Cap.5 - A Chama Frente ao
Vento
Alguns dias passaram depois que eu trouxe o doutor.
Ele se confinava numa torre separada, só saindo de lá pra ir pra torre dos livros, repetindo esse percurso algumas vezes por dia.
Kurama já estava de pé a alguns dias, tentando se distrair lendo livros e coisas parecidas. Quando dava eu mesmo ficava junto com ele, jogando algumas coisas que quase sempre ele acabava ganhando.
"Tive notícias do Kuwabara."
Disse a ele como se falasse sobre o tempo enfrente o tabuleiro de othelo. A mão dele que ia colocar mais uma pedra parou, voltando logo ao normal virando as três pedras minhas que ficaram entre duas pedras brancas.
"Alguma novidade?"
"Nada. Só que parece que a sua mãe tá preocupada da falta de notícia."
"Vou escrever à ela. Poderia pedir ao Kuwa-kun para que a entregasse?"
"Tudo bem."
Respondi colocando a minha virando quatro pedras, usando meu braço como apoio de queixo. O jogo desta vez tava mais ou menos equilibrado.
"Kurama."
"O quê?"
Kurama levantou o rosto do tabuleiro, dando de cara com meus olhos encarando ele.
"Cê tá que escondendo alguma coisa?"
"Não, porque?"
Ele voltou a olhar pro jogo, colocando mais uma pedra.
"Eu tô falando sério, Kurama."
"Impressão sua... Acho que ganhei."
Levantando o rosto, Kurama mostrou pra mim um sorriso extenso.
"O quê?"
Enquanto eu olhava pasmo pro tabuleiro, a mão de dedos finos e delicados viravam minhas peças transformando o tabuleiro em branco. Era a nona vez que eu perdia só hoje.
"É melhor não se distrair por nada Yusuke."
O rapaz de túnica vermelha piscou, mas logo paralisou...
Não sabia o quê fazer vendo os olhos de Yusuke lacrimejantes a um metro de mim. Uma súbita desconfiança de que ele já tinha descoberto tudo passou pela minha cabeça, dando-me a vontade quase incontrolável de estender minhas mãos para tocar na sua face. Custei a me conter a abaixei meus olhos não conseguindo agüentar de ver ele sofrendo daquele modo, ainda por mim.
"...Me desculpe Yusuke... Seu eu agi de um modo que o fez pensar assim, a culpa é toda minha. Mas, por favor, acredite, não estou lhe escondendo nada, é verdade."
Me sentia o pior ser do mundo em mentir a ele daquele jeito. Sabia muito bem que, se Feilong não conseguisse encontrar algum modo de desfazer aquela maldição, acabaria morrendo, fazendo Yusuke sofrer mais ainda, mas se contasse seria piro. Yusuke se culparia de não poder fazer nada, pelo resto da sua vida, como ainda se culpa da morte da mestra Genkai.
"É. Deve de ser coisa minha. Desculpa tá companheiro."
Após a voz um pouco trêmula, escutei Yusuke se levantar e, com passos pouco firmes, saiu da sala.
A dor cresceu em meu coração. Um sentimento confinado a muito tempo fazia-me chorar por dentro, fazendo-me debruçar sobre o tabuleiro, para que meus olhos vermelhos não fossem avistados...
Eu andava pelo corredor, desanimado, me lembrando do rosto que Kurama fez na hora que disse que não escondia nada e que era apenas um impressão minha, mas eu sabia que aquilo era mentira.
Kurama sempre sabia ser calmo, mesmo nas horas das batalhas mais difíceis, escondendo bem seus sentimentos, mas naquela hora, parecia mais um livro aberto ou um espelho, pois mesmo eu que não sou bom nisso conseguia ver no rosto dele que estava mentindo, e que escondia algo pra mim...
Continuei andando, de olhar baixo, até que entrou na minha vista a ponta de uma túnica verde.
Ao erguer meus olhos, lá estava o doutor Feilong, com uma montanha de livros na mão, não enxergando a frente.
"...Tá tudo bem aí, doutor?"
"Ah, Yusuke."
Respondeu a pilha de livros.
"Poderia me ajudar. Mal consigo enxergar a frente."
Claro que não dá, pensei.
"Tudo bem. Se agacha só um pouquinho que eu não sô poste como você."
"Ah, espere sou um pouco."
Atordoado, o doutor se agachou um pouco com dificuldade. Eu peguei toda a pilha
pra mim deixando as mãos dele vagas.
"Yusuke, não precisa se incomodar a esse ponto. Posso levar metade."
"Tá tudo bem. Ainda mais pra você fica melhor uma caneta que serviço pesado."
Respondi a ele até que enfim podendo ver os óculos redondos e os cabelos negros, agora amarrados na nuca.
Juntos saímos da torre após descermos alguns andares, finalmente chegando até uma segunda torre onde Feilong estava trabalhando. Pelo percurso inteiro fiquei observando de lado o rosto mais alto que o meu, e quando Feilong abriu a porta da torre, até que enfim tomei coragem de perguntar uma coisa que ainda girava dentro da minha cabeça.
"Feilong."
"Sim?"
"...Cê conhece Kurama faz tempo, não é?"
"Se for preciso, já se faz novecentos e quarenta e oito anos. Obrigado, pode deixar naquela mesa."
Como ele me pediu, coloquei a pilha de livros encima de uma mesa, pensando mais uma vez se eu podia mesmo perguntar aquilo pra ele.
"...Aceita alguma bebida? Tenho café."
"Ah, thanks. Eu aceito sim."
Respondendo me sentei numa cadeira e fiquei observando as costas do doutor, até que ele mesmo perguntou para mim.
"Algum assunto que quer tratar comigo?"
"Bem... É..."
Respondi me sentindo um pouco desconfortável.
"...O Kurama. Cê sabe porquê que ele tá tão estranho assim."
"Acho que a razão é clara para nós dois, não?"
Respondeu Feilong. Eu franzi a testa.
"Feilong. Cê sabe que não tô falando disso."
Ao meu responder, Feilong me espiou pelos ombros e sorriu. Logo, voltou a filtrar o café.
"...Eu gosto do Kurama. Falando sério. Só que ele..."
Eu engoli minha saliva uma vez, e continuei.
"Ele tem uma péssima mania de tentar carregar tudo sozinho. Nunca procura ninguém quando tá com algum problema. É sempre a gente quem tem que tentar descobrir pra poder ajudar, sabe."
"Entendo..."
Feilong até que enfim se afastou da mesa com duas canecas na mesa. Me entregou uma e logo se sentou numa outra cadeira, perto de mim.
"...Yusuke. Esta característica qual você me descreveu não é de hoje."
Começou a falar.
"Antigamente, Kurama era o ladrão aclamado. Orgulhoso e tinha como uma humilhação pedir alguma ajuda a alguém. Nunca admitira a fraqueza. Tanto sua como a de terceiros."
Assim, tomou um gole do café quente que erguia uma fumaça que se desfazia no ar.
"Porém, as razões dele de agora não lhe revelar seus problemas e preocupações são outras."
"......"
"Certamente ele conserva em si o youko que conheci, porém, aquele youko qual feria todos com sua barreira de espinhos não existe mais. Era sempre impiedoso com aqueles que ousavam se aproximar a ele, ferindo-os de uma maneira quase irreversível."
"...E com você?"
Perguntei.
"Foi assim com você também?"
"...No começo sim. Porém, me tornei professor dele após alguns incidentes."
"Professor?"
"Sim."
Sorriu.
"Ensinei-o ler e escrever, entre outras coisas."
Ele afinou os olhos, recordando-se da época.
"Eram poucos aqueles que Kurama reconhecia como amigos, apesar de nunca admitisse esta palavra como verdadeira. Mesmo junto com seus amante, sempre temporários, parecia temer afetos quando não havia atração carnal entre eles."
Amantes...
Deve de ter tido muitos com aqueles olhos dourados e aqueles cabelos que se pareciam mais com fios de seda levados pelo vento.
Um Kurama praticamente desconhecido pra mim.
Um youkai puro, sem aquele sorriso gentil, nem suas palavras suaves."
"Mas agora, Kurama não ostenta mais aquele orgulho que o afastava de todos. Em seu lugar, aprendeu a confiar em seus amigos. Porém, lhe recusa a relatar sobre alguns fatos, mas não por não acreditar em você e sim por lhe querer bem, Yusuke. Ele não acha correto que você e seus amigos sofram por sua causa, e sabe que há fatos onde se calar é a melhor opção, tanto para você quanto para ele. Entende?"
Eu abaixei a cabeça pensando naquilo que Feilong mi disse.
Aquele cabeça dura...Posso até entender porque, só que concordar não.
Amigo não é pra essas coisas? Pra ajudar o outro quando precisa? Droga, sei que não posso dar AQUELES concelhos, mas posso escutar e sei que isso ajuda...
"...Yusuke. Posso lhe fazer uma pergunta?"
"Ah, claro. Pode mandar."
"Porque se preocupa tanto com meu pupilo?"
"Ora, porque ele..."
"...É seu amigo."
Cortou Feilong. Se sabe, então porque perguntou? Franzi a testa.
"Você já me disse isso no dia em que nos conhecemos."
Feilong continuou.
"Porém, tem certeza que este é realmente seu sentimento?"
Agora sim fiquei mais confuso. Como assim, se eu tenho certeza?
"Cê tá desconfiando do quê, doutor?"
Quase com raiva fitei-o. Senti tanto meu rei-ki como meu you-ki se elevarem. Feilong balançou a cabeça em negação.
"Pelo contrário. E por isso mesmo lhe pergunto. Kurama tenta lhe poupar de seus problemas enquanto você se arrisca a ir sozinho até Layara."
"Fiz minha obrigação. Kurama salvou minha vida..."
Falei a ele, com um peso entranho no peito e um ligeiro frio no estômago.
"Yusuke. Uma grande amizade pode levar pessoas à ponto de oferecer ao próximo sua própria vida e acreditar plenamente um no outro, sem uma única sombra de desconfiança. Porém, há um outro sentimento qual nos torna vulnerável um ao outro, justamente como está acontecendo entre vocês dois. Será que é realmente uma simples amizade que você sente sobre ele?"
Eu fiquei parado, assustado com as palavras do doutor de cabelos negros e olhos de sábio. Tentei responder alguma coisa, mas minha língua travou. Não sabia o quê responder e, sentia que se falasse algo acabaria gaguejando.
"Por favor, Yusuke. Pense bem no que eu te disse."
A voz dele era séria, fazendo-me calar de vez como uma estátua,
atordoado com as palavras do ex-professor de um dos meus maiores companheiros...
CONTINUA