Solstício

 

A solidão era a sua companhia. Sentado, à porta da sua humilde casa olhava, inquieto e triste, o céu cinzento de um dia frio de Dezembro.

O peso dos anos já era demasiado grande para ser esquecido. A sua vida -parca de alegrias mas forte em emoções- tornara-o resistente à mudança. Os filhos, casados e com filhos já com filhos, eram apenas recordações ténues de um passado distante. As suas mãos, rugosas e frias, mostravam uma sombra esbatida da força perdida. A sua vida gradualmente ia-se tornando cada vez mais semelhante aos primeiros nevões de inverno, quando os verdejantes prados da sua amada planicie se cobriam com o imaculado manto da morte.

Era essa planicie a sua paixão. Os passeios de fim de tarde pelos campos e bosques que ladeavam a sua aldeia, eram a única forma de lhe acalmar o espirito e repousar a alma.

Nessa tarde, com as suas pequenas e cansadas pernas palmilhando os caminhos que amava, não imaginava que não mais voltaria à sua morada de sempre.

Saiu de casa após o almoço e começou o seu passeio diário. Vageava, como quem, sem rumo definido, procura um sentido ou uma existência perdida.

Deambulava pelo bosque, ouvindo os rouxinóis e as cigarras que coloriam a alva neve acabada de cair.

Sentou-se, para descansar um pouco. Bebeu um pouco de água e ficou a comtemplar o seu santuário. Não era mais que um conjunto de rochas, curiosamente dispostas sob uma forma circular. Não parecia obra de Deus, mas não podia ser obra do Homem, devido à transbordante beleza e perfeição que transmitia, até ao mais incauto caminhante.

O dia estava a terminar. Os seus pensamentos vageavam livremente por entre aquelas antas rugosas, quando reparou em algo fascinante. O sol ía descendo, rigorosamente pelo centro das duas figuras principais deste seu monumento, insistindo em iluminá-lo, como se de um anjo se tratasse. Sentia-se embriagado quando começou a ouvir o mais belo dos cantos. Vozes celestiais invadiam o seu espirito entorpecendo-lhe os musculos. Abstraira-se de tudo o mais, apenas absorvendo este canto feliz e doce. Nada mais importava, nada mais existia, tudo se movimentava à volta do seu ser extasiado. Foi avançando, lentamente, em direcção ao sol, em direcção ao seu Deus. Quanto mais se aproximava, mais o seu coração se deliciava, mais a sua alma se preenchia. 

Conta uma lenda que foi encantado por uma feitiçeira, que com ele se fechou numa redoma de cristal, dando-lhe a conhecer os segredos do Universo e do Amor. Outras dizem que alcançou a plenitude do ser. Aquela que mais me fascina, diz que se transformou numa Estrela e que vagueia, no seu nobre santuário, iluminando os espiritos dos caminhantes.

 

N.A.: Em Stonehenge, no solstício de inverno, o sol põe-se, descendo na vertical, por entre as duas antas da alameda central. Outros monumentos da mesma região, estão construidos de forma a que aconteçam fenómenos idênticos. Existem fortes crenças, basedas em investigações cuidadas, de que nesta situação se conseguia estabelecer a ligação entre o mundo dos vivos e o mundo dos espiritos.

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