Era verdade. Pela primeira vez na vida estava a voar. O ar a percorrer-lhe a cara e atirar para tras os seus longos cabelos loiros arrasta com ele historias que nao deseja lembrar.
A ultima noite tinha sido a gota de agua. Nunca se tinha sentido tao vaiada, envergonhada, tao humilhada. O que aquele homem quisera fazer ela nunca tinha imaginado que fosse possivel um ser humano desejar de outro. Estava farta!
A sua historia e tipica da menina do campo que resolve vir para a cidade em busca de vida melhor. Nasceu numa aldeia duma ilha do Atlantico, daquelas aldeias so e possivel encontrar num mapa local, com o nome escrito numa letra minuscula. Teve uma infancia sem grandes
recordacoes, mas tambem sem grandes sobressaltos. Nao havia riqueza la em casa, mas nunca faltou o pao, e se o dinheiro por vezes faltava, a horta e a criacao que mantinham nao deixavam que a mesa ficasse vazia.
So que nao chegava. O seu espirito aventureiro e inconformado de Lara nao se satisfazia com a rotina de uma vida de campo, exigente no esforco fisico mas limitada nos seus horizontes.
O dia em resolve partir nao foi surpresa para os seus pais. Ha muito que eles esperavam o momento em que o passarinho abriria a porta da gaiola. Sabiam que quando ela se fosse embora nao voltaria, e se viesse a arrepender da sua decisao, nunca o admitiria, nem sequer para ela propria.
A chegada ao continente fe-la sentir pequenina no meio de tanta imensidao. Enquanto o barco faz as manobras para acostar ao porto, da uma olhada em volta. Ao ver outras como ela, sente que nao consegue disfarcar as suas origens nem do que vinha a procura. Como muitas outras, o seu ar perdido mas decidido, ligeiramente desconfiado, e logo captado pelos homens que, fingindo querer ajudar, apenas pretendem capitalizar as qualidades naturais de um corpo musculado pelo trabalho do campo.
A sua primeira e unica paixao fora um destes homens. Fez-lhe acreditar que o amor que ele sentia por ela e que era verdadeiro, que so quando o seu corpo se aninhava do dele e que era sentido, so entao e que as suas emocoes despertavam. O resto era trabalho, era a sua profissao.
Mais tarde ela percebeu que tinha razao: era a SUA profissao. A dele era tirar rendimento da sua ingenuidade. Largou-o. Comecou tudo de novo, desapareceu a meio da noite, nem dinheiro levou. Nada queria que o fizesse recordar.
O seu sustento foi a unica heranca que levou consigo. Os truques e a percepcao daquilo que um homem gosta permitiram-lhe viver menos mal
...ate hoje.
Quando leu a noticia num carta enviada pelo seu tio, os seus joelhos dobraram, sem forcas. Ajoelhada, luta contra as lagrimas que teimam e saltar-lhe dos olhos e escorrer-lhe pela cara. As forcas da Natureza que fizeram a terra tremer e engolir a casa de seus pais enquanto
dormiam abateram-se sobre ela. Movida por uma ultima vontade de seguir em frente, de continuar a sua vida, nao faltou ao encontro marcado para essa noite, aquele encontro mensal que lhe permitia pagar a renda da pensao.
So que desta vez, ao acordar no dia seguinte, nao conseguira esquecer do que fora obrigada mais uma vez a fazer nessa noite. Sem hesitar decide sentar-se no parapeito da janela. Apenas um impulso e alguns andares a separavam de um encontro com os seus pais. Uma decisao tao forte quanto a que a fez partir da ilha onde nasceu fe-la saltar. O ar a percorrer-lhe os cabelos e a secar-lhe as lagrimas da cara fe-la sentir-se livre como ha muito nao sentia.
O contacto com o chao foi a confirmacao de que de novo Lara controlava a sua vida...