Vida com Morte adiada

 

Vou tentar como foi a última vez...

Era de noite, e eu tinha um saco com um corpo a estorvar-me o passo.

Para além do peso (sempre eram uns 75 quilos), outro factor importante que contribuía para o meu caminhar bamboleante era a falta de colaboração deste corpo. Se calhar era porque estava morto…

Mas como eu procurava chegar o mais rápido possível ao local de encontro, estas preocupações eram apenas fugazes. O que mais me preocupava era estar atrasado para a entrega.

Quando cheguei ao local combinado, já lá estava a idosa senhora que me comprava a mercadoria todos os meses nesta noite:

- Outra vez atrasado, hein?

- Pois, este custou mais um bocadinho porque era muito forte...

- Mas isso não é desculpa. O nosso contrato é muito claro neste aspecto. Agora podes-te ir embora…

E eu fui. O pagamento era automático e eu já tinha a certeza da honestidade da senhora. Aliás ela era honesta até à morte, em tudo e mais alguma coisa.

Estava na hora de voltar para o mundo a que vocês estão habituados…

Se calhar não faziam ideia que era assim que as coisas funcionavam…

A minha mestra nunca me deixou contar este processo a ninguém, mas como já estou um bocado cansado desta vida, alimentada com a morte dos outros, chegou a altura para romper o meu contrato. A minha patroa vai ter de encontrar outro homem para tratar da entrega dos mortos. Até lá, não sei como é que as coisas vão funcionar. Para mim chega!

Afinal, sempre foram 560 anos a transportar sacos pesados.

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Uma menina no hospital escapa milagrosamente à morte. O médico comenta com a família:"Foi um milagre! Foi como se a morte estivesse à espera, e não houvesse ninguém para lhe levar a vossa filha!"

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