Na manhã seguinte acordei com dor de cabeça e com meus olhos inchados. Meu travesseiro estava úmido por causa de um pesadelo qual já não me lembrava mais.
Deixei escapar um suspiro cansado e despi meu traje de dormir para trocar meu curativo, quando reparei na minha imagem refletida num espelho de corpo inteiro.
Ao levantar da cama caminhei até a minha imagem e estiquei minha mão até meu pescoço. Lá estava um pequeno e recente hematoma; prova do acontecimento do dia anterior.
Meus olhos pediam por lágrimas mais uma vez, mas contive esta vontade, voltando para as tarefas da manhã.
Logo chegaria meu café da manhã, e logo depois pensava em ir até Feilong para me informar de como estava suas pesquisas.
Acordei cansado, já que não dormi quase nada na noite anterior. Aquele acontecimento não saía da minha cabeça junto com o cheiro do Kurama que ficou no meu lençol .
Logo fui avisado que Feilong queria falar comigo e, apreçado, quase não acordei direito e eu já tava lá, na torre separada.
"Oi Feilong!! Me disseram que cê queria falar comigo?!"
Entrando sem avisar fui perguntando pras costas que arrumava algo encima da mesa.
"Por favor, venha até aqui."
Respondeu ele. Parecia estar estendendo algo sobre ela.
Cheguei perto da mesa e consegui ver que era um mapa onde dava pra se entender que havia montanhas, lagos e campos. No lado dessas figuras tinha alguma coisa escrita que eu não conseguia entender. Provavelmente era o nome dos lugares.
"Aqui."
Feilong apontou para o pé de uma montanha.
"Bem aqui há um altar."
Olhando com mais atenção, dava pra reparar que havia um desenho de uma caverna.
"De acordo com minhas pesquisas, este altar possui a força de desfazer magias da natureza da linhagem de Fitoh qual atingiu Kurama."
"É longe?"
Perguntei tentando encontrar no mapa descrito em coro de animal as torres deste reino.
"Fica a poucos dias daqui. Se for você poderá chegar em menos de quarenta e oito horas. Porém, não será este o problema."
"Como assim?"
Levantei meu rosto do mapa.
"Precisará de alguns elementos para poder invocar o poder do altar. A pedra de Yaksha, a folha de Odir, o fogo de Ashla e a água de Urd."
"...O quê?"
"A pedra de Yaksha é uma pedra polida com o emblema deste clã. A folha de Odir é a folha de uma arvore nomeada como "Arvore do Mundo" que fica no centro do Makai e o fogo de Ashla é o fogo prateado que é produzido quando é queimado o óleo de um touri. Todos estes são raros, mas não é nada que não se encontre na feira negra de Eiten."
"E o último? Não tinha mais uma coisa?"
"Sim. A água de Urd."
Feilong endireitou seus óculos.
"...A água de Urd é o sangue de quem lançou a maldição."
Minha esperança murchou frente as palavras pronunciadas por Feilong.
O sangue do youkai que lançou a maldição...
"...Isso vai ser impossível, doutor. O cara já tá morto."
Falei de cabeça baixa e punho cerrado vendo que a única porta que encontramos estava fechada.
"Não. Não está, Yusuke."
"!! Não está morto?!"
"Isso mesmo."
Feilong fitava meus olhos. Havia uma grande certeza em suas palavras.
"A linha entre a maldição e o qual a lançou permanece ligada. Ele está vivo."
"Vivo..."
Murmurei para mim mesmo e me virei rumo à porta para sair da torre.
"Yusuke. Espere."
Deduzindo o quê eu pretendia fazer, Feilong chamou meu nome.
"Eu tenho que pegar o desgraçado."
"Mas assim demorará de mais até encontra-lo. Posso usar um feitiço de rastrearmento. Em mais ou menos dois dias poderei localiza-lo e dar a você um instrumento para te auxiliar. Em quanto isso, poderá providenciar os três elementos restantes."
"...Vou agora mesmo."
Quando virei pra sair da torra, vi que a porta estava aberta e lá estava a raposa de cabelos de rosa, olhando para cá, com os mesmos olhos que me enfeitiçaram na noite passada.
"Kurama..."
Ao murmurar seu nome, senti meu rosto esquentar de repente e saí da torre às pressas pra que não percebessem, passando pelo lado de Kurama.
Uma dor aguda surgiu de dentro do meu peito quando Yusuke desviou rapidamente seu olhar decima de mim e passou por mim às pressas, tentando não olhar mais para mim.
Fechei meus olhos com força para impedir que eles lacrimejassem. Pelo menos agora não era hora para isso.
"Kurama..."
Feilong chamou pelo meu nome com um leve tom de carinho.
"Eu escutei tudo ainda na porta, Feilong. Não há mais nada a me explicar."
Falei para ele tentando disfarçar minha dor, mas parecia não dar certo. Não com Feilong.
"...Há algo de errado entre vocês dois?"
Hesitei a responder, porém logo balancei minha cabeça em uma afirmativa.
Feilong suspirou preocupado discretamente.
"Disse a ele seus sentimentos?"
"Não disse e nunca direi, Feilong. Não posso deixar que este meu sentimento destrua nosso relacionamento..."
"Então, o quê houve com vocês?"
Sendo raro ele perguntar coisas mais intimas, olhei para os olhos de jade de meu mestre, e vi neles a cor da preocupação. Abaixei novamente a minha cabeça, olhando além do chão de mármore.
"Nós nos beijamos...ontem a noite..."
Falei sentindo meu rosto ruborizar-se um pouco. Sentia-me como um garoto que contava sobre seu primeiro beijo ao seu pai.
"...Quase acabamos até nos deitando, mas..."
Deixei escapar um suspiro desiludido.
"Yusuke voltou em si e me pediu perdão...Só foi isso."
Apenas isso...Mas já era bastante para mim.
Comparando com o meu passado, aquilo foi como uma brincadeira de criança.
O número de amantes que eu tinha não cabia nos dedos das mãos e já tinha perdido a conta de quantas vezes deitei-me com alguém, apenas por prazer.
Mas não. Nunca daquele jeito, como se meu coração tomasse conta de todo meu corpo, quase que suplicando por simples toques seus.
Eu o amo.
Quando dei de si, já estava amando-o de um modo que não mais conseguia parar.
Sua presença já tinha se tornado indispensável, como um pássaro e seu céu, como um peixe e seu oceano... mas era um céu restrito e um mar sem água.
Minha felicidade e minha corrente. E se esses dois desaparecer, apenas restará o vazio...
Feilong me observava num silêncio pensativo até que ele mesmo o quebrou.
"...De qualquer modo, Yusuke partirá amanhã. Se há algo a dizer a ele, será melhor que seja em breve."
"Eu mesmo irei. Não seria justo que Yusuke fosse à batalha por mim."
"...Acho que não conseguirá convence-lo em ficar, Kurama."
"..."
Olhei novamente para Feilong, tentando saber o porque dessas palavras.
"Yusuke pode ter todos os defeitos, porém, você deve de saber que ele não é tão tolo quanto demonstra ser. Ele partirá sim, mesmo sabendo que poderá perder sua vida pelo seu amigo, sendo amaldiçoado como você, Kurama."
Arregalei meus olhos diante as palavras que bateram-me o rosto.
Virei para a porta sem ao menos me despedir do sábio de Layara, que observava minhas costas saírem da torre.
Agora apenas Feilong estava na sala que, mesmo sem janelas, era completamente iluminada.
Lentamente ele retirou seus óculos, mascara que escondia seus sofrimentos e sua solidão desde que seu clã fora massacrado impiedosamente, revelando seus olhos vagos e melancólicos.
Ao inalar profundamente, deixou que escapasse um suspiro longo com ares de sofrimento.
"Kurama... ele irá sim arriscar sua vida. E você ainda precisa de uma prova maior de seu amor...?"
Sussurrou sozinho, sentindo o amargo dos seus sentimentos invadirem sua boca.
Estava completamente apaixonado pelo novo rei das terras dos trovões, porém, desde o começo, sabia que seu amor nunca seria correspondido...Mesmo assim, rezava pela felicidade dos dois youkais que, se tornariam cada vez mais, nas existências mais preciosas dentro do coração do ermitão de Shenlong.
Eu continuava a correr, mesmo sentindo o latejar do meu ferimento localizado no lado esquerdo do meu estômago.
A única coisa que escutava agora era meus pés correndo sobre os tapete de folhas secas e minha respiração acelerada mesmo correndo tão pouco.
Logo avistei as costas largas que andava rumo às torres.
"Yusuke!"
Ao meu chamar, suas costas viraram-se. Aproximei-me ainda mais até chegar na sua frente, curvando-me para acalmar minha respiração que estava ao ponte de ter que respirar com os ombros.
Inalei fundo e levantei meu rosto encontrando olhos castanhos um pouco sem jeito, mais altos que os meus, que foram desviados em sinal de desconforto. Meu coração chorou ao ver sua reação, porém disfarcei, tentando ser o mais natural possível.
"Eu mesmo irei atrás do Youkai."
Yusuke arregalou os olhos e voltou seu olhar sobre mim.
"Você já se expôs demais por minha causa. Se aquele youkai está vivo é minha falha. Cabe a mim dar um fim nele com as minhas próprias mãos."
"Me expor...? Eu não..."
"Yusuke. Como meu amigo você já fez muito mais do que o necessário. Agora eu mesmo tenho que assumir as conseqüências dos meus erros."
Tentei sorrir, mas saiu desajeitado. Parecia que eu tinha esquecido temporariamente como se sorri.
Yusuke continuou espantado, porém por pouco tempo, logo fechando a expressão e recomeçando sua caminhada.
"Eu vou, Kurama."
"Yusuke!"
Apressadamente ultrapassei seus ombros e barrei sua passagem.
"Eu tenho que ir providenciar algumas coisas."
Yusuke tentou prosseguir, mas foi impedido novamente pelo meu braço que segurou o dele.
"Kurama!"
"Yusuke, me escute, por favor!"
"Como cê pretende lutar sendo que tá sem o seu youki?!"
"Você não tem a obrigação de fazer isso por mim!!"
Claramente vi os olhos de Yusuke se ofuscarem e em seguida serem tomado pela fúria.
"Obrigação...?!"
Yusuke rangeu seus dentes. Agarrou meus ombros com tamanha força que seus dedos pareciam fincaram-se na minha carne. Senti meu corpo estremecer vendo nos olhos faiscantes sua ira.
"Quem disse que é por obrigação, em Kurama?! É assim que cê me vê?!"
Fui sacudido pelos ombros, fazendo-me minha cabeça se mover para trás e para frente. Meus ombros gritavam de tanta dor.
"Cê acha que eu não tenho direito de me preocupar com você?! Que eu não presto pra te ajudar em nada?!"
Eu balancei a cabeça em desespero negando suas palavras. Meus olhos estavam cobertos pelo temor que senti do filho do deus da guerra.
"Nunca mais me fale algo assim se ainda quiser continuar sendo meu amigo...!! Ouviu?!"
Yusuke soltou-me da sua repressão quase que me empurrando, virando-me as costas e partiu com passos firmes sem olhar para trás.
Eu me encolhi abraçando meu próprio corpo observando, em lágrimas que fluíram sem parar, suas costas que rejeitava mais nenhuma palavra.
O fundo das minhas narinas ardiam, e meus olhos queimavam, sentando-me no chão, abraçando-me ainda mais forte com minhas mãos de dedos trêmulos. Eu soluçava sem parar. Meus cabelos vermelhos caiam em cascata e alguns fios se molhavam com as minhas próprias lágrimas.
Eu parecia conseguir escutar dentro de mim meu próprio desmoronamento...
CONTINUA