A Ilha

A Ilha
Era uma ilha que vivia no
meio do oceano. Levava uma vida tranqüila, sem grandes
questionamentos. Conhecia outras ilhas e com elas se comunicava.
Um dia porém uma idéia a inquietou: se toda vez que a maré
baixava, uma porção de terra se descobria, então até que
ponto haveria terra? Isso lhe tirou o sono por várias noites.
De repente seu conceito
sobre si mesma mudou. Sempre se considerara uma porção de terra
boiando à superfície da água, isso era ponto pacífico, todas
as outras ilhas também pensavam assim. Mas agora já não podia
acreditar nisso. Uma ilha não terminava ali na superfície.
Não. Continuava pra baixo. Uma ilha era na verdade uma...
montanha. Saber que ela continuava além do que pensava ser era
algo espantoso de se pensar. Assim, dia após dia, a ilha
prosseguiu em seus esforços de auto-investigação - queria
saber até onde existia. Mas à medida que sua atenção
mergulhava em si mesma, as águas ficavam mais escuras. Era
preciso cada vez mais concentração pra não se perder.
Ela prosseguiu e descobriu
que o que existia abaixo da superfície possuía vida própria e,
mesmo sem ser reconhecido, era capaz de interagir e até
determinar o que existia acima. Uma ilha não era algo tão
independente quanto pensava. Muito tempo se passou até que se
convencesse de que era mesmo uma montanha com o pico emerso. E
muito mais tempo para compreender que não flutuava solta nas
profundezas do oceano: ela estava presa a uma base e essa base
era uma enorme extensão de terra que funcionava como chão.
Vinham de lá todas as
ilhas. E para lá voltariam todas quando os movimentos da terra e
das águas as forçassem a isso. Mas as ilhas não sabiam da
montanha e muito menos da terra ao fundo. Por isso as reais
motivações do que faziam eram na maior parte desconhecidas. Se
a montanha era a parte inconsciente de cada ilha, o fundo do mar
era o inconsciente maior, único, de todas elas. Ao entender esse
fato a ilha lembrou do tempo em que sua consciência de si
própria se limitava àquela minúscula porção de terra à
superfície. Todas as ilhas vêm do mesmo lugar... - ela repetiu,
intrigada - porque são feitas da mesma terra. A areia e os
nutrientes que as raízes de suas plantas colhem vêm do mesmo
chão. Todas as ilhas que existem são no fundo uma coisa só...
A ilha viu que eram idéias grandes demais, confundiam a mente.
Aquela auto -investigação era importante mas era preciso muita
atenção durante o processo. Só assim poderia voltar à
superfície sempre que quisesse.
Enquanto tudo isso
acontecia, as outras ilhas observavam seu comportamento e não
entendiam. Concluíram então que estava louca e espalharam a
notícia. A ilha sentiu-se só. Mas como poderia condená-las por
não compreenderem o que ela descobrira? Pensando melhor, eram
todas partes dela mesma! Então ela mesma ainda não se
compreendia inteiramente...
Foi então que a ilha
percebeu, num clarão de compreensão, que toda aquela vasta
extensão de terra inconsciente funcionava como um útero a
expulsar pequenos pedaços de si mesma, forçando-os a ir à
superfície. Uma vez lá, eles se entendiam ilhas e começavam
então sua aventura individual em busca de saber quem eram,
aventura que podia durar anos, séculos, milênios, mas que um
dia chegaria à mesma conclusão: todas as ilhas eram montanhas e
todas as montanhas na verdade eram uma só extensão de terra a
se experimentar em cada uma delas.
Mas por que a terra fazia
isso? Talvez pra ela própria aprender com a experiência de cada
ilha. Ao morrer uma ilha trazia à terra sua experiência pra
servir de aprendizado às futuras ilhas. Uma ilha continha em si,
sem se dar conta, a mesmíssima areia das que a antecederam. A
terra como um todo estava sempre aprendendo cada vez mais sobre
si mesma... Era mesmo uma tremenda aventura - pensou a ilha
enquanto se divertia com os olhares estranhos que as outras lhe
lançavam. Uma aventura de cada ilha. Mas também da terra
inteira.
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Autor: Ricardo Kelmer
Enviado por: Kleber Pieri
mailto: kpieri@hotmail.com



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