Amigos

 

Zé fumava impaciente no átrio, tinham combinado encontrarem-se todos cá fora, ele foi o primeiro a chegar. Afinal estas situações são sempre dolorosas e todos juntos seria mais fácil de enfrentar. Os anos tinham sido severos com ele: a barba estava cuidada mas tingida por um cinzento morto, o seu corpo secou e a cara ficou toldada de rugas, a cabeça estava, à muito, lisa.

 

O Colarejo foi o segundo a chegar. A sua vida, de boémia e trabalho, numa cidade calma de interior mantinha-o muito bem conservado, tinha engordado bastante e a sua face estava colorida com uns belos tons de rosa. O BMW cabriolet expressava bem o seu sucesso profissional.

 

Por fim chegou o Cadete, tinha ido buscar o Bayam ao aeroporto. Tinha tido azar na vida, encontrou o seu grande amor e viveu um ano no paraíso, depois habituou-se a uma rotina familiar, que castrava os seus ideais, mas que não conseguia fugir. A sua personalidade decidida tinha azedado e a sua amargura afectava as suas expressões.

 

O Bayam era o que tinha mudado menos. À longos anos que vivia na Suécia, os ares nórdicos e o seu ideal desportivo tinham o mantido em muito boa forma, nem sequer o couro cabeludo brilhante destoava de uma figura atlética.

 

No aeroporto encontraram o Índio, os seus imensos projectos tinham-no projectado internacionalmente. A sua aparência denotava um cuidado extremo na imagem, afinal era para isso que era pago: vender imagens. Quando lhe deram a notícia não quis deixar de participar na triste homenagem.

 

"Vamos entrar?" - perguntou o Zé, atirando a beata num gesto de incompreensão e impotência perante  uma situação final.

"Vamos" - responderam todos com a mesma amargura.

 

Entraram incrédulos na casa mortuária, alguém tinha que ser o primeiro.

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