“Quarenta
anos! Uma vida inteira a formar pirralhos!” - pensa Mestre António, esboçando
um sorriso orgulhoso, enquanto arruma a sua velha secretária, testemunha fiel
de uma vida dedicada ao ensino. Mestre António era um dos últimos
verdadeiros “Mestre Escola”, na sua escola “fazia o futuro”. As crianças
que ele ensinava tornavam-se normalmente pessoas importantes na sociedade, e
ele orgulhava-se da perpetuação dos valores que sempre manteve durante a sua
vida: honestidade, amizade e acima de tudo um grande respeito pelas pessoas.
Tinha
chegado ao fim mais um dia, falta menos de um mês para o sua “Aula
Magna”, depois espera gozar o tempo que lhe resta, apenas o tempo porque uma
vida de ensino não enriquece ninguém. Chega a casa e senta-se a ver as
notícias,
é um hábito que nunca perderá, sempre achou que a informação era a
principal ferramenta de um bom professor.
Notícia
do telejornal:
“O
Governo aprovou hoje o decreto lei 415/99 que vai dar aos professores do
ensino básico em idade de reforma um bónus especial de carreira. Este bónus
vai ser calculado com base na posição, e vencimento, actual dos antigos
alunos com maior sucesso profissional…”
Mestre
António não queria acreditar, será que ao fim de 40 anos de trabalho árduo
o estado iria recompensá-lo? Pegou nas cadernetas dos antigos alunos e começou
a analisa-los um a um: “O menino Bernardo, que bom aluno! Sossegado e tudo.
A menina Leonor, que orgulho que é ter formado uma ministra! É mesmo ela que
vou apresentar à comissão. Devo vir a receber um bom bónus talvez agora
possa reformar a velha Dyane e comprar o Spider…o menino Albano, nunca tive
um aluno como ele, um autêntico génio, foi uma pena o que lhe aconteceu,
tudo por causa de uma guerra estúpida que estava perdida logo no início,
depois de ter voltado da Guiné nunca mais soube nada dele. Era tão bom
menino…”
O
processo de avaliação foi entregue no ministério logo no dia seguinte,
Mestre António foi para casa certo de uma boa avaliação, afinal uma
ministra era algo de peso, e ainda por cima juntou no processo muitos alunos
de sucesso e que tinham mantido a máxima que ele usava: “Nunca deixes de
respeitar o próximo, senão perdem o respeito por ti.” Desta vez sentou-se
a ver as notícias e a sonhar com o chorudo bónus.
Notícia
do telejornal:
“Escândalo
no governo, a ministra Leonor é a principal suspeita de um caso de corrupção
e alta-traição, se as suspeitas forem provadas pode incorrer na pena
capital. A investigação está a cargo do inspector-geral Cardoso…”
Mestre
António caiu de joelhos, a sua mente não acreditava no que os seus ouvidos
lhe diziam. “ A minha menina Leonor, não pode ser! De certeza que tinha
sido uma armadilha, uma menina assim…e o bónus? Como vais ser agora?”.
Mestre António não dormiu, tinha que resolver esta situação, sabia
que uma suspeita destas é no mínimo a morte de um político, tinha que fazer
alguma coisa. “morte?…se calhar é esta a única solução. Assim talvez
venha a ter o bónus!”
No
dia seguinte o velho Mestre não viu as notícias. Sobre o pretexto de uma
visita de apoio moral, foi visitar a sua antiga pupila. Com um calculismo frio
levou uma garrafa de vinho previamente “temperada” com veneno. A meio do
jantar a ministra caiu sobre o prato, estava feito, talvez agora tivesse hipóteses
de ganhar o bónus.
Tinha
passado dois meses após a morte da ministra, o velho Mestre ouvia as notícias
enquanto contempla da janela o seu novo Spider. “A campainha? A esta hora?
Quem será?”
-
Boa Noite. É o sr. António Marques Silva Pereira?
-
Sim. Sou eu. O que desejam?
-
Inspector Cardoso da PJ, tenho um mandado para a sua captura.
-
Minha? De que me acusam?
-
Do assassino premeditado da ministra Leonor.
Mestre
António não conseguiu esconder a culpa, caiu no chão em pranto e a pedir
que ainda o respeitassem.
Na
esquadra, mais calmo, perguntou como é que o tinham descuberto.
-
Foi fácil Mestre, você cometeu um erro comum em quase todos os assassinos,
quis deixar a sua marca. E a frase escrita no bloco de recados do hall,
“Nunca deixes de respeitar o próximo, senão perdem o respeito por ti.”,
é o meu lema de vida. O meu nome é Albano Cardoso e em tempos fui seu aluno.
-
Menino Albano…o melhor.