O Escritor

 

O cigarro rolava-lhe nervosamente entre os dedos. As olheiras cerradas apenas intensificavam o ar soturno de uma vida que ele próprio tornara numa permanente guerra. A pele rugosa do rosto cansado não escondia o que lhe passava na alma.

Sentado em frente à secretária, não conseguia deixar de pensar nos milhões de problemas que permanentemente o preocupavam, nas criticas incessantes que lhe lançavam e em tudo o que tinha para resolver. Sem ideias ou ideais que conseguisse expressar convenientemente, nada lhe ocorria que pudesse escrever. O último livro tinha sido um verdadeiro desastre, pois uma certa camada de intelectualoides falhados e criticos de literatura à beira do desemprego, tinham-no acusado de escrever de uma forma demasiado ‘déjà vu’. Houve mesmo alguns que o acusaram, descaradamente, de plagiar.

Cada vez mais isto o atormentava. Mas afinal o que é isso de plagiar alguém, pensava nervosamente, o que é original e o que é ‘déjà vu’? Será plagiar escrever algo que já foi escrito? Será original escrever o que ainda não se leu? Será ‘déjà vu’ transmitir sonhos que o outro já teve?

Não conseguia deixar de pensar nisto e, consequentemente, não conseguia pensar em mais nada. Ainda não tinha escrito uma linha sequer e começava a ficar sem tempo. O contrato que mantinha com a editora de lançar um livro por ano assustava-o tremendamente, pois o tempo passava e as páginas teimavam em continuar imaculadas ou ficavam desesperadamente amarrotadas. As suas preocupações e o stress constante que se agigantava como uma bola de neve, só piorava a sua já deplorável situação. Os poucos momentos de repouso eram-lhe transmitidos pela mulher que sempre o apoiara, noite após noite, mesmo quando só ia descansar ao ver a garrafa de whisky vazia em cima da mesa desarrumada.

Passaram-se mais algumas semanas sem conseguir escrever uma linha sequer, quando um acontecimento terrivel lhe providenciou o tema que o faria escrever o seu maior sucesso literário de sempre.

O telefone tocou e tudo o mais se desvaneceu no fumo do cigarro consumido. Uma grande parte da sua vida terminava sem razão nem sentido numa tragédia desnecessária. Sem forças que lhe mantivessem as pernas quase desfaleceu e deixou que a dor lhe escorresse pelas faces.

No dia seguinte, já um pouco mais refeito, conseguiu ter o discernimento de fazer alguns telefonemas. Combinaram encontrar-se todos à frente da igreja. Afinal, sempre seria mais fácil de enfrentar se estivessem todos juntos.

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