A cidade vai dormir. As faces das pessoas diluem-se no fumo dos escapes, na neblina crepuscular deste Verão luminoso.
Esta cidade tem gente com muros à volta, tem milhares de vidas circulando em tangentes, vidas diversas mas unidas no dia-a-dia.
Uns recordam a noite ainda fresca passada com o amante. Esses são os que escondem o sorriso cheio de luxúria que ostentam sentados numa qualquer carruagem de metropolitano. É um sorriso muito bonito e descontraído.
Outros trazem faces carregadas, tristes, cansadas dos circulos infinitos em que as suas vidas se tornaram: casados com pessoas que não amam, vivendo vidas que não gostam, sonhando à noite com os heróis televisivos de corpos esbeltos, perfeitos reflexos daquilo que não têm mas julgam ser a felicidade.
Outros ainda, não têm expressão. São os mais assustadores, não falam, deixaram de sentir há já algum tempo, é a vida que passa por eles enquanto esperam pela morte.
Mas todos partilham esta cidade pulsante, cada vez mais cosmopolita.
Uma cidade que se alimenta dos seus habitantes, que lhes suga as vidas diariamente, num frenesim devorador de emoções...
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Em troca, a cidade oferece-se a quem a quiser gozar...
Cidade feita mulher ávida de se entregar, na intensa luxúria de amar quase dois milhões de habitantes em simultâneo.
A cidade em que cada esquina guarda um tesouro para quem o quiser ver, cidade que cresceu apertada entre mar e rio, num abraço eterno de corpos enlaçados, numa predestinação do seu futuro como metrópole urbana.
A cidade que destila o suor dos seus habitantes, na tentativa desesperada de perder calor...
O calor que escorre à noite dos corpos dos seus filhos quando se amam.
A cidade que eu amo, que me prende, que me sustenta.
Lisboa!...