Estava uma tarde agradável. O Sol punha-se por detrás daquela montanha de cimento e vidro, que se erguia à minha frente. A fachada espelhada do prédio, reflectia com grande nitidez a explanada onde me encontrava sentado. Acabei a minha bebida e voltei-me para o empregado, ao qual acenei com o copo vazio. Devolvi então a atenção ao meu livro. Abri-o
na página em que o tinha deixado, li as primeiras linhas e fechei os olhos para me situar. No momento em que a minha mente fazia aquela prodigiosa viagem entre realidades, fui interrompido. Era o empregado que voltava com o meu vodka com laranja.
- Ora aqui tem!
- Obrigado. - disse sem conseguir esconder uma certa irritação.
Bebi um trago, na esperança de me recompôr, e voltei a focar a minha atenção no livro. Mas agora estava inquieto. Tinha sido interrompido e já não me apetecia continuar a ler. Não sei porquê. Nem sei explicar porque fiquei tão irritado.
Equanto os meus pensamentos ainda estavam presos a esta sensação, a minha atenção estava já focada na sua imagem reflectida pelo prédio, que por esta altura já ocultava totalmente o Sol.
Vi-a passar por trás de mim. Era bonita, mesmo muito bonita. Vestia uma saia até aos pés. Estes, assentavam graciosamente numas sandálias brancas com um salto, nem muito alto, nem muito baixo, o suficiente para realçar a curva do peito do pé e o tornozelo, que se mostravam a cada passo, por entre a racha da saia. O cabelo castanho claro, emoldurava uma cara redonda, onde, sorriam uns lindos olhos côr de mel.
Foi-se sentar mesmo à minha frente. Cruzou a perna, pousou a pequena mala que trazia ao ombro, e deixou-se escorregar um bocadinho mais para baixo na cadeira. Ficou confortável. Pelo menos assim parecia.
A troca de olhares foi inevitável. Eu não conseguia desviar os olhos dela. À treceira vez que os nossos olhos se cruzaram, ela fixou-me nos olhos e ofereceu-me um sorriso sincero. Um arrepio trespassou-me a espinha. Consegui no entanto devolver-lhe o sorriso. Voltei de novo para o meu livro. Ia intrecalando as suas páginas com leves golos no vodka e olhadelas de suslaio para a Alice. Tinha ar de Alice. E para mim foi assim que ficou a chamar-se. Entretanto o livro começou a envolver-me de tal forma que me abstraí de tudo. Estava na
parte em que o mago estava a explicar à Brida que se podiam destinguir as almas gémeas por um ponto luminoso sobre o ombro esquerdo. Fui de novo interrompido pelo empregado que pousava mais um vodka na minha mesa. Olhei em frente, mas a Alice já lá não estava. Qunado olhei para a mesa onde se encontrava o novo vodka, reparei num
papelinho branco onde estava escrito:
- Hoje ás 22.00H!
Por mim estava combinado. Acabei o vodka, chamei o empregado, paguei e fui para casa.
Eram 21.45H quando me voltei a sentar na mesma mesa em que tinha estado á tarde. Pouco depois alguém me disse.
- Então boa noite. O que é que vai ser?
- Boa noite, como está? Olhe, traga-me um café e uma água das pedras, por favor.
O empregado voltou lá dentro para ir buscar o que lhe tinha pedido.
Aproveitei para dar uma vista de olhos pelas redondezas. Nada, ela ainda não tinha chegado.
Já com o café na mesa e a água servida, olhei para o relógio. Dez em ponto.
- Posso? - Disse-me ela sentando-se na cadeira ao meu lado.
- Olá! Boa noite
- Olá - Respondeu inclinando-se na cadeira para me cumprimentar.
Senti os seus lábios sedosos nos meus. Paralisei. Um espasmo que me percorreu o corpo todo, fez-me retribuir. Beijei-a.
Momentos depois, já com o folego recuperado, acabei o café e dei um golo na água e disse.
- Também sentes...? Também viste o...
- Sim! - Interrompeu-me, levantando-se. - Tinha de ter a certaza.
Com um olhar de esperança, entrou num carro que tinha acabado de chegar.