FEDERAÇÃO ISRAELITA REPRIME MANIFESTAÇÃO AFRO-BRASILEIRA |
Como já havíamos denunciado num artigo anterior, as normas de censura contidas nas leis Caó e Paim não são do interesse dos negros - nem dos índios, nem dos mestiços; na verdade elas servem é a um sistema que deseja nos manter tutelados e alienados, evitando que meditemos abertamente sobre nossa condição social e que cheguemos a conclusões que são uma ameaça à dominação racista que mantém milhões de brasileiros na miséria porque suas veias possuem sangue indígena e negro. A verdadeira ameaça racista, aquela com que devemos realmente nos preocupar, é aquela abafada e que diariamente ameaça matar de fome milhões dos nossos, e muitas vezes o faz. As leis "anti-racistas" não foram criadas para defender os negros. Diferentemente do que nos tem sido ensinado, a proteção dos negros não foi o real motivo para a criação de leis anti-racistas no Brasil. As leis contra racismo começaram a ser implementadas por aqui como reação aos conflitos tribais europeus que culminaram na II Guerra Mundial (1939-1945). Foi o conteúdo racista presente nestes conflitos que levaram à famosa Lei Afonso Arinos, datada em 3 de julho de 1951, ou seja, não muito depois do fim da II Guerra. Neste período, o continente americano, e o Brasil, recebeu milhares de refugiados europeus, que poderiam continuar aqui as estranhezas de lá. Antes disso, as oligarquias racistas da república brasileira, descendentes dos antigos escravistas, nunca demonstraram interesse no assunto, e basta pesquisar os processos baseados nestas leis anti-racistas para verificar que os não brancos pouco têm se beneficiado delas, mas muitas vezes têm sido seus alvos. Na verdade, para sua aprovação os negros foram usados mais uma vez: dominados ideologicamente e excluídos economicamente por essa elite racista, a própria condição de fragilidade resultante foi usada como justificativa para a necessidade de uma lei que os protegessem do principal fator dessa mesma exclusão, o racismo. Esta lei também somava uma vantagem adicional para essa elite: esta apareceria como a boa protetora dos racialmente excluídos. Em suma, as leis anti-racistas não foram feitas para defender os negros, mas os brancos, de si mesmos e, pelo que se tem observado, para tutelar os não brancos também. A verdadeira natureza da Lei Afonso Arinos se revela na vida de seu autor. Afonso Arinos foi um político descendente de uma tradicional família de Minas Gerais, região onde se deu por atacado uma das mais violentas formas de exploração do trabalho escravo: a mineração. Com os ganhos obtidos da dominação dos mais pobres, onde eles colocaram e mantiveram os escravo-descendentes, a elite mineira permaneceu sorrindo de seus sobrados, enviando seus filhos para as academias para aprender a dominar as idéias e as leis, e para as sedes do poder para representá-la. Seguindo as cartilhas de seus renomados ancestrais (sua família, inclusive pai e avô, atuava com destaque na política desde a época do Império), Afonso Arinos uniu-se à UDN - União Democrática Nacional, partido quuee se assemelhava em interesses e composição à atual UDR. Em 1947, foi eleito Deputado Federal por esta sigla. Como os demais de seu partido, Afonso Arinos era um opositor de Getúlio Vargas. Este, em 1930, através de uma rebelião militar, tomou o poder de Washington Luís, aquele representante dos riquíssimos latifundiários que dizia que greve era coisa de polícia. Em vez de ficar somente assistindo a cerimônias oficiais, dançando em bailes e jogando esmolas aos menos favorecidos para atenuar sentimentos de culpa, Vargas implementou leis que visavam proteger o trabalhador dos desmandos e desprezo da casta a que Afonso Arinos estava ligado. Vargas foi deposto em 1945, mas em 1951 voltou à presidência via eleição direta. Nesta época, Afonso Arinos já estava em seu quarto mandato e, aproveitando a crise gerada no caso dos tiros que feriram o jornalista Carlos Lacerda, da UDN, inimigo político de Vargas, sugeriu num discurso proferido em 9 de agosto de 1954, que o Presidente renunciasse. Quinze dias depois, Vargas metia uma bala no coração e largava a vida pra entrar na história, adiando por dez anos a tomada do poder por esse pessoal que ele conhecia muito bem. Mas, dez anos depois, Afonso Arinos estava lá, apoiando os militares golpistas contra as reformas que poderiam ter libertado milhões de negros, índios e mestiços da miséria na qual a gente de Afonso Arinos tem sustentado seu poder político até hoje. Assim, para compreender o verdadeiro significado da Lei Afonso Arinos, é preciso compreender que ela não representou de modo algum um desejo do político de mudar a condição dos negros. Estava bem mais próxima daqueles ímpetos que fazem alguém jogar uma moeda a um pedinte e esquecê-lo um minuto depois. Tutelamento e censura: abafando-se o racismo mantém-se as coisas como estão. Após Afonso Arinos, outras legislações anti-racistas mais rigorosas foram estabelecidas, com o racismo passando a ser considerado crime. Um outro acréscimo, que revela o espírito de tutelamento que ainda persiste na relação dos racialmente excluídos com os que os governam, foi o da censura. O argumento fictício dos que defendem que censurando resultará nas pessoas perderem sentimentos racistas, ou não ser tomadas por eles, revela sua contradição quando pregam que é preciso atentar mais para o problema do racismo, e ao mesmo tempo lamentam que o racismo no Brasil é difícil de ser combatido por ser dissimulado. É óbvio que leis de censura só servem para aumentar essa dissimulação, pois até no tempo em que não havia as leis de censura atuais a dissimulação já era parte fundamental de nosso sistema de dominação racial. Tutelamento e alienação: "nós te protegemos, você segue o que nós mandamos". O último episódio envolvendo a Escola de Samba Vai Vai, de São Paulo, mostra bem como se dá o mecanismo de dominação sobre os racialmente excluídos quando estes são convencidos a delegar a terceiros a proteção deles mesmos. O pagamento pelo "serviço de proteção" é a submissão. Quando um sistema de poder político, ou outra qualquer instituição, assume a função de cuidar dos nossos inimigos, mesmo quando trata-se de um inimigo comum, e quando nós confiamos nele, esquecemos o problema e imaginamos que estamos seguros, estamos na realidade trocando um inimigo por um sinhorzinho, principalmente quando quem "nos protege" não se identifica conosco. Assim, um sistema de poder político onde os racialmente excluídos estão significativamente excluídos, não deve ser algo confiável para eles. Os negros, p. ex., têm pago seu preço pela "proteção" via censura na atual legislação em vigor, como se pode ver no caso Tiririca, no caso das suásticas da Águia de Ouro e da Vai Vai, no caso deste novo episódio envolvendo a letra de um samba enredo, e em outros casos que não vou citar aqui. Outras ações contra negros ocorrerão, se esta legislação não for mudada, abolindo-se a censura e a intimidação que ela carrega. Porque a Vai Vai vai sem Hitler. Após o protesto da Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP) contra a letra do samba enredo "Eu também sou imortal", e sua representação junto ao Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (GRADI),* órgão da Polícia Militar de São Paulo, agora candidato a DOI-CODI da Nova República, um carnavalesco da Escola de Samba Vai Vai declarou que iria rever todo o enredo da música*. Esta servil decisão de adulterar a letra do samba - houve até quem agradecesse e mesmo pedisse desculpas a seus repressores -, é algo que lembra aqueles escravos aterrorizados que enquanto apanhavam pediam desculpas ao patrãozinho por não terem agido como ele esperava. É a isso que a censura das leis Caó e Paim efetivamente está servindo. Usada contra os negros antes, a censura - e a perspectiva de punição - volta agora a ser usada contra uma das mais importantes manifestações culturais dos afro-brasileiros, os sambas-enredo apresentados nos desfiles carnavalescos das escolas de samba. Não é demais relembrar que a censura contra o racismo é uma farsa que tem servido, entre outras coisas, para silenciar sobre determinados capítulos da história negra que não são do interesse de certos grupos tratar. O desprezo pela inteligência negra revela-se no trato com suas manifestações culturais. Esta foi mais uma agressão contra a cultura negra, que tem nos sambas-enredo uma de suas formas de expressão e nos desfiles de escolas de samba um dos poucos momentos em que a mídia dominada por uma elite excludente permite a inteligência negra se expressar... ou quase. Basta observar os jurados que são escolhidos para julgar os desfiles das escolas de samba, para notar como há o desejo de tutelar, de dominar, de enquadrar a cultura negra. Para os racistas, nossas manifestações são inferiores, nós mesmos seríamos incapazes de avaliá-las. Eles acreditam que precisamos, como crianças, ser orientados a cada passo - e o desejam. Nossos ancestrais negros dançavam contra seus inimigos. Talvez essas pessoas da FISESP imaginem que nós não sabemos que Hitler também perseguiu negros, e que negros também morreram em campos de concentração; sabemos e temos procurado divulgar isso aos que não sabem, e em especial aos mais interessados, os negros e afro-descendentes. Talvez eles pensem que nós não possamos expressar à nossa maneira o que pensamos sobre o ditador alemão. Não creio que as vítimas negras do Holocausto, nem da escravidão, tenham morrido para que os negros e suas manifestações culturais fiquem pedindo permissão para falar sobre Hitler, ou sobre qualquer outro assunto. Essa estranheza com o fato de se tratar de certos temas por meio de dança e canto, não fica longe da estranheza, e freqüente hostilidade, com que a civilização européia judaico-cristã, ao chegar à África para escravizar seus nativos, viu negros iorubas dançando para suas divindades, seja para honrá-las, seja para pedir justiça contra algum inimigo - algo esteticamente muito diferente das sisudas cerimônias das igrejas e sinagogas da Europa. O que a Vai Vai, os Filhos de Gandhi e os negros deveriam saber sobre este líder indiano. Os afro-brasileiros têm recebido uma educação de má qualidade em escolas públicas, em grande parte mal administradas, onde a maioria é encaixada por nosso governo. Além disso, vivem num mundo onde os livros, os jornais, a mídia em geral, não se interessam, e muito menos se identificam com eles. A comunicação de massa está e esteve sempre nas mãos dos que detêm o poder econômico, e servindo a estes. Talvez por isso não tenha aparecido ninguém ligado à militância dos politicamente corretos para reclamar da presença de Gandhi, ao lado de Jesus e de Buda, na letra do samba da Vai Vai. A mídia construiu uma imagem angelical de Gandhi, silenciando um detalhe especialmente importante de sua vida política: Gandhi, que viveu, trabalhou e militou na África do Sul, nunca interessou-se pela questão dos negros daquela colônia britânica; não só nunca se interessou como, em 1906, sob o reinado de Eduardo VII, aceitou o posto de sargento-ajudante e reorganizou o Corpo de Ambulância Indiano em apoio aos britânicos na repressão ao levante dos negros zulus que se deu naquele ano e que resultou na morte de milhares de nativos. Foi só quando Gandhi, que pertencia a uma das castas consideradas mais elevadas na Índia, perdeu a esperança de que os indianos, ou melhor, a elite indiana viesse a ser tratada como igual pela elite branca do Império Britânico, que Gandhi começou a lutar pela independência de seu país. Teríamos, assim, como afro-descendentes, motivos também para desejar tirar Gandhi do samba-enredo da Vai Vai - mas Gandhi não pertence a nós, pertence à história, e não somos anti-democratas, fascistas nem sionistas pra ficarmos policiando a mente dos outros. Devemos, no máximo, criticar o mau gosto ou boicotar o evento. Por falar em sionistas, uma opção para a Vai Vai, se desejar colocar um genocida e racista no enredo, seria trocar Hitler por Ariel Sharon, ou por Jabotinsky - fica a sugestão. Conhecimento e união - o segredo para não ser mandado. Há uma lição, porém, a ser tirado disso tudo: devemos conhecer a história de nossa gente e defendê-la no seu espírito. Povos com culturas que valorizam a união, que incitam fortemente à solidariedade entre os seus, têm chances maiores de não serem feitos escravos, ou de deixarem de ser. É nesse sentido que a miscigenação tem sido um elemento poderoso e eficaz na construção de nossa nacionalidade. Ela é a solução que dissolve os quistos do racismo, que dá uma direção real à nação, que inspira a alma com o espírito de união e de solidariedade, que tem a força de somar os excluídos contra o racismo que os quer como cidadãos de segunda. Nenhum movimento que se diga compromissado com a libertação dos racialmente excluídos o será realmente mantendo-se em silêncio ao ver a cultura dos oprimidos mais uma vez acuada. Leão
Alves é médico e presidente do Movimento Nação Mestiça *Vide Folha de S. Paulo, 29 de outubro de 2004 - Cotidiano C7; http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2910200424.htm; http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2910200424.htm (visitados em 01.11.2004). **Vide http://www.diariosp.com.br/saopaulo/default.asp?editoria=16&id=327051 (visitado em 01.11.2004). |