A sua vida estava a tornar-se demasiado previsivel e tomar consciência disso não foi, de todo, agradável.
Enquanto lançava intermináveis exclamações de espanto perante um pequeno espectáculo de rua com o qual se cruzara, começou a reparar que a sua natureza calma e imperturbável dera lugar a uma outra preocupada e soturna. O espectáculo, uma sátira bem concebida da vida citadina, fizera-o olhar para si próprio com olhos aos quais não estava habituado e com um sarcasmo que não sabia possuir.
O seu trabalho corria de forma estável. Financeiramente estava numa situação razoável, nem bem, nem mal. Em casa a rotina estava instalada sem sobressaltos já há muito tempo. Íam ao cinema uma vez por mês. Jantavam fora todos os sábados. Ao domingo faziam as compras, compravam um doce à saída e um brinquedo para o filhote.
Se até agora nunca tinha pensado nisto como algo negativo ou desagradável, a verdade é que esta nova forma de olhar a sua vida lhe perturbava o agora conturbado espirito. Não parava de se interrogar acerca do porquê de tudo isto.
Decidiu, abruptamente, não ir jantar a casa e procurar algo que o fizesse sentir-se um Homem novo. Não avisou nada em casa e vageeou, sem rumo nem sentido, pela sua pequena mas quente cidade. Descobriu locais, sensações, emoções e prazeres nunca antes vistos ou sentidos. Visitou lembranças há muito esquecidas e recordou o primeiro beijo apaixonado. De manhã, deixou para trás toda a segurança e conforto de uma vida calma e partiu, rumo a algum lugar deconhecido, à procura de um sentido que há tanto perdera e que queria recuperar.
Quando saiu do seu tão querido país, teve a plena consciência que nunca mais voltaria. Já tinham passado cinco anos que saira de casa. Cinco longos Invernos. Cinco tórridos verões.
Em cada novo poiso a necessidade de um corpo para aquecer tornava-o num estranho ‘Don Juan’. As suas fugazes companheiras, raramente davam pela sua saída em alguma manhã mais sombria ou após uma tarde de descanso. Dos palheiros em que tantas vezes pernoitou guardava momentos impares. Das aldeias por onde passou, após ter dormido em tantas camas, com tantas mulheres às quais perdeu a conta, guardava lembranças e ensinamentos para toda a vida.
Ao fim de alguns anos começou a sentir a fadiga. Os invernos estavam mais frios e a solidão começava a torná-lo mais introspectivo. A roupa velha e o corpo cansado eram agora mais pesados.
Cada dia que passava as recordações de alguns momentos tornavam-se mais persistentes e havia uma, em especial que o marcara: num dia frio de inverno, ao deixar mais uma de entre as muitas camas por onde passara, uma folha amarrotada jazia no fundo do bolso das calças. Cantava um pedaço de um poema que desconhecia:
“Para que mais tarde possa me dizer,
não que seja eterno, posto que é chama,
mas que seja infinito enquanto dure.”