AKAI BARA

(A Rosa Vermelha)

Por Suryia

Parte II

Kurama entrou em casa de vagar, mas dessa vez com a cabeça erguida, tirou vagarosamente seus sapatos sob o olhar curioso de Shiori e os deixou na entrada. Desta vez também não subiu afoito para o quarto como fazia constantemente, foi até a cozinha pegar um copo de água e ainda deu mais alguns passos pela sala antes de subir as escadas calmamente, deixando sua mãe ainda mais intrigada. Kurama olhou o quarto vazio, desta vez não havia ninguém o esperando, sentiu então vontade chorar, mas não o fez. Tirou o uniforme escolar e atirou-se na cama respirando profundamente. Era o último dia de aula da semana no dia seguinte teria que se preocupar em ocupar a cabeça com alguma coisa idiota, para não ficar remoendo sua dor, poderia tentar estudar o dia todo sem parar, mas como fazer isso se as palavras escritas nos livros simplesmente não entravam em sua cabeça. Seria muito difícil. Revirou-se um pouco mais na cama até ouvir o abrir devagar da porta, cobriu sua nudez com o lençol e esperou uma voz conhecida.

- Meu filho, o jantar está pronto.- Disse a mãe em um tom muito baixo.

- Obrigado, mãe. Mas eu não estou com fome.

- Mas Shuichi, você precisa comer, estudou o dia todo.

- Eu sei, mas eu realmente não quero - Kurama tentou sorrir.

- Quer que eu traga um suco pelo menos?

Kurama fez uma negativa com a cabeça, a mulher se levantou e deixou o quarto finalmente. Ele se descobriu e rolou novamente pela cama, estava uma tarde muito quente, sentia-se muito incomodado. Levantou-se e foi até o banheiro se refrescar, depois de alguns minutos retornou ao quarto, deixou que o cabelo molhado pingasse em seu corpo, talvez isso amenizasse o calor. Era realmente um dia infernal.

Olhou para o teto do quarto, tentou se distrair, pensar em alguma coisa diferente, mas nada que pensasse o fazia esquecer de tais acontecimentos. Olhou então para o telefone, estava muito chateado com aquela situação, tentava imaginar como às vezes sua vida era complicada e como resolveria aquilo tudo. Lembrou-se das palavras doces de Keichii pedindo para que ele não se preocupasse. Olhou novamente o telefone, estava começando a pensar em tal possibilidade. Poderia ele ligar para aquele menino cujo a companhia lhe fazia tão bem? Mas Como? Haviam acabado de se conhecer e não haviam se quer trocado o numero do telefone, foi aí que se lembrou ter o telefone de uma menina que ele vira algumas vezes conversando com Keichii, anotado nesses bilhetes que costumava receber e que eram guardados em uma gaveta junto com os presentes que ele ganhava vez ou outra. De certo não seria muito difícil convencê-la a lhe dar o numero do colega de classe. Bastava apenas dizer um por favor bem suave e em dois minutos estaria com a informação. Às vezes era muito bom ser tão popular.

Kurama pulou da cama como num impulso, correu até a escrivaninha, procurou o cartão e o achou no meio de todas aquelas tranqueiras e agradeceu por não tido a infeliz idéia de jogar tudo fora. Como já se esperava não demorou muito para ter o numero de Keichii, tudo correu como planejou. Não perdeu tempo em telefonar. Já era noite quando o telefone tocou na casa de Keichii e sua mãe atendeu.

- Mochi mochi, por favor, poderia falar com o Keichii?

- Keichii?

- Hai, Não é da casa dele?

- Ann...Sim, claro... Quem deseja?

- É Shuichi Minamino

- Só um instante.

A Mãe adentrou o quarto devagar e observou o filho que admirava a linda rosa colocada no parapeito da janela do quarto.

- Filho, telefone pra você.

- Pra mim?- Perguntou ele admirado – Quase ninguém liga pra mim...

- Disse que se chama Minamino.

- Minamino?!! Mas...é... Eu... Eu vou atender aqui mesmo... se a senhora não se importar...

- Claro, tudo bem – Disse a mãe fechando a porta do quarto.

- Mochi mochi.

- Keichii? É o Shuichi

- Anh...Hai...- Responde ele com a voz um pouco tremula.

- Que foi? Você parece assustado. Aconteceu alguma coisa?

- Não... Não é nada, é só que não tô acostumado a receber telefonemas.

- Também, Como você quer receber ligações se não costuma dar o seu número?!??

- E por falar nisso, como é que você descobriu meu telefone? Alem de plantar as rosas mais lindas que eu já vi, você agora anda adivinhando as coisas, é? Precisa me ensinar esse truque.

Kurama riu e retrucou com um ar travesso:

- Não, dessa vez eu usei um truque fácil! Eu falei com uma colega da sua classe e ela me deu seu telefone.

- Haaannn...Boa estratégia. Mas você pode me explicar porque todo esse empenho? É algo importante?

- Bom, você não disse que pode sentir as coisas?

- Sim, mas...o que isso tem a ver?

- Você não é capaz de sentir minha enorme vontade de falar com você?

- Bem...eu... – Balbuciou Keichii muito envergonhado - Eu só sinto o que as pessoas deixam, e eu acho que...quando se está distante isso não funciona muito bem...

- Entendo, eu bem que gostaria que você estivesse perto então pra poder sentir...

- Minamino...por favor...não diga essas coisas.

- Gomen, eu não quis deixá-la constrangido.

- Tudo bem – Disse a menino tentando disfarçar o quanto aquela conversa o deixava nervoso.

- Na verdade eu liguei pra perguntar se você reparou como tá quente hoje?

- Sim é verdade, eu até tava na janela tomando um arzinho quando você ligou.

- Bom, será que em vez de ficar na janela tomando um arzinho você não quer tomar um arzinho por ai junto comigo?

Um súbito silêncio se fez entre os dois, Kurama esperou pela resposta que não veio.

- A gente podia tomar alguma coisa...

O silencio continuou.

- Um sorvete. Agente podia ir tomar um sorvete... Keichii? Você tá me ouvindo? – Ele ainda insistiu.

- Tôo. Mas...é que... eu não sei...

- Aaa o que tem? Um sorvetinho não faz mal a ninguém.

- Sim...mas a minha mãe não gosta que eu saia de noite. – Responde ele com um tom mais baixo.

- Não acredito que sua mãe não te deixa sair sozinho! – Comentou Kurama quase rindo

- Ahhh é serio... eu não sou muito de sair... aliais eu não saio nunca.

- Serio? – Espantou-se ainda mais – Mas porque? Seu mãe tem medo do que?

Keichii pensou num a desculpa para explicar sua condição diferente das outras pessoas mas sem ter que contar a verdade. Não podia nunca dizer a ele que isso se dava ao foto de seus pais temerem que ele caísse duro, mortinho no meio da rua a qualquer minuto.

- Ahh vai ver que ela tem medo que seqüestrem o filhinho lindo dela.

Kurama riu e mesmo assim ainda insistiu:

- Se você quiser eu peço pra ela e...

- Nãaoo!! Não precisa eu... eu...

- Tá tudo bem... eu não devia ter ligado...

- Espera Minamino!!! Eu...Eu vou.

- Vai mesmo? Posso passar aí então?

- É melhor não. Agente se encontra na praça perto do colégio daqui à uma hora, tá bem?

- Tudo bem. Até logo então!!

- Tchau.

Kurama foi tomado de uma enorme euforia, era muito estranho sentir-se daquele jeito. Podia ter sentimentos bem opostos, ao mesmo tempo em que se lamentava pelo caos que se tornara sua vida nos últimos dias, tudo por causa daquele maldito pedido de Kuwabara, Porque logo ele devia fazer aquilo? Conseguia sentir uma enorme satisfação de poder ter conhecido aquele jovem tão doce. O ruivo voltou ao banheiro a fim de preparar-se para o encontro.

Keichii desceu as escadas de sua casa. Estava arrumado e perfumado. Sua mãe pasmou ao vê-lo.

- Filho, aonde você vai?

- Eu vou dar uma volta, mãe.

- Mas é perigoso sair sozinho de noite. Você sabe que eu não...

- Eu não vou sozinho.- O menino interrompeu a mãe com um sorriso.

- Filho...

- Não precisa se preocupar. Está tudo bem

- Mas você sabe que eu me preocupo de qualquer...

- Mãe, por favor...- Keichii interrompeu novamente desta vez baixando o rosto – É só um sorvete. Eu nunca saí pra tomar um sorvete sozinho... Eu...queria fazer isso... antes de... antes de...

- Tudo bem filho, mas não volte tarde. Qualquer coisa liga pra mamãe!- A mãe não deixou que ele terminasse a frase já sabendo o que viria em seguida. Às vezes o mundo era tão injusto.

O rosto da menino voltou a se iluminar. Correu para a mãe dando-lhe um beijo estalado em agradecimento e saindo pela porta apressadamente logo depois. Respirou fundo o ar da noite, era bom fazer aquilo, era algo diferente que o enchia de expectativa. Olhou para o relógio e correu em direção a praça.

*********

Quando Keichii chegou Kurama já estava esperando sentado calmamente num banco com os braços e pernas cruzados.

- Desculpe, Minamino. Eu não quis fazê-lo esperar.- Diz ele fazendo uma longa reverencia.

- Não tem importância. – Respondeu ele desmanchando a pose de espera e observando o garoto enquanto ele voltava à postura ereta.

O menino sorriu. Ainda respirava fundo, parecia ter corrido muito, mas Kurama não pode deixar de reparar.

- Você fica muito melhor sem o uniforme da escola!!- Disse ele olhando-o de cima em baixo descaradamente

Keichii ao perceber estar sendo olhado daquela forma enrubesceu e assumiu uma postura envergonhado dizendo:

- Por favor... Não fale assim...

- Desculpe, eu não quis deixá-lo envergonhado. – Pediu ele percebendo que ele parecia incomodado. – Foi só uma brincadeira.

- Vamos ficar sentados aqui? – Pergunta Keichii.

- Vamos dar uma volta antes de ir pra sorveteria!!

- Sim, vamos!! – Diz ele eufórico puxando Kurama pelo braço esbanjando alegria – A noite está linda.- Até Kurama riu contagiado pela alegria menino.

Os dois passearam pela praça. Keichii o tempo todo observava os canteiros de flores.

- Eu já havia esquecido o quanto às flores são bonita durante a noite!! – Disse o menino entusiasmado.

- Tem razão certas flores podem se revelar ainda mais bonitas durante a noite e creio que ainda mais longe de olhos alheios. – Retruca Kurama olhando fixamente para ele, mas Keichii parece não ter percebido o teor do comentário. - Hoje quando eu passei enfrente a sua casa eu reparei numa janela que tem uma jardineira com muitas flores, aposto que é a janela do seu quarto!!

- Você tem razão, você já sabe que eu gosto de flores. A rosa que você me deu também está perto da janela, num local especial de destaque, assim ela pode tomar sol, mas sem prejudica -la, pois aquela grande árvore que tem próximo da janela faz uma sombra muito fresca durante à tarde.

- Eu também reparei na árvore. Nós temos muitas coisas em comum, próxima da janela do meu quarto também tem uma árvore – Kurama não sabia se sentia feliz ou triste em dizer tal comentário.

- Na primavera, eu gosto de observar o ninho dos pássaros enquanto rego as flores. Às vezes passo horas observando os ninhos, a renovação da vida. A vida... é uma coisa tão frágil... um minuto... e tudo se acaba...

Kurama se sentiu estranho nunca havia encarado as coisas daquele jeito, olhado a vida com olhos de um humano de verdade, afinal era um demônio com milhares de anos, nunca se preocupara com a vida dessa forma, sabia que com a morte de seu corpo humano sua existência como youko continuaria. Mas de qualquer jeito não conseguia deixar de admirar o jeito doce com que keichii tocava num assunto tão delicado, pensou ter percebido um pouco de tristeza na voz do jovem, mas ele não parava de sorrir. "Ele realmente é estranho"- Pensou ele.

- Eu vou sentir tanta falta... – Diz Keichii.

- Falta de que?? – Pergunta o ruivo observando o olhar perdido do jovem – keichii? keichii!!

- Han?!? A... é de nada não. – Diz ele colocando a mão na cabeça sem graça

- De nada...?!?

- É, eu não disse que às vezes eu faço coisas meio malucas!! – Keichii disfarça ao mesmo tempo em que pensa - "Nossa!! Quase que eu falo demais".

- Mas alem das flores e dos pássaros o que mais você gosta de fazer?

- Eu? Bem... eu não faço muita coisa diferente. Eu gosto quando meus pais me levam na praia pra ver o mar, andar na areia e deixar a água molhar os meus pés, é gostoso, apesar de não ter feito muito isso ultimamente... Bom, chega. Fala alguma coisa de você agora.

- De mim?!?! É, não, continua você. Tá legal te ouvir – Diz ele sabendo que qualquer coisa que falasse sobre ele seria uma mentira.

- Você não quer falar, não é? Tudo bem...

- Desculpe... eu...- Balbucia Kurama abaixando a cabeça.

- Eu não me importo. Tudo bem se não quiser falar! – Keichii o fita ternamente.

- Não dá pra esconder nada de você mesmo, hein?!?- Ele comenta meio sem jeito.

- Vou tentar não fazer muito isso tá, não quero invadir sua privacidade.

- Continua falando de você.

- Bem, eu gosto de brigadeiro... e a sim... gosto de pintar!!

- Você pinta quadros?!? – Pergunta Kurama interessado.

- Mais ou menos, são todos quadros de paisagens.

- Mas isso é legal. Gostaria de poder ver um quadro seu algum dia.

- Quem sabe eu lhe mostre algum...algum dia... – Diz ele sorrindo. – Vamos tomar o sorvete agora! Se não vai ficar muito tarde.

- Claro! Vamos sim.

Os dois se sentam em um banco da sorveteria e fazem seus pedidos.

- Mas alem dessas coisas, do que mais você gosta? – Questiona Kurama muito interessado em manter o ritmo da conversa.

- Aahh!! Eu gosto de muitas coisas, seria mais fácil dizer o que eu não gosto, deixe me ver... eu não gosto de cozinhar, embora minha mãe passe a vida toda tentando me ensinar, nunca sai direito. Quando eu posso ajudo minha mãe no jantar, mas se dependesse de mim sozinho minha família morria de fome. Definitivamente eu sou um desastre.

- Interessante... nisso somos diferentes, eu cozinho muito bem.

- Sorte sua. Deixe eu ver o que mais... hun... eu detesto matemática...

Kurama solta uma gargalhada e diz em seguida:

- Eu posso imaginara porque você não gosta de matemática!!

- Pode?!?

- Sim, não da pra sentir a matemática não é?

- É você tem razão, gosto daquilo que eu posso sentir com o mínimo de emoção, e não do que parte de um raciocínio unicamente lógico. E por falar nisso, eu lembrei que nas próximas semanas eu vou ter uma prova de biologia e preciso estudar muito... muito mesmo!

- Mas você não é bom aluno em biologia?!?

- Sim, mas é que se fosse sobre botânica era mole, só que vai cair matéria de fisiologia e então a coisa complica... Eu não sei nada sobre essa matéria... Estou quase desesperado!

- Quanto a isso não precisa se preocupar, eu estudo com você! Posso tirar suas duvidas.

- Que isso, Minamino. Imagina se eu ia te atrapalhar. Você já tem que estudar pras suas provas.

- Não, tudo bem. Pra mim é fácil. Vai ser até legal.

- Depois agente pensa nisso – Keichii observa o garçom trazer os sorvetes – Que delicia!! Sorvete de morango é muito bom...- diz ele provando um pouco.- Que bagulho é esse que você tá comendo?!?

- É sabor flocos com creme – Informa o jovem percebendo a cara feia do menino.

- E isso tem gosto de que?!?

- Você nunca provou? Pode experimentar se quiser. É gostoso.

Keichii se aproximou lentamente da taça de sorvete de Kurama e pegou um pouco com a sua colher.

- Hun... você tem razão. É mesmo bom!!! – confirma ele agora pegando mais um pouco do sorvete com maior empolgação.

- Eu não disse...- Ele observa achando engraçado o jeito do menino. – Mas você falou sobre sua família. Você tem irmãos?

- Não, na verdade minha família não é muito grande. Tem a minha mãe que você falou hoje no telefone e o pai que viaja muito por causa do trabalho e às vezes não fica em casa.

Kurama sorria o tempo todo ao ver que aos poucos ia revelando um pouco mais da vida de Keichii, mas por um instante o sorriso do youko se fechou.

- O que foi?? – Perguntou ele.

- Nada não, Acho que tem gente olhando pra cá. Isso às vezes me incomoda.

- Olhando? Onde?

- Do seu lado direito.

Keichii deu uma olhada disfarçando, observou duas garotas que olhavam e cochichavam e comentou com ele.

- Eu acho que elas estão te paquerando.

- Não, eu acho que elas estão olhando pra você.

- Pra mim!!??!?!? Ehh pára... Elas são todas umas chatas...

- É também acho a mesma coisa. Não sabe como são irritantes algumas vezes.

- Posso imaginar... – Keichii riu.

- Imaginar? Tenho certeza que você sabe como é... deve acontecer com você tanto quanto acontece comigo...

- Porque você diz isso??

- Ei!! Vai me dizer que você nunca se olhou no espelho.

Keichii ficou sem graça e tentou mudar de assunto:

- Mas porque será que elas tanto olham pra cá.

- Não sei. Você não consegue usar aquele seu truquezinho de sentir as coisas pra adivinhar?

- Posso tentar... Vou me concentrar pra tentar sentir alguma coisa – Diz ele fechando os olhos por alguns instantes e depois abaixou a cabeça meio decepcionado – Ai, droga. Aconteceu de novo... Bom, eu acho que elas não tão muito satisfeitas, não, diria até que tô sentindo um pouquinho de hostilidade nelas.

- Como Assim? - Questionou o Ruivo sem entender.

- No mínimo me confundiram com uma garota... isso sempre acontece...

- Também com esse cabelo o que você queria...

- Tem razão. Mas elas não param de olhar... Ai! Como isso é irritante! Porque que elas tem que ficar olhando pra cá.

Kurama apenas riu.

- Mas que coisa chata... – Diz Keichii observando que as garotas ainda os olhavam.

- Daqui a pouco elas cansam.

- Daqui a pouco eu que me canso – Diz o jovem virando-se rispidamente para as inconvenientes garotas – O que é que foi?!?! Hein?! Perdeu alguma coisa na nossa mesa ou eu que tô de verde?!!? Posso saber?

As jovens sorriram completamente sem graça, levantaram e saíram discretamente. Kurama continuava a rir de tudo.

- Ai...eu não devia ter feito isso. Desculpe se te envergonhei... – Pede ele baixando o rosto, tentando esconder o rubor em sua face.

- Nunca pensei que você fosse capaz de fazer alguma coisa desse tipo.

- AH... é mesmo complicado entender as coisas que eu faço. Eu lhe disse que às vezes faço coisas meio malucas, não é mesmo?

- Você disse sim, várias vezes...

- Pois então, eu só fiz o que eu senti na hora.

Kurama soltou um longo suspiro, Keichii o indagou insistentemente sobre o que causara tal suspiro, perguntou se ele sentia alguma dor ou outra coisa parecida, e mesmo com tantas perguntas Kurama nada respondeu, sabia que qualquer explicação que tentasse dar seria inútil. Preferia esperar que o menino captasse a enorme satisfação que ele sentia naquele momento. E agradecia a Inari por tão breve momento que o tirava pelo menos naquele instante do tédio em que mergulhara sua vida.

- Então se está tudo bem, é melhor agente ir andando, pois vai ficar muito tarde.

- Tem razão, se não sua mãe vai achar que você foi realmente seqüestrado e quando agente quiser tomar outro sorvete ela não vai deixar, não é? – E dizendo isso Kurama tentou deixar em aberto uma outra chance de sair com Keichii para um passeio casual.

- É isso ai. Agora vem e não me enrola não. Vambora!! Diz ele puxando Kurama pela mão, e eles se dirigem ao caixa sob os olhares curiosos de vários alunos que estudavam na mesma escola.

Seguiram pelo caminho que era de costume. O ruivo se arriscou a falar alguma coisa sobre a sua vida, mas nada que o comprometesse demais, desse jeito era melhor. Falou sobre coisas banais. Falou sobre sua mãe, e até tentou ensinar a Keichii a fazer uma mistura para adubo que aumentasse a durabilidade das plantas. O menino parecia atento a tudo, mas se distanciou um pouco do assunto como se estivesse sentindo algo.

- O que foi, Keichii?!

- Estranho... sinto alguma coisa... que...

- Sente o que?!?

- Nada! Besteira minha. Não deve ser nada demais.

Kurama continuou com o assunto, mas Keichii estava intrigado demais com aquela energia que sentia para prestar atenção em alguma coisa. Era como se o dono da energia quisesse ocultá-la, mas mesmo assim ainda era forte o suficiente para que ele, tão sensível percebesse. E não era só isso, havia também um sentimento, uma mistura de ódio, paixão, desejo, sofrimento, dor e angustia. Quem poderia possuir sentimentos tão confusos? Ele mesmo estava atordoado. E a energia e o sentimento estavam ali pulsando tão forte dentro dele com se fossem seus. Ele parou de caminhar tentando se concentrar para localizar de onde vinha aquilo tudo. Não demorou nem dez segundos e a energia desapareceu.

- O que houve?!? – Indaga Kurama já querendo entrar em alerta. Achava aquela atitude um pouco estranha. O jovem estava muito sério.

- Nada, é só uma pedra que entrou no meu sapato. – Responde o garoto procurando algo no sapato para disfarçar.

Percorreram o resto do caminho em silêncio. Apenas uma ou outra palavra era dita, pois Keichii sabia que não podia deixar que Kurama percebesse o quanto ele ficara abalado com aquele acontecimento. Despediu-se dele e entrou em casa de vagar e apesar daquela sensação estranha de estar sendo observado sentia-se feliz, satisfeito. Passou por sua mãe antes de subir as escadas e esta disse apenas boa-noite, não era necessário perguntar se tudo estava bem, isso estava bem claro no rosto de seu filho. Ele subiu para o quarto e antes de ir deitar deu uma olhada para a janela. Aquela sensação ainda estava ali, um pouco mais fraca, mas ainda sim marcante.

Com Kurama não foi diferente, sabia que dormiria muito melhor naquela noite. Já não sentia tanto a irritação pelo calor, muito pelo contrário praticamente o havia esquecido.

Na manhã seguinte Kurama acordou bem disposto, há muito não dormia tão bem. Tanto que sua mãe estranhou quando calçou os sapatos e disse que iria sair para caminhar. Veio descendo a rua calmamente, olhava para o chão, e estava com as mãos nos bolsos, só parou quando reconheceu a enorme árvore, aquela que ficava em frente à janela de Keichii, olhou para cima e lá estava ele regando as delicadas flores. O ruivo tirou as mãos dos bolsos para esfregar os olhos, estava um pouco desnorteado com aquela visão.

- Ohayoo, Minamino! – Gritou ele da janela.

- Ohayoo, Keichii!- Ele respondeu com o mesmo entusiasmo.

- O que você está fazendo tão cedo na rua?

- Estou caminhando. Não quer vir comigo?

- Não, eu não posso. Tenho muitas coisas para fazer.- Disse ele abaixando o rosto.

- Muitas coisas?- Indagou o Youko curioso.

- É, eu tenho que estudar. Lembra que te falei da prova?

- Claro que lembro - Diz ele sorrindo.- Eu já me ofereci para te ajudar.

- Sim, mas eu não quero incomodar. – O menino volta a olhar para as flores como se quisesse parecer tranqüilo.

- Ei, você acha realmente que estaria te dizendo isso só para educação? Eu quero fazer isso. E não tem nada de mais.

- Não é isso... é que eu... - Disse Keichii colocando a mão no peito e abaixando o rosto novamente.

Tá legal, eu já sei... Tô enchendo saco... Tudo bem, você não precisa de mim.- Disse ele colocando a mão no bolso e dando alguns passos.

- Shuichi! Não vá! - Gritou o jovem afoito. - Eu... - Então ele fez uma pausa e continuou. - Eu...preciso de você... de verdade.

- Bom, então está combinado! Hoje à tarde na minha casa.

- Que? Mas é que...

- Mas nada! Vou ficar te esperando lá, a gente pode estudar no jardim e você vai ver quantas flores lindas eu tenho em minha casa.

- Ta bom então. Respondeu ele agora com o rosto iluminado por um largo sorriso.

- Então até mais. - Despede -se Kurama seguindo rua abaixo.

"E agora o que eu faço?! Seja que deus quiser!" - Pensa o jovem meio confuso

A campainha tocou na casa de Kurama. Shiori abriu a porta e deu um generoso sorriso ao avistar a figura pequena e delicada de Keichii

- Boa tarde, senhora. O Shuichi está?

- Sim está. Eu vou...

Kurama desceu as escadas num ritmo alucinado e se antecipou.

- Mãe, pode deixar que é pra mim!

Shiori deu espaço para seu filho quando este se aproximou da porta.

- Oi, Keichii. Eu estava te esperando. Vamos, entre!

O menino continuou parado sem conseguir encarar o rosto do ruivo.

- Vem, entra logo! Não precisa ter vergonha. – Diz o youko puxando-o rapidamente para dentro de casa.

Keichii coçou a cabeça sem graça e sorriu do seu jeito particular. Kurama apresentou sua mãe, e esta fez uma reverência que foi retribuída pelo garoto, completou com uma rápida apresentação da casa e pediu que Keichii fosse para o jardim esperá-lo enquanto ainda pegava alguns livros. Tratou de recolher tudo o que precisava e quando já estava indo para o local do estudo foi interrompido por sua mãe.

- Meu filho,estou feliz que finalmente tenha arrumado outros amigos. Pena não ter me avisado nada... eu teria preparado um lanche.

- Mãe, por favor... depois agente fala sobre isso. Eu preciso ir agora.

- Tudo bem, vai filhinho.

- Desculpe fazê-lo esperar... – Diz o ruivo ao se aproximar.- Está pronto?

- Estou sim. – Diz Keichii abrindo o caderno, pegando a caneta, arregaçando as mangas e falando com um tom irônico. - Vamos começar professor...

- Ah... você está brincando é?? Pois saiba que eu estou levando isto muito a sério e você vai ter que se esforçar muito, entendeu??

Keichii não disse nada, apenas gostava muito da presença de Kurama e se aquela tarde servisse pra que ele realmente aprendesse alguma coisa estava muito bom, muito bom mesmo. Eles passaram toda a matéria, o youko o argüiu varias vezes, tirou suas dúvidas e até debateram alguns assuntos. Era engraçado, a tarde havia passado muito depressa, mais ainda sim fora muito proveitosa.

- Bom, acho que por hoje chega... – Diz Kurama se levantando e jogando o cabelo.

Keichii o observou por alguns instantes e sentiu-se extremamente tentado a inventar uma duvida qualquer só para poder ficar ali por mais alguns minutos. Mas que diabos ele estava pensando? Não podia fazer isso! E sob esse pensamento decidiu se conter.

- É eu acho que você está certo. Muito obrigado pela atenção, fico feliz em saber que somos amigos...

- Não tem pelo que agradecer...isso... não foi nada perto do que você fez por mim... Se não fosse você eu ainda estaria trancado em meu quarto, olhando pro teto, mergulhado na minha tristeza.

- Ora o que é isso!! Vamos! Eu quero me despedir de sua mãe.

*********

 

Com o passar do tempo os dois já não estranhavam mais as atitudes um do outro, era como se já se conhecessem há muito tempo. Kurama nunca tinha permitido que ninguém além de sua mãe e Hiei representasse tanto em sua vida, ele precisa disso, sentia, embora não entendesse o porque, mas isso era algo que o ruivo não tinha a menor intenção de tentar entender, depois de tantas preocupações ele não queria fazer dessa mais uma, seria muito melhor relaxar e aproveitar. O mesmo acontecia com Keichii, porém ele já estava acostumado com coisas sem sentido, e não se queixava nem um pouco de deus ter colocado o terno Shuichi em seu caminho. Teria algo melhor pra fazer até que tivesse realmente que enfrentar o pior desafio de sua vida, só precisava ter cuidado para não se machucar e nem machucar ninguém. Fora isso que ele ouvira desde que nasceu, era isso que todos lhe diziam.

O dia amanhecera ensolarado, Kurama e Keichii se cruzaram no pátio e não podiam esconder a satisfação de estarem ali, diria que o colégio inteiro poderia ser inundado pela luminosidade do sorriso de ambos.

- Como tem passado? – Kurama o cumprimentou com um movimento de cabeça tentando disfarçar ao perceber que eles eram observados pelos outros alunos.

- Bem, Minamino sam. Obrigado por perguntar.- Responde ele percebendo o que acontecia e entrando no jogo.

- Você esqueceu este livro na sala, eu achei e estou lhe devolvendo.

- Esqueci? – Ele ficou sem entender por um momento.

- Sim esqueceu. – Disse o ruivo sorrindo e lhe entregando o livro.

- Ahh!! Sim... ora que cabeça minha... – Keichii pegou o livro achando aquilo tudo muito engraçado. Era uma grande mentira, nunca tinha visto aquele livro na vida!! Mas confiava o bastante em Kurama pra aceitar que fazia algum sentido, e fazia mesmo!! O jovem abriu o livro quando notou não ser mais observado assim que Kurama se afastou e lá estava o motivo, havia um bilhete dentro livro que marcava um encontro no muro em construção. Onde mais? Eles sempre se encontravam ali. Fora ali que se conheceram.

Quando ele chegou o youko aguardava encostado no muro.

- Oi, Minamino. Eu realmente não entendi...

- Me chame de Shuichi.

- Mas é que... bem...

- Não precisa ser assim. Você mesmo disse que somos amigos não é?

- Ta bom então, Shuichi. Aconteceu alguma coisa?

- Não, eu só queria falar com você.

- Só falar? Porque não falou lá mesmo?

- É que eu não gosto quando ficam nos olhando. - Respondeu Kurama

Keichii baixou os olhos tentando esconder de Kurama sua decepção.

- Você é o aluno mais popular da escola... já devia estar acostumado. Mas posso compreender que você não queira ser visto comigo. Mas pra falar a verdade eu não ligo se eles estão ou não olhando pra gente...

- Ei, ei, ei. Espere. Eu não quis dizer isso. Você entendeu errado. Eu não queria ser visto não porque estava com você e sim porque aqui ficamos mais à vontade. – Ele tenta explicar pegando delicadamente na mão do menino e ele no mesmo gesto delicado se desvencilha das mãos do Kurama.

- Tudo bem então, se é assim. – Responde Keichii tentando disfarçar e resistir ao golpe baixo de Kurama. Afinal pegar na sua mão daquela maneira havia mesmo sido realmente um golpe baixo.

- Eu também queria confirmar se sua prova vai ser mesmo amanhã.

- Vai ser sim e eu estou muito preocupado.

- Preocupado com o que? Você estudou tanto. – Kurama fazia de tudo para tranqüilizá-lo.

- Não sei, ainda não to me sentindo seguro. Acho que é isso...

- Se você quiser a gente pode ir até o parque agora e aí a gente repassa a matéria à última vez.- Sugere o ruivo calmamente.

- Mas... e a última aula?

- Você é quem sabe se prefere assistir essa aula ou ter certeza que vai fazer uma boa prova amanhã.

- Mas ficar matando aula é errado...

- Nem sempre o que parece o certo é realmente o certo.

- Tá bom então! – Diz Keichii com um sorriso empolgado. – Não vai ter problema, eu tô com dez nessa matéria mesmo. Mas como agente vai fazer pra sair agora?

- Simples, a gente pula o muro. – Responde Kurama mais calmamente ainda.

- Que?????? Você tá louco?!??

- Não foi você mesmo que disse que de vez em quando faz coisas malucas? – Ele tentou descontrair.

- Sim...mas isso já é demais...

- E porque não?

- Ta, vamos... antes que mude de idéia... É só porque eu confio em você, tá ouvindo?

Kurama sorri ao ouvir aquelas palavras. Confiança! Era isso que ele realmente precisava.

 

CONTINUA...