Há muitos anos que não havia um verão tão quente, Lisboa parecia que derretia e se fundia no desfiladeiro onde em tempos o Tejo se impunha majestoso. Steve, vagueava pela cidade no seu passo calmo e despreocupado. Sentia-se feliz! Steve foi da primeira leva dos "novos colonos", chegou dez anos após a catástrofe, por isso e pela sua personalidade forte era um dos elementos mais respeitados no colonato. Mas como todos os homens com poder, passava a maior parte do tempo entregue aos seu negócios. O pouco tempo livre que lhe restava era para uns copos com meia dúzia de amigos mais chegados. Não era uma pessoa com um feitio fácil mas tinha razões para tal, a sua vinda para um mundo novo e desconhecido devia-se ao mais brutal acontecimento que pode suceder a um ser humano: um tenebroso acidente tirou a vida a seu filho e enlouqueceu a sua amada mulher. Ele próprio teve perto da loucura, e como ele o desejou! Sentiu-se sozinho e estranho no mundo que antes era seu, não conseguia aguentar mais tempo tanto sofrimento. Num só dia deixou tudo o que restava (que era menos do que nada) para trás, foi procurar uma nova vida num sitio que como ele estivesse a começar de novo.
Lisboa!
Depois de sucessivos avisos por parte dos cientistas e da própria Natureza o
pior aconteceu. Ninguém tinha ligado nenhuma, a Cidade parecia que atordoava
e prendia a si os seus habitantes, foram poucos os que fugiram a tempo. Um
estrondoso tremor de terra reduziu a pó quase toda a Cidade, o Tejo foi como
que sugado por um agitado Oceano. Nos anos seguintes a Cidade ficou
inabitável,
todo o tipo de peste se instalou no que outrora era o mais lindo canto do
Velho Continente. Depois vieram os colonos, gente que não tinha nada a não
ser a vontade de recomeçar a viver, reconstruíram a Cidade, fazendo-a voltar
a brilhar.
Desde
então nunca mais se tinha aproximado de uma mulher, bem pelo menos
sentimentalmente. Para se satisfazer usava as mulheres da rua, usava-as de uma
forma brutal como que para vingar o acto de criação. Acto de criação! Um
acto que tem como epílogo o nada. A destruição! Não só do próprio ser,
que tinha sido criado, mas também de outros à volta. A morte actua sobre nós
como se fossemos peças de dominó, quanto maior for a proximidade para quem
desaparece mais depressa e com maior dor será a nossa queda. Mas hoje Steve
estava diferente, o seu espirito estava mais aberto, estava a sentir alguma
coisa por uma amiga. Algo que já não se recordava.
Maria
tinha sobrevivido, uma acaso do destino fez com não estivesse na sua Cidade.
Com o rio foi toda a sua família. Para ela a reconstrução foi ainda mais
penosa, muitas vezes quis desistir, mas a memória dos que morreram com a
cidade não a deixou. Desde que conheceu Steve que sabia que ele era especial,
por respeito aos seus sentimentos nunca lhe tinha dito abertamente o que
sentia por ele.
Nessa
noite foram jantar ao reconstruído Bairro Alto, nunca tinham estado tão
perto. Beberam vinho das antigas castas das margens do Sado. No fim do jantar,
foram contemplar o desfiladeiro em Santa Catarina. Sem trocarem palavras começaram
a trocar carícias, e entregaram-se livremente ao amor. Há muito que não
sentiam algo assim parecia que nada existia a não ser eles e a Cidade como
leito.
Tempos
depois nasceu uma linda menina, o seu nome é Lisboa. Talvez o epilogo de um
acto de criação não importe, o que interessa é os capítulos do meio.