![]() |
ESCRITORES | MATERIAL | ESTILÍSTICA | GRAMÁTICA | LEGISLAÇÃO | DOWNLOAD | MAPA |
JORGE SANTOS • BRAGA • PORTUGAL ![]() |
"Senhora, partem tam tristes" |
||||||||||||||||
HISTÓRICO DOWNLOAD |
||||||||||||||||
ESTRUTURA EXTERNAO poema é constituído por um mote de quatro versos e uma glosa de nove versos, repetindo-se o último verso do mote no final da glosa. Trata-se, portanto, de uma cantiga. Apresenta o seguinte esquema rimático: ABAB CDCCDABAB. No mote, as rimas são cruzadas; na volta, há rima emparelhada entre o 7º e o 8º versos, interpolada entre o 6º e o 9º e rimas cruzadas nos restantes. Os versos são todos de redondilha maior (7 sílabas), graves e agudos. O ritmo é binário, pelo facto de todos os versos possuírem dois acentos rítmicos. TEMA E DESENVOLVIMENTOComo é habitual neste tipo de poemas, o tema (tristeza decorrente da partida) é expresso de forma sintética no mote ("Senhora, partem tam tristes / meus olhos por vós...") e desenvolvido na glosa. Assim, a estrutura externa (mote e glosa) determina a estrutura interna (tema e desenvolvimento). O discurso poético dirige-se de um "Eu" (o sujeito poético) para um "Vós", identificado pela dupla apóstrofe inicial ("Senhora", "meu bem"). A interpelação do destinatário à cabeça do poema confere-lhe um carácter apelativo, revelando o verdadeiro objectivo do poeta: exprimir os seus sentimentos, é certo; mas principalmente comover, com a exposição deles, a amada. O sujeito poético adopta, portanto, uma postura de dependência - de quem não ousa pedir, mas apenas sugerir - que faz lembrar a dos trovadores face à sua dama, prova de que algo da estética provençal foi incorporado na tradição poética e perdurou através dos tempos. No entanto, o sujeito poético é apenas explicitamente referido no segundo verso do mote ("meus olhos"), para logo se diluir, centrando-se o discurso, a partir daí, nos olhos, que, para o efeito, são personificados . De facto, são os olhos que partem ("...partem tam tristes / meus olhos...") e é deles que o poeta fala sempre, no decurso do poema. A utilização dos "olhos" como elemento polarizador da vida afectiva, tão frequente em poesia, tem uma evidente justificação psicológica. Sendo, objectivamente, a principal porta de comunicação com o mundo exterior, tendemos todos a ver neles como que uma janela através da qual podemos vislumbrar o interior do outro. Não é por acaso que são considerados o "espelho da alma". Quando as palavras são insuficientes, é nos olhos que procuramos a confirmação do que desejamos ou receamos. Mas é com as palavras que os poetas trabalham e, antes de chegar ao fim do mote, o sujeito poético procura exprimir a intensidade do seu sofrimento de forma hiperbólica ("...nunca tam tristes vistes / outros nenhuns por ninguém"). A hipérbole é outro recurso estilístico com raízes psicológicas profundas e por isso utilizado com muita frequência, até na comunicação quotidiana. De facto, o exagero é um processo espontâneo de afirmação veemente. Apresentado o tema, vem o seu desenvolvimento. A glosa retoma exactamente a afirmação do mote, agora apresentada de uma forma mais elíptica : o sujeito e o verbo (meus olhos partem) são omitidos e fica apenas esta expressão adjectiva, mais curta e incisiva, como uma pancada que nos abala interiormente - "Tam tristes". E segue-se uma extensa (dado o tamanho do poema) acumulação de adjectivos, com os quais se pretende sugerir a intensidade do sofrimento: saudosos, doentes, cansados, chorosos, desejosos (da morte). Naturalmente, esses adjectivos possuem um valor semântico fortemente disfórico, de forma a descreverem o profundo mal-estar em que o sujeito se encontra. A enumeração apresenta-se sob a forma de gradação , dispondo-se num crescendo que vai do óbvio "triste" até o "desejosos" da morte. Além disso, cada um dos adjectivos da série é precedido pelo advérbio de quantidade "tam", reforçando-se desse modo o efeito significativo da acumulação. O nível fónico colabora nessa expressão obsessiva do sofrimento pelo recurso à aliteração do /t/, que percorre todo o poema, mas se acentua exactamente nesta parte. Por meio da aliteração, reforçada pela repetição anafórica do advérbio "tam", cada um dos adjectivos com que se qualifica os olhos (e, portanto, o próprio sujeito) atinge-nos como uma pancada. O ritmo (outro elemento de natureza fónica) colabora também nessa tarefa, na medida em que cada sintagma adjectival corresponde a um elemento rítmico do verso: (...) E uma análise mais atenta revela-nos que a aliteração do /t/ tem ainda um outro efeito. Liga entre si, de forma inconsciente, algumas das palavras mais significativas do poema: partem/partida, tristes, vistes e o advérbio tam. Assim unidos, cada um deles reforça o valor expressivo dos restantes. E a série termina, mais uma vez, com uma expressão hiperbólica ("da morte mais desejosos / cem mil vezes que da vida"). Mas aqui a hipérbole é reforçada pela combinação com a antítese que opõe morte e vida. E a antítese, por sua vez, adquire maior força expressiva pelo recurso ao hipérbato , que coloca em posições extremas (início e final de verso) os dois elementos do par antitético: (...) A segunda parte da glosa (vv. 10 a 13) retoma o mote, iniciando-se com a expressão utilizada no primeiro verso ("Partem tam tristes"). Mas continua o esforço para exprimir a intensidade do sofrimento, agora com a associação do adjectivo "tristes" com a sua forma substantivada "os tristes" (=olhos), a que se acrescenta explicitamente uma nota de desespero ("tam fora d'esperar bem"). O poema termina com a mesma hipérbole que fechara o mote ("que nunca tam tristes vistes / outros nenhuns por ninguém"), adquirindo assim uma estrutura circular, que sugere a ideia de que o sujeito está inexoravelmente condenado a sofrer o seu sofrimento, como se estivesse fechado dentro de uma redoma. |
||||||||||||||||
|