Como se não bastasse já a
barba de uma semana e o cabelo de dois meses, nesse dia nem água havia para
tomar banho. Dez e meia. Olha-me para esta carinha. Nem como aqui, dou uma
dentada em qualquer coisa no Silva e mais nada, mudo de boxers ou não – valerá
a pena? – que se lixe, perco mais um minuto... t-shirt, meias, calças,
apertar a merda das calças que.. não... apertam, camisola, do avesso? não,
ok: telemóvel, carteira, chaves do carro, chaves de casa, chaves do escritório...
e tenho de levar a pasta, caraças
hoje tenho de pagar o telefone e o telemóvel onde é que eu pus as facturas...
ok. Ok.
Acordar a Rita. Dirigi-me ao
quarto dela, dei um toque na porta com os nós dos dedos, como se ela ouvisse,
entrei e aproximei-me dela. Acho que ainda não me habituei a vê-la assim,
deitada, a dormir, frágil, num mundo melhor à espera que eu me deitasse ao
lado dela, despenteada, unaware.
-
Rita.
Ela ouve-me à primeira, mas
finge que não. Eu também faço isto, mas é irritante. Eu faço-o porque fico
à espera de ser acordado de outra maneira, com um beijo, talvez, com um carinho.
Ela fá-lo porque não tem paciência.
-
Rita, más notícias. Estamos sem água outra vez.
-
Que bom... – mexe-se, reacomoda-se.
-
São nove e meia. Vou sair agora.
-
Acordaste cedo, hoje... – se há coisa que me dói é vê-la assim,
perdida entre o sono e a realidade de ter de se levantar, esperando um conforto.
A voz de sono oblitera de todo a já pouca vontade que tinha de ir trabalhar.
Parece que me chama.
Ela senta-se na cama, espreguiça-se
e coça os olhos. Não há água. Há leite?
-
Há, comprei ontem. E há... coiso, cereais. Tens fruta, também.
Nectarinas.
-
Necta... que é isso?
-
É tipo pêssegos. Sem pelo.
-
Ok. Obrigada.
-
Até logo.
Para variar, estou atrasado. E
na bicha. Até à hora de almoço tenho de acabar o folheto da Marinha.