De repente a brisa ficou mais forte, colando o meu vestido contra o meu corpo.
Continuo a caminhar pela vida, embora as lembranças me empurrem para trás. Este caminho é me familiar.
Lembro-me bem de sentir esta brisa antes, ainda que pertencesse a outro dia qualquer. Lembro-me também que não estava fresco, como neste dia, agora, porque noutros dias tinha as mãos dele, a pele dele, a boca dele... Mas hoje agasalho-me com uma camisola. É de caxemira mas não tem a beleza doutro corpo nem foi ele quem deu.
A minha pele arrepiada a lutar contra as recordações e o medo dos passos, do chão fugir-me... e os lugares, que ficam ali á espera que a gente passe e olhe, curiosos.
As árvores debaixo das quais amei não partem, vivem ali no caminho para a minha casa. Passo por elas e elas reflectem-me imagens daquela que eu era... Têm saudades dos gemidos de prazer que os amantes davam ali, que agora é como um lugar amaldiçoado, já ninguém lá vai. E olham para mim de revés, quando passo como se me recriminassem de eu não ter a quem amar naquele lugar, de tê-las abandonado. Como se esse abandono tivesse sido voluntário, como se não me doesse também a saudade de estar deitada, com ele, a olha-las enquanto tentavam em vão agarrar-se umas ás outras.
Como se este frio não estivesse a entranhar-me nos ossos.
Ah!, Não tenho ilusões, não há camisola que me valha, que a brisa ficou vento e colou o meu vestido á minha alma; nem voltarei a ser essa que fui antes de estrear este vestido (estreei-o no dia em que soube que era a última vez. Quando amei ali a última vez). Tem sons associados, banda sonora, o marulhar daquelas folhas que seriam verdes se fosse de dia, mas como era sempre noitinha, eram pardas.
E hoje ainda que dispa este vestido, a brisa gravou os traços dele no meu corpo.
Quando me olho no espelho, é sempre com ele que estou vestida, mesmo nos dias em que o meu batom não combina com aqueles floreados. Também eu já não combino com essa que eu era antes deste vestido.