Assalto

 

A noite estava tão escura que se adivinhava tragédia.  Entrei sorrateiramente  por uma janela do piso térreo de uma casa vulgar, que sabia estar recheada de objectos valiosos e pouco pesados ou volumosos.

Já dentro de casa, o silêncio era interrompido por gritos, abafados, de prazer. Não era difícil perceber que se tratavam dos sons provocados pela exteriorização carnal, do profundo amor que ligava as pessoas que se encontravam no andar de cima. Por momentos fiquei atento, à escuta. Aquele murmurar foi-me envolvendo de tal forma que, contrariando todas as cautelas que qualquer manual baratucho do criminoso aconselharia para uma situação daquelas, não resisti ao impulso de subir as escadas para espreitar, ou pelo menos de me aproximar e sentir de mais perto o calor que vinha de lá de cima a embalar o som que me puxava.

A porta do quarto estava entreaberta, o que me possibilitou espreitar para o espelho de um armário que reflectia o que se passava em cima da cama.

Três corpos nus acariciavam-se movimentando-se espasmodicamente. De súbito percebi que se tratava de três homens. Ao mesmo tempo em que fui atingido meteoricamente pela repugnante realidade, não consegui evitar a emissão de um som de asco e admiração.

Como é evidente, uma náusea insuportável alojou-se-me no intimo, não só pelo que se passava dentro daquela câmara de estranho prazer, mas principalmente por tomar consciência de que tinha sido toda aquela vil distorção do que é natural que me tinha seduzido como se fosse o chamamento de uma sereia.

Ainda mal tinha dado um par de pestanejadas, quando reparei que um dos corpos que, anteriormente se deleitava em cima da cama, se impulsionava feroz na minha direcção. Assustado, só tive tempo de agarrar num objecto pontiagudo que se encontrava num móvel mesmo a meu lado, e com um gesto rápido e preciso rachar a crânio ao potencial agressor, que sem estrebuchar caiu fulminado no chão a espirar sangue em todas as direcções.

Quando olhei para a cama, onde se encontravam ainda deitados os outros dois homens, reparei que para meu, interminável espanto, ambos permaneciam serenamente espectantes.

Debrucei-me, então, sobre o corpo ensanguentado. Estava mesmo morto.

Era a primeira vez que tirava a vida a alguém. Explodi num choro convulsivo.

Senti uma mão no ombro, e outra que me era carinhosamente estendida para que me levantasse. Fui cuidadosamente carregado até à cama, onde fui pousado.

- É a primeira vez que mata um ser humano?

Estupefacto, olhei na direcção em que me tinha sido soprada a pergunta e disse, sem saber muito bem porquê:

- Sim.

- Deixe lá, ele já devia, mesmo, estar morto. Não fora ele ser o fenómeno sexual que era, e já estaria morto há uns dias, quando entrou cá em casa para nos assaltar...

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