Jeremias
estava sentado na sua poltrona absorvido por imagens de um longo passado, o
desafio que tinha pela frente era muito grande. No entanto a perspectiva de um
último trabalho antes de um merecido, e talvez definitivo, descanso dava-lhe
um alento e uma vontade muito forte.
A
sua carreira teve início ainda na época do livros, nos idos anos de 1850
quando o cinema ainda nem sequer estava na cabeça dos grandes criadores.
Com
a criação do cinema toda a gente teve medo, mas Jeremias não. Achou que era
a altura de dar o grande salto, arriscou tudo num guião que ele próprio
escreveu. Era um livro magnifico, tinha de tudo: Aventura, Romance, Mistério
e um glamour só encontrado em
obras do início do século. Claro que uma história com tal densidade nunca
poderia funcionar no cinema mudo, a crítica foi implacável, só não o
destruiu completamente porque Jeremias era uma personagem com um passado de
respeito. Foi nessa altura que, pela primeira vez, atravessou um deserto
criativo , era uma personagem secundária de guiões de qualidade duvidosa, os
poucos que chegavam à cena
tinham a interpreta-lo actores sem nome e com carreiras obscuras. Nessa altura
os livros já não o atraiam, tantas páginas impressas e tão poucas pessoas
a ler, chegou a estar em páginas que nunca foram abertas.
Foi
no guião de “Do Céu caiu uma Estrela” que surgiu a sua reabilitação,
ela era a personagem de anjo trapalhão que salvou da morte um James Stewart
desiludido. Foi um trabalho magnifico e teve a sorte de ter sido representado
por um actor de grande talento. Depois disso voltou a ser respeitado e
admirado por todo o mundo, no entanto nunca era a personagem principal, era
tipicamente a personagem de apoio, ou o vilão, mas nunca o grande herói. Na
época negra da “Caça às Bruxas” foi perseguido e proibido de trabalhar
na América, apenas porque se preocupava com as pessoas. Passou uma temporada
em que só participava em guiões Europeus, o trabalho era bom mas faltava-lhe
as “Luzes da Ribalta”.
Em
1970 voltou à América começou a tentar recuperar o prestigio perdido, era
muito difícil, os tempos tinham mudado. Passou então para a televisão teve
um papel de relevo numa série de culto, Jeremias era a Personagem
interpretada pelo, não menos respeitado e secundário, actor Martin Landau na
série Espaço 1999. Teve outros papéis no cinema mas nada de relevo. No início
dos anos 80 trabalhou de novo na Europa, foi Chanquete na série juvenil “O
Verão Azul”. Nunca mais se esquecerá da tristeza provocada em milhões de
crianças pela sua morte na série, e tudo por causa de um desentendimento com
o guionista. No início de 1990 teve de novo um momento de glória fez o papel
de outro personagem, por sinal grande amigo, foi ele o Bela Lugosi de “Ed
Hood”. Mais uma vez foi Martin Landau que o representou, era já o seu actor
fétiche. Claro que Jeremias
preferia que tivesse sido um Robert de Niro, um Marlon Brando, mas a
Personagem que era não servia para esses actores.
Entrou
no carro com o seu agente, ia conhecer o novo argumentista, já tinha ouvido
falar nele, mas nunca o conhecera. Quando foi levado à presença Dele viu
logo onde estava, a Sua figura era majestosa, uma barba longa e uma luz
iluminava tudo à sua volta. Era o “Grande Guionista”. Ele lançou-lhe
um último desafio: ser pela última vez Personagem, mas desta vez seria a
Personagem principal e era Jeremias que escrevia o guião. Jeremias deitou mãos
ao trabalho e nome noite escreveu o guião, ele passou a ser o Personagem
principal, Jeremias tornou-se o “Grande Guionista”.