A minha progressão na carreira fazia-se com fluidez. Tinha um cargo importante numa instituição bancária. Mantinha uma relação com uma mulher, que não amava, mas à qual estava, desanimadoramente, habituado. Tinha uma casa paga, onde habitava, o carro que sempre sonhei e uma mota. Tinha amigos, com quem passava cada vez menos tempo, mas que continuavam a procurar-me para se aconselharem.
Por todas estas razões, era tido como um homem bem sucedido.
No entanto, um vazio angustiante que desabrochava dentro de mim, focava cada vez mais a minha atenção em mim próprio. Havia uma estranha força, que me conduzia à introspecção.
A princípio, pensei que fosse cansaço ou stress, mas à medida que o tempo passava, o apelo interior aumentava de intensidade.
Estava a sufocar. A minha natureza era mais forte. Tirei férias e fui para a minha terra natal, uma pequena aldeia do interior, decidido a encontrar o meu equilíbrio pessoal.
Ao fim de alguns dias de leitura e meditação, percebi que no dia em decidi ir viver permanentemente para a cidade, nesse mesmo dia em que me fui despedir do bosque que me viu crescer, me separei, quase irremediavelmente da minha alma. Tinha que a encontrar. Tinha que me reencontrar.
A noite estava densa e pastosa. Nem uma brisa corria. O luar, esgueirava-se timidamente através do frondoso teto do bosque, para calma e docemente ser absorvido pela terra húmida que o esperava ansiosa, noite após noite, como se assim a Terra e a Lua partilhassem duma cumplicidade, só por elas conhecida.
Sabia que a minha estadia no bosque podia vir a tornar-se longa, no entanto, estava decidido a lá permanecer até ter consciência de que nada mais tinha para aprender com ele.
Vagueei sem destino através das árvores, usufruindo avidamente de toda a calma que a noite traz ao bosque. Sem dar por isso, fui ter ao velho Plátano. Este erguia-se majestoso à minha frente. O tronco largo e envelhecido era suportado por uma teia de raízes.
Sentei-me encostado ao tronco e com os braços pousados em duas fortes raízes. Fechei os olhos. A pouco e pouco fui perdendo a noção do tempo. A minha respiração era cada vez mais profunda e compassada. A audição foi-se aguçando. Senti-me completamente desperto.
Eu era a única brisa que corria no bosque. Sem dificuldade, acariciei as folhas verdes, que estavam vinte metros acima do meu imóvel corpo.
Subi um pouca mais.
Visto de cima, o bosque era uma mancha verde salpicada aqui e ali por algumas clareiras. A nascente situava-se numa destas clareiras, sobre a qual, pairava uma luminosidade transcendente, que a destinguia das demais.
Deslizei, suavemente, até ao pequeno lago gerado pela nascente. A sua superfície imóvel, reflectia o luar. Placidamente, o luar foi dando lugar a imagens, a princípio, pouco nítidas. Comecei, então, a ver recordações espelhadas no lago, nadando de um lado para o outro para se juntarem aos cardumes. Numa desta recordações, via-me há dez anos atrás a caminhar resolutamente em direcção à estação de comboios.
Tentei falar com o meu jovem eu. Tentei impedi-lo de se separar da sua natureza. De si próprio. Todos os meus esforços nesse sentido eram inúteis. Ele não me queria ouvir.
Num último esforço, gritei-lhe. Nada.
Exausto, comecei a sentir-me pesado. Ancorado. Acordei
Na minha mente não persistiam dúvidas. Eu era de novo eu. Tinha, finalmente encontrado o sentido das coisas. Decidi, então, tornar-me no que sou hoje.
O Eremita do bosque de Cal.