Um
dia cinzento e sem Sol estava à minha espera lá fora. Levantei-me à pressa
e tomei um duche rápido. Fiz as partes da barba que os olhos, ainda inchados
de sono, me deixavam ver e vesti-me ao mesmo tempo que comia uma maçã e um
cacho de uvas. Peguei na chave, na carteira e no telemóvel, e saí para as
escadas que desci duas a duas até à rua.
Na
paragem do autocarro, havia uma fila de gente encabeçada por uma velhota que,
ainda mal tinha acordado, e já estava a mandar vir por causa desta juventude
que não tem respeito nenhum por ninguém. E tudo porque o jovem que estava
mesmo ao seu lado, lhe tinha dito que a fila acabava do outro lado...
Já
dentro do autocarro, o ambiente é praticamente indescritível. No meio de
tanta gente, a vista alcança pouco mais do que as formosas pernas da rapariga
que vai sentada à minha frente. Agarrado ao varão e mesmo por cima de mim,
viaja um senhor, que para além de usar uma gravata fora de moda que lhe
estrangulava o colarinho amarelado, exalava um odor muito próximo do que se
sente no jardim zoológico, perto da jaula dos gorilas. Ao meu lado ia uma
senhora dos seus quarenta anos, que lia com um ar inteligente uma daquelas
revistas do Jet 7, cuja capa, tive a oportunidade de reparar, era o António
Sala de braço dado com o Herman José.
No
meio do burburinho típico de um transporte público em hora de ponta, ainda
tive a rara chance de ouvir, vinda lá da frente uma
discussão
entre uma senhora, imperceptivelmente grávida de uns três meses e um homem,
que a dada altura exclamou:
-
De bebé!? A senhora!? Grávido 'tou eu! Não vê? Olhe para esta
barriguinha!
E
ficou a pensar - as coisas que esta gente inventa para arranjar um lugarzinho.
Quando
cheguei à paragem em devia sair, levantei-me e perfurei aquela massa de
corpos, cheiros e sons até à porta, e saltei para fora com uma sensação de
liberdade e leveza, que só me apetecia jurar que nunca mais andava de
autocarro.
No
escritório discutia-se "bola" para variar. O Zé e o Carlos que
eram do benfica, achincalhavam o Jorge, por causa da última derrota do
Sporting em casa, frente ao Feirense para a Taça de Portugal.
A
Paula com o seu ar enjoado do costume, aproveitou a minha chegada para tentar
mudar de assunto, mas ouviu um cordial
-
Não te metas em conversas de homens!
Frase
esta que serviu para mudar o alvo da chacota. E até se ouviram frases do
género:
-
Eu sei que ele é do Sporting, mas não é gaja.
Até ao fim do dia, os temas já não variaram muito. Mais piropo machista, menos boca futebolística, e ás 17:30H estava fora dali
perparadinho
para voltar a uma fila e esperar um autocarro que me levase a casa.