- Este e um bom sitio, nao achas?
Barbara acena afirmativamente com a cabeca:
- Acho que sim, e um optimo sitio para assistir ao fim do mundo...
Tinhamos resolvido tornar especial essa noite. Tinhamos jantado com
uns amigos e decidimos aproveitar o ceu limpo e estrelado no alto do
monte que dominava a nossa cidade. La em baixo as luzes da cidade
forneciam um espectaculo relaxante. Tinha sido ali que trocaramos
nosso primeiro beijo e tinhamos feito amor pela primeira vez, na velha
carrinha do meu pai.
Aproximei o carro da velha falesia com vista para a cidade, travei e
desliguei-o. Barbara observa a vista, pensativa:
- Engracado, la em baixo nao se ve nem mais nem menos movimento que o
habitual, parece que ninguem tem pressa de aproveitar os seus ultimos
momentos...
As ultimas palavras foram com uma voz algo tremula, nada habitual em
Barbara. A sua expressao disfarcava aquilo que toda a gente tentava
esconder: o seu medo de acreditar.
- Tem calma, nao vale a pena pensar nisso. Vamos fazer uma coisa:
vamos esconder os relogios para nao ver o aproximar da meia-noite. Nao
quero sentir o fim a chegar.
- Tens razao. Mas... rebate o teu banco, que eu quero encostar-me a
ti.
Da primeira vez tinha sido assim. Barbara encostara-se no meu ombro, e
assim tinha comecado a nossa vida em comum. O juramento tinha sido
"ate que a morte nos separasse", o que nao pensara era que ela
chegasse ao mesmo tempo para os dois. E para o resto do mundo.
Os jornais nao falavam de outra coisa. Apareceram profetas de todo o
lado a anunciar Julgamento Final. As igrejas cristas apregoavam de
biblia na mao o Apocalipse. A onda de histeria tornou-se tao forte
que, sem querer, toda a gente comecou a acreditar.
- Lembras-te, da nossa primeira noite juntos? Tudo comecou aqui, a ver
como os pontinhos luminosos das luzes la em baixo se confundem com as
estrelas, junto ao horizonte.
Agora fui eu que tremi a voz no fim da frase.
- Querido, beija-me. So quero ver-te a ti neste momento, nao quero ver
mais nada a minha volta. Faz amor comigo, como dessa vez...
De repente senti porque e que a amava. A melhor maneira de enfrentar o
fim era abstrairmo-nos de tudo e sentirmo-nos apenas um ao outro.
O medo deu lugar a um conjunto de emocoes que nos fazem esquecer de
tudo o resto. Era engracado como apos este anos juntos, de cada vez
que nos tocavamos era como se fosse a primeira vez.
Quando voltamos a realidade, o ceu comecou a clarear. Seria agora?
Afinal estes ultimos minutos demoravam a chegar. Um traco de luz
alaranjada comecou a surgir no horizonte, e aumentar de tamanho, como
uma especie de devastacao que se comecava a aproximar...
Mas nao! Este espectaculo era conhecido...
Era o Sol... O Sol nasceu outra vez!
Rapidamente liguei a chave do carro. O relogio do painel de
instrumentos marcava: 6:44 01-01-00
Barbara abracou-me com forca. Nao era o fim do mundo. Era o inicio de
outro mundo, um mundo que reagia a um abanao que a Humanidade nunca
houvera sentido antes.
Por cada estrela que foi desaparecendo do ceu, pelo menos uma crianca
no mundo inteiro nascia. Era por estas que este mundo se renovava!