Sua vida resumia-se ao ecran de computador para onde
olhava. Cinzento.
O seu presente era uma janela com letras, nem sempre formando palavras, à sua
frente. Cinzenta.
O seu futuro era igual à sala comprida que se avista da sua secretária, três
fileiras de luzes fluorescentes alinhadas, encontrando-se ao fundo, cada uma
iluminando um ecran de computador. Cinzento.
Oito horas da noite. O dia acabou.
Está na hora de ir embora. A hora mais angustiante do dia.
Ir embora para onde? Para quem? Para uma casa vazia, quatro paredes brancas,
sem cor nem calor, estender-se no sofá. Cinzento.
Descansar para um dia seguinte igual ao que acabou...
A paragem do autocarro enche-se de gente, apertando-se
entre si, compensando assim o frio de Janeiro que corre pela avenida abaixo.
Tanta gente partilhando o seu calor com ele, sem no entanto o aquecer. Uma a
uma, percorre o olhar das pessoas que o rodeiam, tenta entrar-lhes na alma.
Sente-se só no meio de tanta companhia. Como será a vida destas pessoas? Que
cor terá?
No caminho para casa, um só desejo lhe atravessa o espírito:
Voar! Voar sobre tudo, não sobre as coisas, mas sobre as pessoas, sobre os
sentimentos. Ter uma visão sobre todas as formas de vida, sobre todos as
almas, poder escolher a sua e aí pousar as suas asas. Procurar outra paisagem,
que não fosse pintada em tons de cinzento, como a sua.
Algo o traz de volta ao mundo que o rodeia. O autocarro
trava subitamente, e entre o silvo dos travões, ouve-se um grande alarido. Ao
espreitar para o transito que parara sobre um viaduto, vê as luzes de um
carro da polícia cintilando de azul o principio de noite, mostrando uma jovem
de pé sobre a amurada do viaduto. As suas pernas tremiam enquanto as lágrimas
que escorriam pela cara caíam para a ribeira que corria lá em baixo.
Quando ele deu por si, estava já ao pé da jovem. O que
estaria a empurrá-la para um fim tão trágico? O que poderia ser tão
insuportável? O que poderia ser pior que a sua solidão?
Foi então que lhe estendeu a sua mão. Não pensou sequer
que de toda a gente que ali estava a gritar e a comentar, ninguém se
aproximou, ninguém estendeu a mão a alguém que apenas disso precisava antes
de se entregar à morte. Apenas ele.
E naquele momento difuso em que a jovem lhe esboçou um
breve sorriso ao apertar por um instante a sua mão, o cinzento da sua vida
foi tingido de cor. Algo o aqueceu. Algo o confortou. O desespero transmitido
pelo corpo da jovem, fê-lo sentir que a sua vida valia a pena.