If you were an angel

 

“If you were an angel,

I would cut off your wings…

To keep you with me

I would do anything”

 

(Rialto - in “Untouchable”)

 

É sempre assim. Não vale a pena estar com falsas expectativas. Quanto mais me esforço para caminhar na direcção certa, acabo sempre por me perder. Se não no amor nos ódios… Se não nos sonhos, nas realidades… Nos caminhos, sempre. Olha que nestas coisas as bússolas não funcionam! Diz-me ele, a falar das outras coisas, não dos caminhos. Estou perdida num caminho e nem tenho bússola nem mapa. Ele desenhou-me um, mas esqueci-me dele.  Sei que ele tem sempre razão, ainda assim, invento uma desculpa qualquer para o contrariar. 

As árvores alinhadas de ambos os lados do caminho, tombam umas para as outras. Tapam o Sol. Formam com aquela folhagem uma escuridão natural dos bosques, um túnel arrepiante. Eu tenho medo das árvores. Estou a ver-me agora, como se fosse nesse dia e consigo ter ainda o mesmo medo. A pele arrepiada. Imagino que se estiver a trovejar por cima das árvores, é bem possível que eu esteja frita. Encosto á berma e consulto o mapa que tenho, não o que ele desenhou, mais uma vez. Ah! A estrada de terra batida. Ali. Sobe-me um calor ao rosto, como sempre quando sinto a proximidade da sua pele, da voz, do olhar.

Teimosamente ele nunca tira as asas do rosto. O riso dele é silencioso e isso deixa-me nervosa. Não saber quando ele se ri põe-me completamente fora de mim. Estes fatos são esquisitos. Talvez se  eu me tivesse vestido de qualquer outra coisa. As bruxas e os anjos não combinam. Uma maçã afrodisíaca talvez resultasse, mas eu sou nova nestas andanças, não trago nada dessas coisas que as bruxas tem sempre nos contos de faz de conta. Até a varinha mágica é a fingir. Se fosse hoje talvez tivesse feito qualquer outra coisa, mas neste dia não sei como agir no meio destas pessoas a fingirem de qualquer coisa que não são. Julgo que é Carnaval. Talvez não seja. Dia das Bruxas? Alguém manda brilhantes que se colam aos corpos das pessoas. Está toda a gente a brilhar. Aquela bola de espelho gira e perco-me a olhar para ela.

Perco-me nos espelhos e nas luzes. Estou a olhar para Ele e Ele para mim, por detrás das asas. Não me apercebi da sua proximidade. Está muito perto, na minha boca. Desviou as asas o suficiente. Tem asas sob o rosto, nas costas e sob os pés. Não sou capaz de me lembrar se ele é um Querubim ou um Serafim. Pergunto-lhe. Não sei, Diz. Diz também, Sou o que quiseres. E ri um riso mudo. Sei que ele se está a rir porque o conheço neste  instante. A partir deste riso conheço todos os caminhos dentro dele.  As luzes, os espelhos, o fumo dos cigarros daquelas pessoas todas juntas… A voz dele é vagarosa, como quando se bebe demais. As palavras dele arrastam-se no meio da música. Samba? Esta música vai depressa demais para as palavras dele. Sei que nenhum de nós gosta dela. Apesar da boca dele, e da minha, dos beijos ou lá o que eram, ainda assim, não consigo ver o rosto dele. Não sei o que ele está a fazer de anjo, nem eu de bruxa. Talvez não sejamos nós. Não me lembro de alguma vez ter vestido esta roupa. Talvez seja só a música, as luzes, o fumo… Se ele fosse um anjo iria embora, teria mais que fazer. Talvez vá.