O nosso esconderijo ficava num
prédio antigo com sabor a abandono por causa do silêncio. Embora o silencio
raramente seja absoluto, ouviam-se só aqueles sons característicos dos
esconderijos, o tiquetaque do relógio,
o ranger do soalho, na cumplicidade que existe em todos os ninhos de amor, vozes
distantes de vizinhos sem nome ou rosto. Também, se estivesse vento sul,
conseguia-se ouvir o badalar de um sino, e se estivesse vento contrário, não
se ouvia mesmo mais nada.
Já foi á algum tempo, que
subi aquelas escadas pela primeira vez. Lembro-me que o meu coração batia tão
acelerado, que tive medo que os vizinhos acordassem.
Mas não importam as vezes que tenha feito ranger aquela madeira velha,
ao subir, o meu coração batia sempre com a mesma ansiedade, porque adivinhava
uma noite nos braços do meu amante, e isso era qualquer coisa de
inexplicavelmente bom. Enquanto
contava os degraus que faltavam para as águas furtadas, roubavam-se uns beijos
que eram prolongados lá em cima, e
depois, bem depois já se sabe…
O calor dos nossos corpos
trespassava as paredes velhas daquele lugar desarrumado, deixando mais alguns
nomes gravados na sua memória, e na nossa
pele, o nome um do outro, quando juntos no colchão do quarto de trás, o calor
do nosso amor se transformava em juras e ais.
A janela sem cortinado
mostrava uma escuridão completa, onde nós pintávamos as estrelas e o fogo de
artifício que fazem parte destes momentos, e, quando o vento era norte, nós
mesmos nos encarregávamos que houvessem sinos, quando fazíamos amor.
Ah! Se aquelas paredes
falassem, contariam como se faziam tombar os poucos livros desalinhados na
estante, como tremia a tábua de
engomar muito velha, e como foi lá que me apercebi como gostava de ver o rosto
dele enquanto o prazer tomava conta dos nossos gestos e ele ritmava com o corpo
o amor.
Aquele lugar passou a ser o
esconderijo da minha alma, e há um pouco de mim espalhada pelos recantos
em tons sépia daquele lugar mágico onde eu cada vez mais sentia a
necessidade de ir, talvez procurando os restos do amor que por ali ficavam,
impregnados no cobertor cinzento, com três listas,
numa cama que nunca desfizemos.