O Julgamento

 

Pedro C. olhava para si próprio ao espelho. A sua imagem distanciava-se cada vez mais daquilo que julgava ser ele próprio. Era como estar prisioneiro de um corpo que não era o seu. Em que medida isso se reflectia na sua imagem mental era uma incógnita interessante.

Existem então dois níveis de imagem diferentes: um nível físico e um nível mental.

A questão em que Pedro C. mergulhava agora era como se disse acima a interacção entre as duas.

A verdade é que Pedro C. não se sentia bem...

O ventre disforme que ostentava, as pregas de gordura que lhe pendiam dos braços, as rugas no rosto, o cabelo ralo (dantes orgulhava-se de ser dos poucos que mantinha um cabelo farto e bonito, embora nem sempre bem tratado),  tudo isto contribuía gravemente para o deteriorar psiquico que era agora evidente para todos os seus amigos.

Afinal poucos restavam...

Ao longo dos poucos anos tinham persistido em tolerar a sua irascibilidade e desrespeito pelas opiniões dos outros.

A máscara que se lhe colara ao rosto e à mente, era inamovível.

Pedro C. estava amargamente consciente disso...

Com um suspiro, prepara-se para se deitar (sozinho, como sempre) e dormir umas horas antes de enfrentar a penosa rotina diária que o esperava na manhã seguinte.

Até isso...

Pedro C. tinha decididamente passado ao lado de si próprio na vida...

Talvez houvesse um somho redentor esta noite.

 

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- Muito te queixas da tua vida! - afirma o Inquisidor.

Pedro C. olha para ele aterrado, sem articular uma palavra, ainda surpreso do local onde tinha ido parar sem saber como:

- Essa máscara de que falas, queres perdê-la?, queres voltar a ser o que foste?

Pedro C. move a cabeça em sinal de  assentimento.

- Então assim será! Mas não te queixes do resultado.

Pedro C. sente a sua cara a saltar de si próprio, como se fosse uma máscara de carnaval.

O que sentiu a seguir só pode ser comparado com o horror personificado. Se pudesse teria soltado o maior grito da sua vida. Mas não podia, porque a sua boca tinha desaparecido. Bem como os seus olhos, o nariz, as orelhas as próprias feições...

A máscara caíra, e afinal não ocultava nada...

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