar tão magoado e cheio
de culpa que fez Yusuke ter certeza de que estava sozinho nisso tudo- ...
mas eu também acho que devemos... deixar como antes. Não
posso negar o que você me fez sentir, eu vou me amaldiçoar
por isso, eu sei! Mas, Kurama...
-
Me deixe sozinho, por favor.- Kurama estava com os
olhos fechados e a cabeça pendia levemente.
-
Vá embora, por favor!- ele foi até
a entrada e abriu a porta- Vai ser melhor assim.
-
Yusuke, por favor!- Yusuke levantou-se mas continuou
no lugar- Não me deixe com mais raiva do que já estou!- Kurama
deu um longo suspiro e voltou a falar, mas num tom muito mais calmo e pausado-
Por favor...
Yusuke olhou para o chão tentando esconder
a tristeza impressa em seu rosto. Depois tomou fôlego e andou na
direção da porta. Ao se aproximar de Kurama ele desviou o
olhar e disse com a voz alterada:
-
Não pretendia te deixar com raiva... desculpe.
-
...- Kurama levantou os olhos com pesar e observou
Yusuke saindo- ... não foi você. Fui eu...- disse fechando
a porta e se apoiando pesadamente nela.
2º round:
E mais um mês se passou. Kurama recebeu
um telefonema de Yusuke, querendo saber se ele precisava de alguma coisa.
Kurama agradeceu dizendo que não e pediu que Yusuke não o
procurasse mais, pelo menos até Hiei voltar...
-
Não, tudo bem! Eu entendo, Kurama...
-
Que isso! Imagina... eu estou ótimo! Não
estou bravo não, apenas... preocupado.- alguns segundos de silêncio-
Sua mãe já voltou?
-
Não. Acho que ela se apegou bastante com o
trabalho comunitário nas outras cidades. Hoje de manhã ela
me ligou dizendo que ia viajar de novo... que talvez volte só no
próximo fim-de-semana.
-
Yusuke, eu... preciso desligar...
O som do outro lado da linha indicava que Yusuke
já tinha desligado. Kurama afastou o fone do ouvido e o apoiou sobre
o colo.
-
O que eu estou fazendo de errado? O que ainda está
errado?
Kurama sentiu um leve tremor correr pelo seu corpo.
Pôs o aparelho na base e levantou-se. Olhou para o telefone mais
uma vez. Deu um passo a frente, virou de costas e virou de novo encarando.
Se afastou andando até o outro extremo da sala ficando perto da
janela. Olhou de novo para o aparelho. Apoiou os cotovelos no parapeito
da janela e abaixou o rosto olhando o chão. Depois voltou a olhar
o telefone. Andou todo o caminho de volta e sentou no sofá ao lado
do telefone.
Antes de pegar no fone, uma pequena brisa refrescou
seus dedos. Kurama olhou para frente e viu Hiei sentado displicentemente
no parapeito da janela tirando uma das botas, completamente alheio a presença
da raposa.
-
Hiei!!!- algo muito forte e poderoso cresceu dentro
do peito de Kurama. A sensação se espalhou por todo o seu
corpo que em resposta correu até o koorime.
-
hã? Kurama... – como uma criança que
abraça seu bichinho de pelúcia, Kurama se agarrou em Hiei
com força e o apertou bem forte contra o peito. Sem perceber, jogou
todo o seu peso sobre Hiei e os dois quase caíram pra fora da casa.-
Kurama, cuidado!!!
-
Hiei... eu... eu...- lágrimas começaram
a correr pelo rosto de Kurama, que sorria feito um bobo. Era como se um
pesadelo tivesse acabado.- Você voltou!!!- Kurama abraça o
koorime novamente.
-
Me desculpe...- Hiei afaga o cabelo ruivo cheio de
ternura- Aconteceu tantas coisas...
-
A pior delas foi ficar longe de você...- Kurama
tomou os lábios de Hiei. Sem esperar por mais nada, explicações,
motivos ou desculpas, queria apenas sentir Hiei de novo, mais nada...
Kurama virou-se na cama e enroscou-se satisfeito
no corpo adormecido de Hiei. Definitivamente aquela cama era muito grande
para uma só pessoa. Apesar de ser uma cama de solteiro... "mas a
presença dele deixa tudo diferente", pensou admirando a face de
Hiei. Os lábios da raposa se curvaram num sorriso e ele inclinou
o rosto beijando delicadamente os lábios de Hiei. Olhou de novo
e beijou a testa, depois o nariz, depois a boca de novo, depois uma bochecha,
a outra, a boca de novo, o nariz, uma orelha, a boca...
-
hummm...- Hiei abriu os olhos confuso no meio de
um ataque tão poderoso
-
Que bom...- um beijo- ... que...- outro beijo- ...acordou!-
um beijo acompanhado de um sorriso que foi seguido por mais beijos!
-
Kurama...- calado por um beijo- ... o que você...-
calado por outro beijo- ...está fazendo?- como acabou a frase ele
não foi calado, mas gostou mesmo assim dos beijos seguintes.
-
Estava te acordando...- um beijo longo e carinhoso
se seguiu, Kurama levantou o rosto e disse sorrindo- Como você já
acordou, acho que posso parar...
-
Nem pense num absurdo desses...- Hiei passou o braço
pelo pescoço de Kurama e, num impulso inverteu as posições-
Porque eu te quero cada segundo assim...
***********
-
Só...- Kurama abraça Hiei por trás,
prendendo seus braços-... um instantinho...
FLASH!
-
O que foi isso?- diz o koorime piscando várias
vezes os olhos
-
Rápido!- Kurama coloca o koorime de frente
pra ele- Temos mais uma!
FLASH!
Hiei continua piscando os olhos com mais intensidade
agora, enquanto Kurama deixa seus lábios e se vira para a máquina
colorida a frente deles.
-
Estão prontas, Hiei! ...Hiei?- o koorime o
olha de soslaio- Olha como ficou!
Kurama mostra as pequenas fotos, do tamanho da ponta
de um dedo, para Hiei que arregala os olhos. Três fotos tinham Kurama
e ele abraçados, as outras três era Kurama e ele abraçados
e se beijando!!!
Kurama tira uma foto e gruda no nariz do koorime
-
Pra grudar... como são pequenininhas, dá
pra grudar em qualquer lugar.
-
Meu nariz não é qualquer lugar.- Hiei
diz visivelmente impaciente
-
Pra essas fotos em especial, realmente não
é não...- a raposa finge estar séria
A foto é puxada de uma só vez
do nariz de Hiei
-
Ai! Mas que droga, Kurama! Eu vou embora daqui antes...
que você... tenha outra idéia maluca...
Kurama sorri vendo Hiei se irritar com a cortina.
Estava com saudades desse temperamento do seu koorime. "Ele fica tão
lindo bravo..."
-
Vamos pra casa?- Kurama diz sorrindo enquanto afasta
a cortina para o koorime passar.
Já estavam andando há um bom tempo,
quietos. O sol já tinha se posto e algumas estrelas começavam
a aparecer.
-
Você ainda não me contou... o que te
fez demorar tanto para voltar?
-
Não vou falar sobre isso aqui.
-
Está bem...- Kurama sentiu um tom estranho
na voz de Hiei e ficou preocupado- Quer tomar sorvete?
***********
3º round:
Faltando algumas quadras para chegar Hiei diz
meio que irritado para Kurama:
Kurama apurou os sentidos e parou assustado no meio
da calçada com a confirmação do youki de Yusuke na
frente de sua casa.
-
Não... é que... eu não esperava
ninguém.
Kurama sorri e volta a andar. Hiei o acompanha indiferente.
Nunca a volta para casa foi tão torturante. Kurama estava visivelmente
incomodado com o fato de Yusuke estar na porta de sua casa. Hiei apenas
caminhava captando todas as reações da raposa. Antes de virarem
a última esquina, o koorime some no ar deixando Kurama sozinho.
A raposa ficava mais tensa conforme caminhava e, agora, sem a presença
de Hiei. Kurama concluiu que ele fez isso porque nunca gostou de admitir
que estava com ele, apesar de todos saberem. "Mas por que justo agora???",
pensou Kurama enquanto cerrava os punhos e era notado por Yusuke.
O detetive estava apoiado no muro que cercava
a casa e desviou o olhar ao ver Kurama.
-
er... Kurama, eu sei que você me pediu...-
Yusuke foi se aproximando enquanto falava
-
Percebeu que Hiei voltou?- interrompeu Kurama com
um sorriso ao abrir o portão e, gentilmente, dar espaço para
o detetive passar.
-
...percebi. Mas o que eu queria dizer é que...
-
Não quer entrar?- Kurama interrompeu de novo
abrindo um sorriso maior.
A noite já tinha caído por completo
e, mesmo com a ajuda da luz da lua, Kurama não percebera a tensão
e um leve rosado na face de Yusuke. Vê-lo sorrir e falar amavelmente
quando esperava ser quase que escorraçado fez, sem que Yusuke quisesse,
um sentimento quente e cheio de esperança crescesse em seu peito.
Já devia ter imaginado que Kurama nunca o trataria com desrespeito,
mesmo que o merecesse, a raposa sempre lhe mostraria um sorriso e sempre
o ouviria. Era isso que Yusuke queria. Ter uma chance de ser ouvido, de
falar e mostrar tudo o que está sentindo e sabe desde aquela tarde.
Claro que não esperava a chegada de Hiei.
Mas conseguiu se preparar psicologicamente quando sentiu que o youki de
Kurama estava acompanhado pelo do koorime, antes dos dois chegarem e, por
sorte, se separarem. O detetive ainda sentia a presença dele já
dentro da casa, e isso o deixava mais tenso. Seu alívio é
que Kurama o recebera com uma atitude positiva e, parecia-lhe, disposto
a escutar.
Kurama teve que passar as mãos na própria
roupa para secar o suor que não parava de brotar no meio de seus
dedos. Nos poucos segundos entre o sumiço de Hiei e a aproximação
de Yusuke, Kurama conseguiu criar o plano mais maluco que já passou
pela sua cabeça. Com certeza Hiei não está imaginando
que Kurama vai trazer Yusuke pra dentro de casa... que quer colocar os
dois, aliás, os três juntos para que tudo fique esclarecido
apenas com a cena que se formará. Para Kurama, Yusuke não
pensaria em nada arriscado, talvez ficasse sem reação e um
pouco constrangido, mas com certeza, com Hiei estando com eles, nada de
mal poderia acontecer. Yusuke enxergaria que o que ele pensa que sente
é apenas temporário e se convenceria que um dia, iria passar.
Kurama apenas não contava com uma traição.
Yusuke parou atrás dele, muito próximo.
Kurama podia sentir a respiração quente mexendo com alguns
fios de seu cabelo que, com a inevitável "brisa", faziam-lhe cócegas
na nuca. Antes de girar a chave para abrir a casa, Kurama se sentiu obrigado
a passar a mão envolta do pescoço para interromper o arrepio
gostoso. Quando a porta foi aberta, o ruivo sentiu-se preso por uma mão
forte que cobriu perfeitamente a circunferência de seu punho. Kurama
voltou-se encarando com um pouco de irritação Yusuke que,
para a sua surpresa, estava sério e intimidador.
-
Eu só quero avisar... por precaução.
Mantendo a raposa presa, Yusuke entra na casa. Ele
começa a admirar a decoração, como se fosse a primeira
vez que entrava lá. Continuou, sem olhar para Kurama, aparentando
ser o dono da situação.
-
Eu vim aqui porque fiquei preocupado, pois liguei
o dia inteiro e você não atendeu.- Yusuke trouxe a mão
de Kurama até o próprio peito. Com esse movimento, Kurama
teve que dar um passo a contragosto na direção do detetive.-
Mas quando cheguei aqui e senti você...- Yusuke aponta com a mão
de Kurama para o teto- ... e ele... entendi que era hora de você
me escutar.
Kurama olhava com cautela dentro dos olhos de Yusuke.
Não estava gostando nada daquilo, queria tirar sua mão da
de Yusuke, mas por alguma razão não conseguia. Seus lábios
estavam levemente abertos, prontos desde que fora preso, para dar uma resposta,
uma bronca, reclamar ou simplesmente... esperar. Podia sentir seu rosto
ficar vermelho, não exatamente por causa da situação,
mas porque uma onda de calor instalou-se em seu corpo, atrapalhando suas
idéias e vontades.
Com uma prece mental, Kurama pedia que Hiei aparecesse
logo. Não devia demorar muito, afinal Hiei sempre se mostrou muito
possessivo e as últimas atitudes de Yusuke eram mais do que suficientes
para trazer um demônio muito zangado para dentro da sala.
-
É só isso que eu te peço agora,
Kurama... que me escute. Você vai fazer isso, não?- Yusuke
soltou a mão de Kurama
-
... -Kurama estava sem fala.
De onde estava, Kurama podia ver perfeitamente os
olhos castanhos quase negros de Yusuke e, seguindo com o olhar, atrás
do detetive, podia não só ver, como ser ameaçado também,
pelos olhos vermelhos de Hiei. O koorime apareceu exatamente no momento
em que a mão de Yusuke o soltou.
-
Hiei...- o nome de seu koorime foi a única
coisa que Kurama conseguiu responder, mais como um pedido de socorro do
que uma resposta.
-
Vocês humanos são ridículos!-
Hiei aproximou-se de Kurama ignorando por completo a presença de
Yusuke- Sente-se.
Kurama obedeceu. Talvez porque suas pernas não
o agüentariam mais, talvez porque não se sentia seguro em desobedecer
Hiei agora, talvez porque não sentisse mais nada, apenas as batidas
fortes de seu coração que refletiam no seu corpo todo como
um soluço insistente.
A notícia com certeza não foi dada
para impressionar. Ainda mais do jeito como foi dada. Hiei não mudou
o tom de voz, não piscou, não demonstrou um traço
de nervosismo. Como se tivesse acabado de falar algo do cotidiano, enfadonho
e típico. Os olhos de Kurama piscaram algumas vezes, mas nem isso
foi capaz de ajudá-lo a digerir a novidade e a raposa continuou
olhando para Hiei em um pedido mudo para que repetisse o que tinha acabado
de dizer.
-
Você não sabia, né, Kurama?-
Yusuke falou sentando-se displicentemente em uma poltrona ao lado de Kurama.
-
Não foi...- Kurama olhava aflito para Hiei
que mais parecia uma estátua sem vida e sem sentimentos
-
Óbvio que não.- respondeu o koorime
olhando rápido para Yusuke- Eu cheguei segundos depois da morte
dela.
Kurama abaixou o rosto e suspirou de alívio.
Pensar em Hiei como o assassino de Mukuro era, inesperadamente, algo doloroso
para Kurama.
-
Na verdade, estamos investigando isso.- Yusuke falou
com a voz forçadamente cansada
-
Estamos...?- Kurama o encarou confuso
-
Eu e o Reikai.- o detetive levantou-se e caminhou
até ficar alguns passos atrás de Hiei- O assassinato de Mukuro
é um fato muito estranho e ainda cheio de mistérios. A parte
mecânica do rosto dela sumiu... deve ter sido estraçalhada.
Apenas poucas pessoas, altamente habilitadas, poderiam batê-la de
frente e ganhar...
-
Eu sou o herdeiro de tudo que Mukuro deixou.- continuou
Hiei de novo ignorando a presença e tudo o que Yusuke falou até
agora
-
... a única pessoa que estava lá e
que tinha razões e condições para matá-la era
Hiei.- Yusuke se posicionou ao lado do koorime e, conseqüentemente,
de frente para Kurama.
-
Só que metade do exército dela não
acredita em mim... e eu estou sendo caçado por algo que não
fiz.- ao terminar a frase, Hiei esboçou um leve sorriso, que rapidamente
sumiu quando Yusuke voltou a falar
-
Hiei é o meu principal suspeito. É
quase certo que ele tenha matado Mukuro para satisfazer duas específicas
ambições. Provar que é mais forte e...
-
Você.- Hiei interrompeu- Eu não hesitaria
em matar Mukuro por você, Kurama... mas só se ela ameaçasse
a sua vida ou o que existe entre...
Kurama olhava fixamente para Hiei esperando que ele
terminasse a frase, mas ele não terminou. Os olhos vermelhos desviaram-se
de Kurama e uma expressão irritada enfeitou o rosto de dele. Yusuke
se agachou ficando na mesma altura que Kurama e segurou as mãos
do ruivo entre as suas.
-
Venha comigo, Kurama. Você corre perigo aqui
ao lado dele! Hiei ao invés de se apresentar e submeter-se às
leis do Reikai, simplesmente sumiu, tornando a suspeita em cima dele maior
ainda.
-
Foi a única coisa certa que ele fez.- disse
Hiei entredentes- Até agora.
-
Primeiro porque você sairia sem pensar duas
vezes atrás dele. Isso o colocaria em uma situação
de risco dupla, pois seria considerado como um cúmplice pelo Reikai,
caso o achasse e ficasse ao lado dele. E também ficaria como alvo
fácil do exército de Mukuro que está atrás
dele. O exército de Mukuro ao contrário do Reikai não
vai julgar, apenas matar.
Kurama franziu o cenho e balançou a cabeça
tentando por os pensamentos em ordem. De uma hora para a outra sua vida
foi invadida por um furacão que destruiu tudo o que tinha criado
e acreditado para o futuro. O que tinha feito para merecer isso? Por que
a mão de Yusuke cobrindo as suas lhe dão uma sensação
de conforto desconhecida? Por que o olhar distante de Hiei lhe deixa com
o coração cheio de culpa e medo? Por que sentia que o pior
ainda não tinha começado?
Soltando-se das mãos de Yusuke, Kurama
levantou-se, tirou o casaco, jogou-o sobre a mesa e caminhou na direção
da cozinha. Entrou e serviu-se de um copo d’água. Depois ficou um
bom tempo admirando a água calma e transparente no copo. "Estou
fugindo...", pensou enquanto imaginava como estariam os dois sozinhos na
sala. Deixando o copo na pia, Kurama soltou a cabeça para trás
e suspirou, depois saiu andando até parar na porta da sala, atraindo
a atenção de Hiei que apenas virou os olhos em sua direção
e Yusuke, que se levantou e caminhou até ele.
Antes de Yusuke chegar muito perto, Kurama recomeçou
a andar e, ignorando os dois, começou a subir as escadas.
-
Kurama!- Yusuke chamou ao mesmo tempo em que Hiei
desaparecia no ar
-
Yusuke...- Kurama virou-se e percebeu que o detetive
estava muito próximo, quase encostando seu corpo no dele- Eu preciso
urgentemente ficar sozinho...
-
Sei que você levou um choque muito grande hoje,
mas acontece que eu não terminei.- Yusuke deu um passo, dividindo
o mesmo degrau em que Kurama estava.
Kurama pôde ler nos olhos castanhos que nada
do que falasse ou fizesse impediria o detetive de continuar. Sentindo-se
prensado entre o corpo e o braço de Yusuke, que envolveu sua cintura,
Kurama não fez nada a não ser permitir o beijo ao qual era
forçado. Para sua surpresa, começou a responder timidamente
as carícias dentro de sua boca, as linhas de calor que as mãos
de Yusuke deixavam nas suas costas e ao corpo moldado perfeitamente no
seu. Coisa que pensava ser possível apenas com Hiei...
Yusuke soltou os lábios de Kurama e sorriu
ao constatar que o ruivo estava ofegante e completamente entregue aos seus
braços. Podia sentir com satisfação o calor que conseguiu
criar no corpo da raposa e no youki violentamente raivoso que começou
a crescer fora da casa. Sabia que era Hiei. Por mais que corresse perigo,
o koorime não deixaria Kurama sozinho. Nem Yusuke.
4º round:
-
Yusuke... eu...- Kurama tomou coragem para abrir
os olhos e encarar um homem confiante e sedutor
O detetive aproximou-se da orelha de Kurama
e sussurrou:
-
Eu pedi que apenas me escutasse...- a raposa sentiu
todo o seu corpo se arrepiar com a voz rouca e quente dentro do seu ouvido
e inconscientemente fechou os olhos novamente- Por favor...
Kurama gemeu baixinho e encolheu os ombros. Sentiu
os braços de Yusuke lhe abraçando com ternura e afagando
seu cabelo. Kurama escondeu o rosto na curva do pescoço do detetive
e suspirou, sentindo um perfume gostoso e inebriante.
O abraço se intensificou um pouco, tornando
a corrente de calor entre eles mais forte.
-
Eu quero você meu pra sempre.- Yusuke segurou
o queixo de Kurama e levantou seu rosto- Exatamente como agora.
Yusuke tomou os lábios de Kurama de novo e
o beijou com fervor. Mas parou ao sentir um gosto salgado. Soltou os lábios
e deparou-se com Kurama chorando silenciosamente. Lágrimas que não
paravam, escorregavam silenciosas pela face rosada. O detetive limpou com
as mãos o rosto de Kurama, mas mais lágrimas apareceram em
silêncio e acusadoras. Yusuke abraçou o ruivo meio que em
desespero, apertando-o contra o peito. Queria poder fazer algo, parar aquela
tristeza e dor que faziam Kurama chorar tanto, mas não sabia como.
Foi quando escutou uma voz embargada e triste:
-
O que?- Yusuke olhou para Kurama que tinha levantado
um pouco o rosto e o olhava com uma tristeza profunda, as lágrimas
ainda correndo livres
-
Você disse que... primeiro eu iria correr um
risco duplo... se me contasse.- Kurama se afastou de Yusuke e passou a
mão no rosto limpando em vão as lágrimas- Segundo...?
-
Segundo que eu te amo.- Yusuke abaixou o rosto- Seria
uma dor muito grande pra mim ver você preocupado e correndo perigo
por causa dele.
Kurama mordeu o lábio e acenou verticalmente
com a cabeça, demonstrando entender os sentimentos de Yusuke. Depois
virou as costas e terminou de subir as escadas. Yusuke escutou o som de
uma porta sendo aberta e fechada e depois o silêncio.
De volta a sala, Yusuke avistou algo curioso.
Quase escondida debaixo do casaco de Kurama, estava a carteira de Shuuichi.
Yusuke afastou o casaco, pegou e abriu a carteira. Seus olhos se estreitaram
em raiva. Ao lado da identidade de Shuuichi Minamino estavam guardadas
pequenas fotos do ruivo e Hiei juntos. Além da raiva, Yusuke experimentou
a dor, pois Kurama parecia muito feliz.
Como a raiva era maior que a dor, Yusuke pegou
as pequenas fotos, colocou a carteira em um dos bolsos do casaco e saiu
da casa. Ao chegar no portão, o detetive parou e olhou para a janela
do quarto de Kurama, com mais raiva ainda pôde sentir a presença
de Hiei lá dentro. O maxilar de Yusuke se tencionou e, amassando
as fotos, ele direcionou um pouco do seu youki para a mão. Depois
de alguns segundos, uma gota de sangue saiu entre seus dedos e Yusuke abriu
a mão que já não tinha mais nada, apenas a marca das
suas unhas fincadas na carne.
-
Terceiro... ele não te merece.
********
Kurama entrou no quarto, não precisou acender
a luz, os olhos vermelhos de Hiei eram muito bem visualizados até
na mais completa escuridão. As lágrimas ainda estavam lá,
brilhantes e silenciosas. Por mais que quisesse não conseguia parar.
Percebeu que o koorime virou-se de costas. Kurama andou até ele,
mas não soube o que fazer. De repente, sentiu o youki de Yusuke,
fora de sua casa, mas com uma raiva e dor surpreendentes. Podia sentir
o youki de Hiei também e apesar de tentar esconde-lo, Hiei não
conseguia disfarçar a grande mágoa que se instalara nele.
-
Se sente dor...- Hiei começou logo depois
que o youki de Yusuke se afastou- ... por que deixa que ele o toque daquele
jeito?
Kurama não respondeu. Não sabia a resposta.
Queria realmente poder responder, mas tudo o que sentia era muito estranho
e novo. Sentindo-se derrotado pelo próprio coração,
Kurama sentou-se pesadamente na cama.
-
Não pense que te darei tempo para escolher,
Kurama.- Hiei disse sem expressar nada além de raiva- Não
te darei escolha, nem isso.
Kurama levantou-se surpreso. Sentia seus lábios
tremerem por alguma fala, algo que fizesse Hiei mudar de atitude. Mas a
expressão no rosto do koorime deixou-o em uma completa solidão
de sentimentos, pois a única coisa que sentia era medo de nunca
mais vê-lo. Isso foi o bastante para deixar Kurama mudo e desesperado
diante de Hiei. As lágrimas aumentaram e junto com elas vários
soluços. Kurama deixou-se cair no chão e chorou como nunca
antes. Na sua cabeça estava amaldiçoando a si mesmo por deixar-se
levar por Yusuke. Olhando para cima, Kurama soluçou mais pela visão
dolorosa que obteve. Hiei olhando para a janela, completamente distante,
alheio a sua dor.
Hiei ajoelhou-se e olhou nos olhos de Kurama,
sua raiva era tanta que tinha vontade de socá-lo até que
chorasse mais e cada vez mais. Queria escutá-lo gritar de dor e
arrependimento. Por que essa raposa maldita se achou no direito de brincar
com seus sentimentos? Desde que começaram a se envolver, Hiei sempre
o alertara de uma única coisa: não estava ali para ser mais
um, estava ali para ser o único. E Kurama sempre o enrolava com
a mesma ladainha: que ele sempre seria o único. Foi pura burrice
ter acreditado nisso.
-
Pare de chorar.- Hiei ordenou secamente
Kurama tentou parar. Faria de tudo para obedecer
a qualquer ordem de Hiei naquele momento. Mas as lágrimas não
paravam, os soluços podiam ser abafados, um pouco. Mas as lágrimas
saiam sem sua vontade. Hiei se irritou e com toda a força que pode
juntar deu um tapa em Kurama, que caiu com o corpo no chão, mordendo
os lábios com força, segurando ao máximo o choro.
-
Eu disse: Pare de chorar!- Hiei agarrou os cabelos
ruivos e puxou Kurama pra cima, arrancando um gemido de dor dele.- Não
consegue fazer uma coisa simples assim?
Com a outra mão, o koorime segurou o queixo
de Kurama, os dedos apertavam a pele com força deixando marcas brancas
envolta.
-
Escute bem o que eu vou dizer, Kurama. Terá
muito tempo para chorar e se lamentar depois!- Hiei falava bem perto de
Kurama, os lábios quase se tocando- Eu já fiz uma escolha.
E não me importa o que fez ou o que pensa em fazer, você vai
ter que conviver com a minha decisão, querendo ou não.
Kurama nem pode respirar, já estava tomado
pelos lábios de Hiei que o machucavam e o sufocavam. Hiei não
pensava em poupá-lo um só segundo. A mão desceu do
queixo para o pescoço e de repente começou a apertá-lo
como se quisesse quebrá-lo. Não acreditando que essa era
a verdadeira escolha de Hiei, Kurama se debateu e agarrou o braço
que o sufocava, tentando tira-lo de lá em vão.
O beijo cessou. Mas a mão de Hiei ainda
sufocava Kurama sem dar trégua. Hiei soltou o pescoço e onde
estava a sua mão, marcas vermelhas e fundas ficaram. Puxado pelo
cabelo, Kurama foi posto na cama e, enfim, completamente solto. Hiei estava
a menos de um passo de distância dele.
-
Você quer escapar de mim... mas nem recusou
uma aproximação dele.
-
Yusuke não me machucou em nenhum momento,
não tinha porque eu querer escapar.- Kurama falava ainda ofegante;
as lágrimas começaram a diminuir
-
Não... mas você me machucou. Vocês
dois, juntos, me ferem.
-
Nós não estamos juntos!- Kurama levantou-se
completamente indignado pela acusação. Hiei estava entendendo
tudo errado!- Eu não sei o que deu no Yusuke pra começar
a me tratar assim! Sempre deixei claro que...
Um soco seco contra o estômago de Kurama o
fez perder a voz.
-
Você sabe que eu te odeio, não?- Kurama
arregalou os olhos ainda molhados- Parabéns, Youko Kurama... conseguiu
o que queria. Meu amor e meu ódio, ao mesmo tempo.
-
Cala a boca! Só estou eu aqui, Kurama. Você
não precisa fingir! Não mais!
Hiei aproximou-se, sem tirar os olhos de Kurama,
passou os dedos pelas marcas que deixou nele e por duas lágrimas
solitárias.
-
Eu nem sei como consegui te beijar... eu sinto tanto
nojo, mas tanto nojo, que nem consigo sequer me imaginar te beijando de
novo.
-
Você não... vai concluir?
-
Não seja ridículo, Kurama!- Hiei empurrou-o
contra a parede e sentou-se no colo do ruivo, posicionando-se sensualmente
nas suas coxas- Achou mesmo que eu queria te matar?
-
... -Kurama abaixou o rosto- Eu quero me matar...
5º round:
-
Ainda não entendi a sua decisão. Você
quis descontar sua raiva batendo em mim? Foi isso?
Hiei estava sentado na cama, com um travesseiro nas
costas e Kurama abraçado a ele, encostando a cabeça em seu
peito. Os dois estavam nus e parcialmente cobertos pelo lençol.
Hiei tinha uma mão escondida no cabelo ruivo e outra atrás
da própria cabeça, na nuca. Nem parecia que foram protagonistas
de uma briga violenta. Com o semblante calmo e os olhos fechados, enquanto
Kurama contornava os músculos de seu peito e abdômen, Hiei
abriu os olhos e mirou cada marca que fez no corpo abraçado ao seu.
-
Então eu não entendo mesmo. Pensei
que iria me bater mais, até se cansar. Mas ao contrário,
você nunca foi tão doce.
-
Bom... você já foi doce muitas vezes.
Mas hoje, eu... eu sei que fiz algo que não devia.- Kurama abraçou
Hiei com um pouco de força, temendo que ele se irritasse e fosse
embora- Você não merecia isso... e tem todo o direito de querer
vingar-se.
-
Sei disso.- Hiei voltou a fechar os olhos
-
Não que eu ache que se estivesse no seu lugar
escolheria o espancamento para me vingar... Mas acho que isso tem a ver
com temperamento.
-
Você me assustou no começo...
-
Você disse que tomou uma decisão. Se
não é se vingar, qual é?
-
... –Kurama levantou o rosto e olhou apreensivo para
Hiei que abriu os olhos. O Jagan foi se abrindo devagar e emanou uma fraca
luz- Qual é?
-
Já começou.- A luz que sai do Jagan
se intensifica e, por alguns segundos, Kurama sente-se cego até
tudo voltar ao normal e Hiei voltar a fechar os olhos
-
O que você fez?- Kurama sentou-se esperando
uma resposta
-
Já disse.- Hiei levantou-se da cama e começou
a se vestir- Você vai saber... na hora em que decidir me trair de
novo.
-
Você não vai... nunca mais... me trair.
-
Como vai fazer isso?- Kurama estava de pé
com os braços cruzados no peito
-
Eu não vou fazer nada. Já fiz.- Hiei
ajeitou o cachecol branco no pescoço e se virou para Kurama. Admirou
a beleza nua da raposa em pose de total descrença diante de suas
palavras- É melhor acreditar... se eu quiser você nem sai
desse quarto. Você pode até beijar e abraçar outra
pessoa, mas ninguém vai conseguir de você o que eu consigo...
mesmo quando te espanco.
-
Você não sabe o que está dizendo...
-
Você não sabe o que vai fazer.- Hiei
apoiou um pé no parapeito da janela, mas Kurama segurou seu braço
-
Não pode sair! Você está sendo
caçado por um exército, pelo Reikai e por Yusuke! Não
pode sair daqui!
-
Hn. Yusuke não está pensando em me
pegar assim tão facilmente. Se ele quisesse isso teria feito antes.-
Hiei sentou-se na janela- Mas o exército de Mukuro pode querer te
usar para me pegar. Por isso apareci.
-
Pode falar o que quiser mas eu vou te seguir, você
querendo ou não.
-
Você vai ficar com Yusuke.- Hiei falou sério,
sem encarar Kurama
-
Ao lado dele, ninguém poderá te acusar
de nada, ao mesmo tempo em que nenhum soldado de Mukuro poderá te
fazer mal.
-
Confia tanto assim no truque do Jagan?- Kurama falou
zombando
-
Confio.- Hiei preparou-se para ir
-
Hiei! Mas por que você precisa ir? Por que
não fica aqui comigo?
Hiei virou-se de repente encarando furioso Kurama
-
Não acha estranho o Reikai estar se incomodando
com a morte de Mukuro? E ainda querer culpar o assassino? Desde quando
o Reikai se preocupa com o quem morre ou deixa de morrer no Makai? Além
do mais, a face mecânica de Mukuro não foi destruída,
foi retirada.
Mais informações... e a mente de Kurama,
sempre acostumada a resolver questões desse tipo com facilidade,
estava confusa. Conseguia entender a desconfiança de Hiei sobre
o Reikai e dava razão a ele, mas não entendia o que a face
mecânica de Mukuro tinha de tão importante... Sendo também
que ela poderia ser retirada sem que fosse preciso matar.
-
Alguém está querendo tomar o poder...
unificar o Makai?
-
Não sei. Mas não é isso que
me interessa. Eu quero descobrir o assassino de Mukuro e vinga-la. Ela
merece isso... de mim.
-
Acha que Yusuke sabe de alguma coisa?
-
Não. Ele está me caçando com
uma desculpa besta sendo que os motivos dele são outros, você
já deve ter percebido.
-
O idiota nem deve ter visto como a Mukuro ficou...
-
Kurama, não pense em fazer nenhuma bobagem.-
Hiei segurou o rosto de Kurama entre suas mãos- Porque eu nunca
vou me perdoar de ter te batido, mas eu também sei que faria tudo
de novo se fosse necessário...- o koorime abaixou o rosto- ...eu
te amo demais, mas essa dor duas vezes...- olhou de novo nos olhos de Kurama
e depois mirou os lábios- ...nunca mais.
-
Eu...- Hiei calou os lábios de Kurama com
um beijo, depois ficou admirando por alguns segundos os olhos verdes- ...
eu também te amo. Muito.
Um sorriso triste se formou na face de Hiei que logo
depois desapareceu no ar. Kurama ficou olhando para o nada, mas na sua
mente o sorriso de Hiei ficou. Toda a alegria e confiança que ele
passou fez Kurama sorrir também. O ruivo voltou para a cama, espreguiçou-se
um pouco e voltou a dormir. Já sabia o que fazer.
6º round:
-
Não vai me deixar entrar?
Kurama sorriu divertido diante da cara de espanto
de Yusuke, que agora derretia-se diante do sorriso que tinha a frente.
-
Que foi?- a raposa perguntou com a cara mais inocente
do mundo
-
Nada...- Yusuke sentiu a face enrubescer e ficou
com mais vergonha ainda
O ruivo deu dois passos para dentro do apartamento
sabendo ser vigiado por um par atento de olhos castanhos. Acomodou-se educadamente
no sofá e observou a bagunça a sua volta. Um calhamaço
de papéis timbrados com o símbolo de Koenma chamou-lhe a
atenção. Estavam parcialmente espalhados pela mesa de centro.
Kurama ficou tão interessado neles que até se assustou quando
Yusuke ajuntou todos os papéis em um bloco só e guardou dentro
de uma gaveta na pequena estante ao lado do sofá.
-
Aconteceu alguma coisa?- Yusuke olhou desconfiado
agora
-
Então por que não ligou pra mim? Ou
atendeu aos meus telefonemas? Acho que a memória da sua secretária
já deve ter ido pro espaço, não?- a voz de Yusuke
saiu completamente impessoal. Parecia que ele já tinha superado
o susto da visita de Kurama, estava calmo, sentado entre almofadas no chão.
-
Yusuke não misture as coisas. Se eu...
-
Eu só estou fazendo o meu trabalho, Kurama.
Esqueceu que ainda sou detetive do Reikai?
-
Eu não fiz nada que justifique...
-
Ora, Kurama! Por favor, não tente me enganar,
pois você não vai conseguir!- Yusuke aumenta o tom de voz-
Faz mais de uma semana que eu tento falar com você. Hoje, sem mais
nem menos resolve aparecer? O que aconteceu? Hiei se machucou?- A última
frase foi dita em tom zombeteiro
-
Já que não está me levando a
sério...- Kurama se levantou
-
Eu não estou te levando a sério???
Kurama... você é a pessoa com quem eu mais me preocupo no
mundo. Como pode dizer uma coisa assim?
Kurama deu um suspiro longo.
-
O que quer que eu diga? Você não quer
me ouvir!
-
É aí que você se engana...- Yusuke
levantou-se e encarou zombeteiro os olhos verdes- Eu faço o que
você quiser pra escutar uma só coisa...
-
Desculpe-me, mas eu não sou de mentir.
-
Ninguém está pedindo que faça
isso.- A expressão do detetive alterou-se- Kurama, eu já
disse tudo o que sinto, tudo o que quero... mas você não me
respondeu. Não me interessa se for uma resposta positiva ou negativa,
apenas responda!
-
Acho que já sei a resposta... mas queria escutar
isso dos seus lábios. O que também parece ser impossível,
porque você não se incomodou a semana inteira... por que hoje?
Silêncio. Nenhum dos dois ousava se encarar.
Kurama começou então.
-
Alguns youkais invadiram a minha casa hoje cedo...
acho que estavam procurando por Hiei.- o ruivo sentou-se no sofá
novamente- Claro que isso não foi um problema pra mim... mas acontece
que minha mãe vai voltar amanhã e eu não quero que
nada aconteça a ela.
-
E daí...- Yusuke deixou-se cair desleixadamente
nas almofadas
-
Sei que sua mãe está morando...
-
Sim... achei que não teria problema algum
já que você...
-
Achou?- Yusuke olhou para a janela e disse pra si
mesmo- Que ótimo... ele "achou" que não teria nenhum problema...
que idéia brilhante ele teve...
-
Pare com isso!- Kurama postou-se de pé e gritou
com raiva- Cansei disso! Cansei de ser humilhado à toa! Não
preciso responder nada! Não sou obrigado a isso! Se acha que já
sabe a resposta, contente-se com ela, então! Eu não vim aqui
por Hiei, por você e muito menos por mim. Eu vim pela minha mãe!-
o ruivo parou e tomou fôlego- Não sei como vocês conseguem...
Eu não controlo os meus sentimentos! Não posso impedir meu
corpo de reagir de uma forma que eu simplesmente... não sei se quero!-
Kurama continuou alheio a transformação no semblante de Yusuke-
Mas não vou ficar aqui para ser humilhado e espancado de novo! Se
não quer me ajudar, não tem problema.
Kurama se dirigia a porta quando foi barrado por
Yusuke. O detetive não mostrava estar contente com o que acabara
de ouvir e agarrou Kurama nos braços com força.
-
Não entendeu? Eu vou embora!- disse o ruivo
tentando se desvencilhar- Me solte!
-
Não é isso que eu quero saber!- Yusuke
vociferou sacudindo Kurama e o apertou com mais força. Kurama olhou
nos olhos castanhos e pode ver raiva impressa neles- Ele... te espancou?
-
...- só então o ruivo se deu conta
do que falou. Kurama abaixou a cabeça- Me solte.
-
Responda.- silêncio- O que ele fez?- sem perceber,
Yusuke colocava mais força nas mãos.
A força nos braços foi diminuindo até
que Kurama se viu completamente solto. Yusuke andou até as almofadas
e deitou sobre elas escondendo o rosto.
-
Pode ficar no quarto da minha mãe... se ainda
quiser.
**********
O corredor estava escuro, o som de uma criança
chorando no outro apartamento quebrava o silêncio e a porta pintada
de branco a sua frente era intimidadora. Kurama estava parado naquele lugar
há pelo menos uns dez minutos. Decidiu que era hora de parar de
se preocupar, estendeu a mão e tocou a campainha.
Nada. Talvez não tenha botado tanta força
no botão, não se lembrava de ter escutado o som estridente.
Mais uma vez. Nada. Kurama suspirou e tocou na maçaneta. A porta
estava aberta.
O apartamento estava diferente, arrumado e limpo.
Kurama não pode deixar de sorrir. Deixou a pequena mochila no sofá
e começou a andar procurando por Yusuke. Foi até a cozinha
mas ela também estava vazia. Estar sozinho naquela casa trouxe uma
sensação estranha e Kurama se incomodou de estar ali, sentindo-se
um intruso. Como se os móveis, as paredes, quadros, tudo lá
dentro acusasse que a presença dele era errada.
Chamou mais uma vez pelo nome do detetive, mas
apenas o silêncio respondeu. Hesitante, Kurama parou em frente a
porta entreaberta do quarto de Yusuke. Estendeu a mão no escuro
a procura de um interruptor. Um click e tudo ficou claro. Kurama soltou
uma pequena risada. O quarto continuava bagunçado. A luz foi apagada
e Kurama voltou para a sala.
-
E agora? Eu não esperava por essa...
Ao se dirigir para o sofá, Kurama esbarrou
em algo. A gaveta da estante, onde Yusuke guardara os papéis do
Reikai, estava ligeiramente aberta. Não foi preciso abrir o resto
da gaveta para perceber que já estava vazia.
Com um suspiro, Kurama senta no sofá e
decide que a única coisa a se fazer é esperar.
7º round:
Kurama acorda assustado no meio da noite. Olha
em volta e não reconhece o lugar onde está. A fraca luz da
lua que conseguia passar pelas cortinas ilumina muito pouco mas o bastante
para Kurama dar-se conta que não está mais na sala. Olhando
em volta, identificou uma grande cama de casal. Estava sentado nela e coberto
pelo lençol, sua mochila estava apoiada em uma poltrona em frente
a cama.
Deduziu logo ser o quarto de Atsuko. Kurama fechou
os olhos tentando se lembrar de como foi parar ali. Ainda estava com a
mesma roupa que tinha chegado, a não ser pelo casaco e sapatos que
não conseguia encontrar naquela penumbra.
Em silêncio, o ruivo se levantou e caminhou
até a porta. Esperava que não estivesse trancada, Yusuke
não precisava ser tão desconfiado assim. A sensação
de ser um intruso voltou a incomodar a mente de Kurama enquanto saia do
quarto e caminhava pela escuridão do resto do apartamento.
Pra falar a verdade, Kurama nem sabia o que estava
fazendo. Devia ter ficado no quarto, quietinho, sem incomodar ninguém.
Mas alguma coisa dentro dele dizia para ver se Yusuke estava mesmo dentro
do apartamento. Então, andando silenciosamente, com cada passo parecendo
custar-lhe um suspiro, Kurama foi até a porta do quarto ao lado.
Não sabia se chamava em voz alta o nome
do detetive, se espreitava na porta sem acordá-lo, se dava meia
volta esquecendo essa bobagem e voltava a dormir. A primeira coisa que
fez foi... passar a língua nos lábios secos, para depois
morder o lábio inferior. Inspirou profundamente e ergueu a mão
até a maçaneta.
As palavras entraram no ouvido de Kurama como um
sussurro libidinoso, fazendo toda a pele do pescoço se arrepiar
e sua face corar violentamente. O corpo de Yusuke estava colado ao seu,
os braços fortes, arrancando a sua camisa de dentro da calça
e deixando rastros pelo seu peito. Kurama teve que se apoiar na porta para
não cair.
-
Não devia ter saído do seu quarto...-
disse Yusuke enquanto beijava a nuca e ombros nus de Kurama- Lá
você estava seguro.
Um gemido escapou dos lábios do ruivo quando
este sentiu o calor nervoso que emanava do baixo-ventre de Yusuke. Com
um dos braços na cintura de Kurama, o detetive o trouxe para mais
perto, moldando ainda mais o corpo esguio ao seu.
-
Desse jeito... você só consegue me deixar
com mais esperança, raposa.- Yusuke fez Kurama virar-se para encarar
os olhos verdes, mas eles estavam fechados- Abra os olhos pra mim.
Kurama obedeceu passando os braços pelo
pescoço de Yusuke e afundando seus dedos no cabelo negro.
-
Seus olhos me deixam louco...- Yusuke desceu as mãos
para a calça de Kurama que abriu os lábios ofegante - As
suas reações me deixam louco! É por isso que eu te
amo... e te odeio.
As palavras de Yusuke se misturaram com as de Hiei
na mente de Kurama: "Meu amor e meu ódio, ao mesmo tempo." "É
por isso que eu te amo... e te odeio." A imagem de Hiei formou-se clara
diante dos seus olhos.
-
Por que me enche de esperança?- Yusuke sussurrou-
Se quer me tratar apenas como amigo...
-
Não... de novo não!- gritou Kurama
empurrando Yusuke
-
Eu... me desculpe.- a raposa correu de volta ao quarto
de Atsuko
Yusuke seguiu-o até o quarto.
-
O que aconteceu?- o detetive aproximou-se do ruivo
-
Por favor, não me odeie...- sentado na cama,
abraçando os joelhos, Kurama mantinha o rosto abaixado
-
... eu não...- um pensamento passou pela mente
de Yusuke- Foi isso que ele te disse?
Kurama fez que não com a cabeça.
-
Que me ama e que me odeia, ao mesmo tempo.
As mesmas palavras... Yusuke sentiu seu sangue
ferver ao se comparar com o koorime.
-
Não... não me compare a ele.
Kurama levantou o rosto, os olhos molhados.
-
Eu nunca fiz isso.- dizendo isso, o ruivo deitou-se
de costas para Yusuke.
-
Desculpe, eu não devia...
-
Eu que não devia ter saído daqui.
************
Já era a qüinquagésima vez
que olhava para a janela... e nada. Queria meter de uma vez na cabeça
que seria impossível Hiei aparecer ali, na janela do apartamento
de Yusuke, mas não adiantava, Kurama continuava olhando. Esperando
seu koorime voltar e dizer que estava tudo acabado... que podiam voltar
pra casa.
Seus pensamentos voltaram-se para a noite passada.
"Foi Hiei...", pensou "... ele conseguiu. Ele entrou na minha mente...
o Jagan deve ter mostrado tudo pra ele. Foi ele quem me impediu de seguir
adiante com Yusuke." Kurama fechou os olhos e tocou com a ponta dos dedos
nas pálpebras fechadas.
Já faz mais de três horas que Kurama
tinha acordado. Quando decidiu sair do quarto, notou que estava sozinho
no apartamento de novo. Estava entediado... queria fazer alguma coisa para
ajudar Hiei, mas não sabia onde Yusuke tinha ido. Se tivesse acordado
mais cedo... Talvez tomando um banho o tempo passe mais rápido.
Kurama podia visualizar cada gota d’água,
caindo e batendo como uma carícia no seu rosto. Juntando-se a outras
e escorrendo pelo seu pescoço. Molhando todo seu corpo como mãos
saciando um desejo, um pecado. O ruivo abaixou-se e escorregou, até
ficar completamente submerso na água. Confortável... O movimento
lento e uniforme da água, a sensação de morte e vida...
Se ficasse ou se apenas levantasse um pouco o rosto... Achou ter escutado
o seu nome ser chamado, mas deduziu ser alguma brincadeira da sua mente,
continuou submerso.
Yusuke segurou Kurama pelos ombros e o tirou da banheira
como um boneco. Os olhos castanhos estavam apavorados. Os braços
envolveram o corpo molhado, Yusuke deitou Kurama no seu colo.
-
Yusuke!!! O que está fazendo?- o ruivo ainda
tossia engasgado com a água que bebeu na hora do susto
-
O que você estava fazendo?- quase recuperado
de susto, Yusuke franze o cenho- Por que querer se matar?
-
Estou te chamando desde que entrei aqui e você
não me respondeu! Quando eu vejo você está imóvel
debaixo d’água!
A cara de bravo e a confusão que Yusuke
fez foi o bastante para Kurama não segurar mais a gargalhada.
-
De você...- disse a raposa entre uma risada
e outra- Yusuke... eu não queria me matar. Até pensei nisso...-
o detetive arregalou os olhos de espanto fazendo Kurama rir mais- Estou
brincando! Estou brincando! Calma, acho que estava tão distante
que não te escutei me chamando... mas eu só estava tomando
banho! Não precisa ficar assim.
-
Nunca mais faça isso!- Yusuke disse completamente
envergonhado e cheio de raiva de si mesmo- Tome banho só de chuveiro
da próxima vez!
-
Prometo...- Kurama falou zombando, mas depois olhou
em volta e disse também envergonhado- Agora... se me der licença...
-
... claro.- Yusuke soltou Kurama e mais envergonhado
ainda disse ao sair do banheiro- Er... seja rápido.
8º round:
Estavam correndo há muito tempo. Chegaram
ao Makai e não pararam de correr desde então. Isso, claro,
não incomodava Kurama, podia correr mais alguns dias sem se cansar.
O problema é que estavam correndo de mãos dadas. Aliás,
Yusuke não largou a mão de Kurama por um segundo sequer desde
que saíram do apartamento.
-
O que foi, não está agüentando?-
Yusuke parou- Pensei que pudesse...
-
Eu agüento, Yusuke! Agüento! Mas de mãos
dadas, não!- Kurama fez força mas mesmo assim não
conseguiu se soltar.- Yusuke?
-
Como assim? É só você soltar.-
Kurama estava perdendo a paciência
Yusuke desviou o olhar e tirou algo pequeno do bolso
que com um aperto de botão se transformou.
-
Você sabe o que é isso?- o detetive
apontou dois objetos cilíndricos, um pouco maiores que uma mão,
feitos aparentemente de metal
-
Koenma me deu ordens para não deixar você
sair sem estar usando isso.
-
Eu sei que você nunca usou algemas... e achei
que seria muito humilhante, tanto como humano como youko, ser obrigado
a isso.
-
Você acha que eu preciso ser algemado?
-
... acho.- Yusuke guardou as algemas
-
Eu não vou fazer isso!- Yusuke interrompe
nervoso e aponta para si mesmo- Eu não quero te algemar! Acho sim
que você deve ser algemado porque você faria qualquer coisa
para...- o discurso perde força- ...qualquer coisa...
-
Vamos. Ainda falta muito para chegarmos, né?-
Kurama aperta confiante a mão de Yusuke- Vamos voltar a correr.
Recomeçaram. Yusuke parecia estar atento,
mas seus pensamentos estavam confusos e perdidos. "Você faria qualquer
coisa para ajudá-lo, não é?", pensou tristemente.
Não era isso que queria, não era assim que queria. Se não
fosse tão difícil ignorar tudo o que sente... Tem coragem
para enfrentar os mais poderosos do Makai, mas não tem coragem para
completar uma frase na frente daquele que... "Droga, de novo!".
Inesperadamente, Yusuke ponderou se não
estava divagando demais. Talvez não. Mas... como Kurama trocou de
mão sem que percebe-se? Como ele podia abraçá-lo e
correr ao mesmo tempo? Sentindo seu corpo leve, a garganta seca e o coração
dando mostras de ainda estar vivo, Yusuke olha pra trás.
-
Então você não confia em mim?
Um sorriso travesso iluminou os olhos do detetive,
que não reparou nas asas que se abriam cada vez maiores nas costas
do youko.
-
Me abrace. - era uma ordem- Cuidado... - um pedido
Preso por longos braços, Yusuke se vira e
abraça o pescoço do youko, seus pés já não
sentiam mais o chão. Com o vento, os cabelos prateados faziam uma
carícia leve e delicada nos braços de Yusuke.
-
Por enquanto... eu não sei.
Yusuke abaixa o olhar envergonhado. Era fácil
intimidar Shuuichi por sua aparência delicada e frágil...
mas agora, com Youko Kurama, Yusuke sentia que o intimidado era ele. O
rosto de traços firmes mas delgados, o olhar confiante e sedutor
não lembrava em nada uma aparência frágil. Delicada
talvez, mas frágil não. Uma curiosidade de saber para onde
estavam indo fez o detetive olhar para baixo. Prendeu a respiração.
Não sabia que Kurama podia voar tão alto e tão rápido.
Quase não conseguia distinguir a vegetação lá
embaixo.
-
hã? Não... -Kurama apertou o abraço
sutilmente, atitude que chamou a atenção de Yusuke- ... estou
surpreso.
-
É que não estou usando energia para
mais nada. E você não é tão pesado assim...
Logo, posso atingir altitudes e velocidades maiores se não estivesse
te carregando.
-
Você não faz isso sempre, né?
-
Carregar alguém durante um vôo? Não.
-
Eu sei. Acho que é da minha natureza de youko.
Liberdade demais sempre é pouco. Não só sentir a terra
sobre nossos pés, queremos sentir o vento de encontro ao nosso corpo.
O vento correndo por todo o nosso corpo. Sinta.
Kurama aumentou a velocidade e deixou-se cair. Yusuke
sentiu seu corpo sendo prensado contra o do youko. Quase chegando ao chão,
ele toma impulso e ganha altitude de novo. O detetive agora se vê
quase que arrancado dos braços dele.
-
Era o que eu esperava.- o youko sorri- A pressão
do vento é como uma grande mão, nos impedindo de sermos livres,
mas mesmo assim, continuamos... não é?
-
Respondendo... eu raramente vôo. Apenas em
momentos extremamente necessários, como em uma luta ou quando...-
Kurama respirou fundo demonstrando, por uma fração de segundo,
insegurança nos olhos dourados- Ou quando eu preciso descarregar
uma grande quantidade de emoções... Chegamos.
Yusuke não consegue terminar a pergunta. Num
instante, ele se vê no meio de um monte de água fria, por
pouco não se afoga engasgado.
-
AAAAAHHHHHH!!!!!!!!!! Mas o que...
De novo o detetive não completa a frase.
Kurama solta as asas e cai em cima dele.
-
Kurama!!!- o youko não parava de rir
-
É apenas uma questão de confiança,
meu querido!
-
Acho que você mentiu... –Kurama toca com a
ponta do dedo o nariz de Yusuke- ... você confia em mim.
Yusuke olha aturdido para Kurama que continua rindo
sem se dar conta de como uma simples palavra conseguiu deixá-lo
sem fala. Não. Não era apenas uma palavra. "Ele me chamou
de... que bobagem! Ele deve estar só brincando... não é?"
-
Você sempre fica assim com água fria?-
o youko provoca
-
Não sou como você que precisa de subterfúgios
para se controlar... -responde o detetive a altura
-
Quem aqui quer se controlar?
-
Yusuke, eu... não posso mais.- os olhos dourados
se fecham para Yusuke- Eu não sei qual é a dimensão
do que você sente por mim, mas se for igual ao que eu sinto por Hiei...
isso é muito bonito. Eu te amo por isso. Pois você conseguiu
nutrir dentro de si um sentimento maravilhoso e ao mesmo tempo muito doloroso.-
Kurama abre os olhos novamente e Yusuke observa que eles são verdes,
profundamente verdes- Não podemos controlar isso, né? Eu
não acho que poderia me controlar se você tentasse de novo...
-
Você é tão bonito... um amigo
maravilhoso.- Kurama mergulha deixando a superfície da água
prateada, com o reflexo do seu cabelo. Quando volta apenas alguns fios
mais compridos ainda estão brilhando na água- Quase me fez
perder a coisa mais preciosa que eu tenho...
-
Quase...?- Yusuke se aproxima dos lábios de
Kurama
O beijo é curto, um toque leve nos lábios,
quase uma carícia. É seguido de um abraço apertado
entre os dois, ambos de olhos fechados.
9º round:
Yusuke acena com a cabeça.
-
Eu queria poder fazer alguma coisa... o que eu sinto...
-
Não. Você não pode fazer nada.
-
Por causa dele.- Kurama abaixa os olhos
Kurama olha confuso para Yusuke que tinha o
olhar distante para o lago onde antes estavam.
-
Ele não fez nada.- o detetive cerra os punhos
-
Você é que não quer... o Jagan
não tem poder pra tanto.- os olhos castanhos ficam rasos d’água
e Yusuke se coloca de costas- Você o ama muito... e eu senti isso
em cada momento em que estive com você.- o detetive passa as costas
da mão no rosto e se vira- Você simplesmente não me
quer. Deixou isso bem claro da primeira vez... e não mudou de idéia
até agora.
Não foi exatamente um choque, mas... Kurama
realmente acreditou que Hiei tinha feito alguma coisa na mente dele. Talvez
só o amasse mesmo... Como foi bobo! Devia ter imaginado que Hiei
não faria uma coisa desse tipo, ele tinha certeza que não
era preciso. "Ele disse que confiava no truque... mas na verdade... ele
confia em mim." De repente, só o fato de ter beijado Yusuke de novo,
fez Kurama sentir-se pequeno e miserável. O que tinha feito? Hiei
confiava nele, acreditava nele, seu koorime estava passando por um momento
difícil, sendo caçado e culpado pela morte de alguém...
especial. E Kurama apenas pensava no por que de estar se envolvendo com
Yusuke. Por que se deixava levar pelo jeito impulsivo e determinado, pelos
beijos e abraços... "Mas no que eu estou pensando?", irritou-se
-
Mas... eu... não sei como explicar. Mas não...
-
Eu sei como explicar. Atração. Foi
só isso... pra você foi só isso. Mas que droga!- Yusuke
explode em raiva de repente- Por que eu tenho que te amar tanto? Por que
só eu?
**************
Por instinto, Yusuke volta a segurar a mão
de Kurama. Eles correram o resto do caminho sem darem as mãos, sem
algemas. Um longo caminho em silêncio, até perceberem a presença
de Hiei.
-
Yusuke...- Kurama aponta com os olhos e Yusuke entende
soltando a mão- Tudo bem?
-
Não.- a resposta seca assusta Kurama
Yusuke se vira pra trás e desvia de um
objeto que foi atirado na sua direção.
Os dois perdem a fala. O rosto mecânico
de Mukuro estava no chão. Amassado e sujo, quase irreconhecível.
-
O seu trabalho terminou... detetive.
Eles se viram na direção da voz e Yusuke
tem que se desviar de novo. Outra cabeça tão ou mais desfigurada
que o rosto de Mukuro. Uma visão nada agradável. Hiei fez
questão de machucar, cortar, queimar e arrancar pedaços só
do lado direito da cabeça. O lado esquerdo estava praticamente intacto.
Yusuke fica alerta para outra surpresa, mas agora
é Hiei quem aparece. Estava sujo e com a roupa rasgada. O koorime
fica entre Kurama e Yusuke e tem um objeto redondo levemente achatado e
brilhante nas mãos.
-
Yusuke, aquele é o assassino de Mukuro. E
isto... –Hiei olha para o objeto que tem nas mãos- ... é
o que o Reikai queria de volta.
-
O olho de Mukuro...- Kurama se surpreende- Esse é
o olho mecânico de Mukuro.
-
Hn. O Reikai perdeu esse tesouro há muito
tempo. Descobriram há pouco que estava com Mukuro, fazendo parte
dela. Era ele que mantinha o corpo mecânico vivo... Quando souberam
que ela morreu acharam que o teriam de volta, mas o Reikai enganou-se de
novo. O assassino era um colecionador de peças raras, além
de dono de um poder incrível.- um sorriso cínico estampou
o rosto do koorime- Com o olho ele ficaria mais forte... se o tivesse implantado
antes da minha chegada.
-
Por que fez tudo sozinho?- Yusuke pergunta ainda
mantendo uma pose indiferente
-
Isso não o ajudará em nada. Você
fugiu.
-
Você me acusou precipitadamente, eu estou limpo.
-
Sabe que terá que vir comigo para...
-
Besteira!- o koorime joga o olho em Yusuke- O que
você precisava fazer eu já fiz! Agora me deixe em paz!
-
Hiei, pare. Não precisa fazer isso.- Kurama
põem uma mão no ombro de Hiei
No mesmo instante, o detetive abandona sua indiferença
mostrando irritação com o comportamento de Hiei.
-
Você não tem o direito de falar assim
com ele.
-
E você não tem direito nenhum sobre
ele. Ponha-se no seu lugar... você não é nada.
A voz de Kurama deixa o koorime sem fala. Ele não
sabe se o que sente é raiva ou dor, apenas que seu coração
se aperta cada vez mais, incomodando no peito.
Hiei inclina um pouco a cabeça, podendo ver
de relance Kurama atrás de si. Este estava sério, mas não
esperava que Yusuke aproveitasse o momento para provocar mais.
-
Kurama é muito melhor do que você sequer
poderia imaginar.- diz sorrindo cinicamente- Sempre sorrindo... atencioso...
carinhoso... muito quente!
Yusuke estava pronto pra tudo, pra qualquer golpe,
qualquer ataque. Até viu muito bem o momento em que Hiei cerrou
os punhos e, com uma velocidade surpreendente, se adiantou sobre ele. Só
não esperava Kurama aparecer na sua frente e receber o soco de Hiei
no estômago. Foi o som seco de Kurama tentando voltar a respirar
que fez com que os dois se dessem conta de que aquela cena era real.
-
Por que...?- Hiei pergunta retirando sua mão
sem saber mais no que pensar
Kurama tosse, o sangue que sai mancha seus lábios.
O koorime sente-se em desespero por dentro. Antes de Kurama cair, Yusuke
o ampara. Hiei observa a cena perplexo, não entendendo o que aconteceu,
onde errou.
-
Você... sabe...- o ruivo fecha os olhos, como
se assim fosse mais fácil voltar a respirar- Yu... Yusuke... estava...-
ele abre os olhos, mas Hiei não está mais lá, nem
seu youki está presente. Kurama abaixa os olhos.- Ele estava...
mentindo.
Yusuke abraça Kurama.
-
Ele confia... disse que confiava... mas por que...
não acredita?
****************
10º round:
Uma batida. Outra. Mais outra. Seu coração
parecia dar sinais de vida própria, querendo sair de dentro de seu
peito. Forçou a ponta da lapiseira contra a ponta de seu dedo. Sentiu
dor. Olhou para o livro aberto na escrivaninha. Conseguiu ler e entender
uma frase inteira. Não estava sonhando, isso era certo. Mas por
que a tontura repentina? Por que seu quarto ficou tão diferente?
Mais amplo, mais curvo, mais escuro. Por que a voz grave que entrou pelos
seus ouvidos está se repetindo na sua mente? Um mantra... Como isso
não podia ser um sonho? Talvez um pesadelo.
*************
-
Kurama... me desculpe. Eu não devia ter dito
aquilo...
-
Não devia mesmo.- disse Kurama secamente com
o fôlego já recuperado
-
Se eu puder fazer alguma coisa...
-
Lembra quando eu disse que você... que você
quase me fez perder a coisa mais preciosa que eu tenho?- Yusuke não
responde- Pois então! Você me fez perder a coisa mais preciosa
que eu tinha... você tirou de mim... tirou a minha vida.
-
Ah! Me desculpe, eu esqueci que você me ama!
Grande amor esse o seu, né? Que destrói tudo a sua volta...
que é romântico! Que...- Kurama fica um instante em silêncio-
O que eu estou fazendo? Yusuke...
Yusuke estava com o rosto abaixado, braços
estirados ao lado do corpo, os ombros caídos. Seu peito levantou-se
lentamente, com um suspiro. Derrotado. Sentia-se derrotado. Não
eram lágrimas que escorriam pelo seu rosto, o que sentia era como
facas traçando um caminho vertical. Era humilhante, doloroso...
mas inevitável.
-
Não... -Kurama negou com a cabeça-
Por favor, não fique assim. Não por mim.
-
Felizmente, dessa vez... estou pensando em mim.
-
... Eu não... eu fiz uma besteira.
-
Não sabia... que iria acabar assim. Eu pensei
em você, em mim... –Yusuke levantou os olhos encarando Kurama- ...
não teria começado isso se não tivesse esperança.
Se não tivesse estímulo... da sua parte.
-
Você não fez nada. Falou apenas a verdade...
-
Não... não, de jeito nenhum.- Kurama
segura as mãos de Yusuke entre as suas- Esqueça o que eu
disse, por favor!
-
... eu sei.- Kurama morde o lábio inferior-
É por isso que as coisas que eu disse são erros imperdoáveis,
você não corresponde em nada daquilo e eu não mereço
ver você assim.
-
Me abraça?- Kurama atende ao pedido passando
os braços na cintura de Yusuke- O que você vai fazer?
-
Não! Não quero você envolvido
nisso. O que aconteceu é apenas entre Hiei e eu. Você só
adiantou o processo.
-
Yusuke, você não tem culpa.- Kurama
diz olhando nos olhos castanhos- Agora eu nem te reconheço... você
parecia tão forte, tão confiante.
-
Não acho que você queira que eu continue
assim.
-
Na verdade... eu daria tudo pra ter o velho Yusuke
de volta.
-
Esta me pedindo... não...- Yusuke se afasta-
Eu quero te esquecer, Kurama. Eu preciso...
Yusuke se vira de costas e começa a andar.
Kurama sente que precisa dizer alguma coisa, que faltou dizer alguma coisa.
-
Então, quando conseguir isso... lembre-se
de mim.
-
... claro. Não me esquecerei disso.
*****************
Já lhe aconteceu tantas coisas, coisas
que imaginava impossíveis que só em livros se tornariam realidade.
Que só em sonhos poderiam acontecer. Então... não
sabia dizer se o que vivia, se a realidade em que vivia, era sonho ou pesadelo.
-
Eu sabia... sabia o que ia me dizer.
A voz grave e profunda entra na mente de Kurama de
novo. Parecia uma história infantil o que ela contava e Kurama era
a criança atenta, que não perde nenhum detalhe.
-
Mas não agüentei ficar lá. E eu
não queria te deixar...
Kurama fechou os olhos e suspirou em silêncio.
Só a voz atrás de si já o deixava tenso. Sentia toda
a presença dele revelando o seu desejo. Um calor forte, um arrepio
constante que desejava envolve-lo. E conseguia.
-
Você é a única coisa que eu tenho.
Será que é verdade? Kurama pensou se
não conhecia ninguém mais rico que o dono daquela voz. Riqueza
de pequenos detalhes que o faz ser invejado por Youko Kurama. Detalhes
tão surpreendentemente belos e escondidos que nem Kurama conseguiu
roubá-los todos ou simplesmente, desvendá-los todos.
-
Essa é a decisão que tomei e quero
sustentar.
A decisão. Ainda não sabe exatamente
o que foi decidido. Por mais incrível que pareça, sente medo
dela. Apesar de já estar vivendo sob a decisão, sem saber
o que foi.
-
Você sempre será meu, somente meu. Não
importa quem você ame. Eu te amo e quero você só pra
mim.
Não entendia.
-
O que eu devo perdoar, então?- Kurama expõe
sua dúvida
-
Não, não tenho.- Kurama se vira e vai
até o koorime- Estamos quites.
-
O que quer dizer?- Hiei quase não consegue
completar a frase, Kurama estava com os lábios muito próximos
dos seus
-
Você é meu.- os olhos de Kurama que
miravam a boca de Hiei passaram para os olhos vermelhos
Morte Súbita:
A casa interia estava em festa. Shuuichi Minamino
concluiu com sucesso mais um semestre na faculdade de Biologia, conseguiu
um emprego em uma empresa de pesquisas biológicas e, em breve, se
mudaria para um apartamento que comprara com seu próprio dinheiro.
Ainda tinha o maior motivo da festa, o aniversário de Shuuichi que
completaria então 21 anos.
Durante o dia várias pessoas, amigos e
parentes, passaram pela casa dos Minamino, cumprimentando o sucesso do
filho mais velho. Vários colegas de serviço e ex-colegas
de escola, a grande maioria mulheres, fizeram questão de ir prestigiar
o ruivo. Era incrível como a notícia se espalhara tão
rapidamente pelo bairro, ou cidade... até pessoas que Shuuichi nem
se lembrava mais apareceram, como a atendente da lanchonete onde almoçou
durante a adolescência.
De qualquer forma, Shuuichi viu e sorriu para
várias pessoas, mas Kurama não viu ninguém. O alegre
e cativante ruivo de olhos verdes atendeu ao chamado de todos, mas o youko
de cabelos cor de prata e olhos dourados ignorava e pacientemente esperava
todos saírem... para um entrar...
Escureceu. E de todas as pessoas presentes, Shuuichi
poderia entender, mas Kurama não, que a última a sair da
sua casa seria Kuwabara. Bocejos, comentários do tipo "Já
está tarde, não?", "Puxa, como escureceu...", "Você
parece cansado, Kuwabara... não?" faziam parte das respostas de
Kurama. Sim, Kurama, Shuuichi é que insistia em esperar pela boa-vontade
do amigo.
Finalmente o grandalhão decide ir embora.
O sorriso do ruivo na hora da despedida nunca foi tão sincero. O
suspiro que ele deu quando fechou a porta atrás de si chegou a ser
acompanhado de um gemido de cansaço. Kuwabara devia estar muito
feliz... mesmo com Shiori, Shuuichi e seu padrasto se despedirem para dormir,
o ruivo alaranjado continuou com um monólogo animado.
Já no quarto, Kurama se joga na cama e
deixa que a brisa que vem da janela o refresque. Ele fecha os olhos e sente
a franja ir e voltar, fazendo carinho na sua testa e nariz. Sem perceber,
o ruivo separa os lábios, como se preparando instintivamente para
um beijo.
Nada acontece. Mas tem algo estranho... ele sente
que não está mais sozinho. Ele sente uma presença
calorosa preenchendo todo o quarto e o envolvendo lentamente, mas não
consegue identificar quem é. Os olhos verdes se abrem com pequenas
piscadelas até que Kurama pôde visualizar a figura bruta e
sedutora de Yusuke.
O detetive se abaixa e beija, invadindo os lábios
já abertos de Kurama. Um beijo diferente dos outros, menos compulsivo,
menos dominador. Um beijo que espera ser retribuído da mesma forma
que é dado. Então acontece. Mas logo depois que Kurama começa
a responder, logo depois que sua respiração começa
a acompanhar o ritmo do beijo, Yusuke se afasta e admira a face levemente
rosada. Com a voz rouca e baixa ele diz:
-
Eu vim... cumprir minha promessa.
FIM
Esta fic é dedicada a Oraide
de Paula Adurens.