Liderança: responsabilidade ou despotismo

Fabrizzio B. Dal Piero

"Qualquer pessoa que tenha o poder, tende a abusar dele. Para que não haja abuso é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder."

Montesquieu
(1689-1755)

Líder é aquele quem cria e mantém a confiança entre homens que, livremente, adotaram concepções filosóficas comuns e optaram para oferecer o melhor de sua contribuição, visando a concretizar propósitos também comuns. A responsabilidade do líder é dupla, pois lhe cabe, de um lado, cumprir a missão; e do outro, preencher os seus deveres para com os subordinados.

O verdadeiro líder, em vez de adaptar-se, está sempre pesquisando e implementando novas formas de tornar a sinergia dos homens mais produtiva e coesa na obtenção de resultados cada vez melhores e maiores. Portanto, um líder sempre está identificando novos chefes, fortes, aptos e conscientes para conduzir de forma eficiente e majestosa a tropa no combate em momentos em que aquele não estiver presente.

Essa qualidade de reconhecer talentos e de delegar poder de decisão evita que erros humanos, individuais da decisão do líder, chefe, general ou comandante prejudiquem a concretização de uma missão, que é o que realmente une os homens.

"Um exército, acostumado a ordens de um general, quando, por acidente, torna-se livre dos dizeres do chefe, não mantém a unidade que o líder conquistou, senão com muito esforço."

Maquiavelli

Um sem número de exemplos demostram aos que consultam as lembranças da Antigüidade quanto é difícil a um exército, acostumado a viver sob as regras de um chefe, conservar as qualidades que aquele defendia. Semelhante exército é parecido com um animal embrutecido que, embora de natureza feroz e nascido nas florestas, tenha sido sempre nutrido na prisão e na escravidão; sendo ele, por acaso, subitamente libertado e jogado no meio dos campos, não conseguiria mais achar o seu alimento nem encontraria abrigo e logo se tornaria a presa do inimigo.

A liderança é a capacidade de influenciar o comportamento e conduzir pessoas ao cumprimento do dever, tendo em conta que o principal objetivo de um comandante é a condução eficiente da força na missão.

Existem tipos diferentes de liderança e formas diversificadas de utilização. Este artigo diz respeito aos modelos de liderança usados e suas conseqüências não só para os liderados como principalmente para a missão definida.

Portanto, podemos começar com a primeira imperfeição da guerra napoleônica e que nos interessa: o comando.

A centralização do comando em Napoleão, embora o levasse a uma sucessão de vitórias, tornou-se, no final, um fator de sua queda. A partir do momento em que a guerra se prolongava, tornava-se tão grandiosa e complexa que, sem dispor de um bem organizado Estado - Maior, não era possível, para Napoleão conduzi-la com excelência.

Isso foi aos poucos transformando-se em um grave erro, o que fez os seus inimigos compreenderem que era a falta de unidade entre si que impedia seus exércitos de se reunirem contra ele e que, a menos que isso acontecesse, continuariam a perder por partes.

"Suas ordens tinham que ser executadas fossem quais fossem os meios de comando[...] Este hábito de fazer tudo com meios insuficientes, esta determinação de não reconhecer as impossibilidades, esta confiança ilimitada no sucesso, que no início, foram as coisas de nossos triunfos, foram-nos, no fim, fatais."

Duque de Fézensac

Os marechais de Napoleão não tinham sido formados para comandar, apenas para obedecer. Eram seguidores e não líderes. A liderança autocrática, além de inibir a iniciativa do subordinado, não considera os aspectos humanos.

O líder deve identificar um problema e propor uma tentativa de solução. Antes, porém, de finalizá-la, procura obter as reações do grupo para implementá-la. Essa liderança participativa torna as equipes mais coesas e eficientes, pois a valorização dos subordinados promove o desempenho responsável e a autodisciplina. Isso sem excluir o princípio de autoridade de que está investido o líder e que por este deverá ser exercido em toda sua plenitude, inclusive com a energia necessária e suficiente para cada situação considerada.

"Para o líder autêntico, o poder é um instrumento que ele aceita para servir aos seus semelhantes e realizar propósitos nobres."

O autoritarismo usado e defendido por algumas frases, como: "eu assumo as responsabilidades, ou ainda, já tomei minha decisão", se não é foi uma das causas dos grandes fracassos em um campo de batalhas. Em fevereiro de 1814, o Corpo de Exército de Yorck marchava na segunda linha, escalonado à direita e à retaguarda do Corpo de Exército de Sacken. Ele havia chegado a Chateau Terry quando sofreu o ataque de Napoleão por Sezanne. Yorck estimou o perigo de forma mais correta do que o comandante do Exército, que se encontrava mais distante, à retaguarda, e propôs uma junção com o Exército de Sacken na outra margem do Marne.

No quartel general do exército, fora corretamente estimado que, juntos Yarck e Sacken excederiam Napoleão em número de 30.000 contra 20.000; e, por esse motivo, os dois corpos de exércitos receberam ordens para se unirem na margen esquerda do Marne, em Montmirail, e então avançar para Etoges. Yorck manteve-se obstinadamente fiel à sua própria opinião e tomou apenas meias medidas para executar essas ordens.

Sabendo que Sacken recuava em direção a Montmirail, ele não o apoiou com a sua força; apenas adotou medidas para receber o corpo de exército russo que fora derrotado e para tornar possível a travessia do rio em Chateau Thierry.

Tal atitude possibilitou a Napoleão derrotar os dois corpos de exército separadamente e expulsá-los de volta para a outra margem do Marne, com grandes perdas.

Liderança autoritária pode vir a se confundir com a liderança delegativa, a partir do momento em que o chefe perde o controle da situação. O líder sempre tem a palavra final sobre a execução da missão.

Seja qual for a forma de liderança que o líder empregue, ele sempre deve estar a par que o seu dever é canalizar as energias dos homens e conduzi-los ao cumprimento da missão. O dever primordial do chefe é o cumprimento da missão que lhe foi atribuída. Tudo o mais, mesmo o bem-estar dos seus homens, fica subordinado a isso.

Analisemos o fato ocorrido na Segunda Guerra que coloca o Tenente Roope, no caso o líder, em destaque:

A tempestade varria a coberta da embarcação, golpeando-a com fúria. O pequeno barco de guerra, jogando violentamente, afundava sua afilada proa na água, de quando em quando. Poucos homens permaneciam na coberta. Só os necessários estavam ali. Envoltos em seus casacos encerados e providos de seus salva-vidas, pareciam seres de outro mundo.

" Em meio ao perigo e à dificuldade, o ganhar ou o perder depende do que as pessoas fazem."

Mei Yaochen

Um silvo agudo assinalou o "homem ao mar". Rápidos sinais para a ponte de comando fizeram o navio reduzir a sua velocidade e dar meia - volta. Aquele homem não podia ficar lá, sozinho, perdido na imensidão do mar. Seus camaradas iam ao seu encontro.

Uma só idéia galvanizou o Tenente Roope - comandante do torpedeiro inglês Glowworm: salvar seu companheiro.

Não sabia, não imaginava sequer que aquele gesto lhe custaria a vida, a todos.

"A profissão das armas exige que seus membros dediquem por inteiro suas vidas pelos amigos e pela Pátria."

Após uma curva, o torpedeiro diminuiu a velocidade e cruzou em vários sentidos a zona em que havia caído o homem da tripulação. Dezenas de marinheiros perscrutavam as águas, ansiosamente. Passaram assim largos minutos. Enquanto isso, distantes, as silhuetas dos demais navios ingleses tornavam-se menores. Meia hora mais tarde, após abandonar a busca, o Glowworm dispôs-se a retornar à rota. Estava sozinho. O grosso da frota perdera-se no horizonte. O comandante, Tenente Gerard Roope, ordenou que se avançasse a toda máquina, com o objetivo de alcançar a formação. Mas, algo se interpôs em seu caminho. Era uma silhueta distante, brumosa, que se recortava entre as ondas.

Tendo desviado sua atenção do objetivo principal que era o de dar proteção e seguir até o destino final com a frota, logo o Tenente Roope pode avaliar a fracassada tentativa de resgate do marinheiro e o valor pago por tamanha atitude. É laudável ver a dedicação de soldados perante a seus patriotas e devemos reconhecer esses sacrifícios como uma atitude nobre de homens de enorme caráter, mas é positivo e primordial manter a unidade e o comando na missão.

"Dominar o coração é usar a ordem para lidar com a desordem e usar a calma para lidar com os importunos."

Mestre Sun

Mas era tarde para qualquer nova avaliação do tempo que perderam na procura do homem. A frota alemã havia aparecido no horizonte. Eram 6 horas. Os couraçados Scharnhorst e Gneisenau protegidos por numerosos torpedeiros, avançavam a toda máquina.

O Glowworm projetou logo as letras de seu sinal de reconhecimento. De mais perto, um torpedeiro respondeu: o nome de um torpedeiro sueco. Mas o tenente Roope não se enganou. Compreendeu, claramente, que ali estava o inimigo. E abriu fogo, valorosamente. Seus torpedos partiram de imediato em busca do adversário. Atirando de longe, erraram o alvo.

Enquanto isso, os barcos alemães, cercando o inglês, atacavam-no com seus canhões. O Tenente Roope ocultou o seu navio atrás de uma cortina de fumaça, da qual saiu mais adiante para enfrentar o cruzador Admiral Hipper. Roope, valentemente, atirou seu navio contra o gigantesco casco do Admiral Hipper, mas a sua sorte estava lançada. Batido pelos canhões de 203 cm do cruzador que disparavam à queima-roupa, o Glowworm, envolto em chamas, começou a afundar. Apesar disso, destroçado e ardendo, ainda atirou dois torpedos contra o Admiral Hipper que foram evitados com dificuldade. Instantes depois aniquilado pelos incêndios e explosões, o Glowworm desapareceu sob as águas. Eram nove horas do dia 8 de abril de 1940. A campanha da Noruega havia começado.

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