Uma gaivota
passeia por cima das ondas encrespadas.
Pensava em
quem poderia estar agora a olhar para a mesma gaivota, para o mesmo mar ou para
o mesmo céu. Serei sozinho ou estarei acompanhado. Naturalmente sozinho, achei,
afinal há coisas mais importantes para fazer.
Ia seguindo a
gaivota e cada vez me parecia mais bela. Era diferente, de alguma forma, de
todas as outras. Apesar de parecer tão normal como qualquer outra tinha
qualquer coisa que a distinguia e que a tornava apaixonante. Segui-a durante
horas até que deixei de a ver por detrás de uma rocha mais afoita que a
escondeu no seu leito.
Levantei-me e
dirigi-me para o exterior do castelo.
Lá fora uma
criança pulava. Brincava com uma bola côr de mar, dando-lhe pontapés e
fazendo-a voar como a gaivota, pairando no ar e voltando para os seus pézitos
descalços.
Ao passar por
ele, a sua voz acordou-me dos meus sonhos.
-
Olá. Queres jogar
comigo? Se jogares conto-te uma história.
Já há tanto
tempo que não me contavam histórias que decidi aceitar de imediato o
enternecedor convite.
-
Claro que quero, mas
só se a história valer mesmo a pena...
-
Tenho a certeza de
que vais gostar – respondeu.
E sem mais
perguntas lá fui jogando com a bola côr de mar sobre as pedras côr de prata.
-
Como te chamas –
perguntei
-
João, e tu?
-
João, também. Não
é engraçado?
Ele riu-se.
-
Queres-me ir contando
a tua história?
-
Não, porque se eu
acabar depois vais-te embora e já não queres brincar mais comigo.
-
Não sejas tonto,
retorqui, claro que jogo. Porque achas que faria isso?
-
Porque os grandes são
sempre assim...
-
Mas eu estou aqui
contigo, não estou?
-
Sim, mas é só por
causa da história.
-
Não. É porque
gostei de ti.
-
Está bem, eu vou
contar, mas depois não te vais embora.
-
Está bem –
respondi com convicção.
-
Então é assim.
“No reino das pedras vivia uma princesa muito linda. Era a mais linda de todas
as meninas de todos os reinos. Um dia uma bruxa feia fez-lhe um feitiço e
transformou-a numa gaivota. Depois disse-lhe: vais voar por cima de todos os
mares e por de baixo de todos os céus. E só tornarás a ser princesa quando um
homem se apaixonar por ti. Mas isso é impossível, retorquiu a princesa, como
é que um Homem se apaixona por uma gaivota? A bruxa riu-se e fê-la voar e
desaparecer por entre as nuvens escuras...”
Nesta altura a
bola pulou para o alto e ao chegar lá bem ao alto transformou-se em milhões de
pétalas de rosa que caíram sobre a calçada, iluminando-a e tornando-a num
maravilhoso manto vermelho. Foi então que uma menina, mais bela que a mais bela
das mulheres que alguma vez existiu, apareceu, vinda do castelo. Ao passar por
mim, beijou a minha face, agradeceu com uma vénia e desapareceu.
Ainda hoje
guardo a recordação de seus lábios salgados na minha face enquanto uma criança
pulava, lá ao longe, cantando uma canção de embalar, sobre as pedras côr de
prata, cobertas daquele vermelho forte.
Todos os dias
volto ao castelo, com a minha bola côr de mar, na esperança de voltar a
encontrar uma criança ou uma gaivota, mas apenas encontro o mar e o céu que
levam e voltam a trazer a minha bola côr de mar.